Continuação do dia 19 de agosto
Após a
"intromissão" da postagem alusiva ao Dia do Psicólogo na
sequência das postagens, seguem mais algumas reflexões provocadas pela postagem
intitulada A sabedoria dos povos
indígenas.
"Voltando ao relato dos índios, o que você vai ler a seguir é uma síntese preciosa de um modo de ser e de viver: 'Quando criança eu sabia ser generoso; esqueci esta graça ao me tornar civilizado. Eu vivia a vida natural, quando agora vivo a artificial. Qualquer pedrinha colorida tinha valor para mim, toda árvore era um objeto de reverência.'".
Extraído do texto de Fernando Mansur, que o extraiu do livro
Pés nus sobre a terra sagrada – um
impressionante autorretrato dos índios norte-americanos, compilado por T. C.
McLuhan, o parágrafo acima é o início do primeiro parágrafo de um capítulo intitulado
Ohiyesa, o conhecido escritor, fala aqui
do seu passado. Parágrafo que é complementado pelo trecho reproduzido no
parágrafo abaixo.
"Agora reverencio, juntamente com o homem branco, uma paisagem pintada cujo valor é calculado em dólares! Assim o índio é reconstruído, da mesma forma que as rochas naturais são reduzidas a pó e transformadas em blocos de cimento que servirão para levantar os muros da moderna sociedade."
Quem foi Ohiyesa? Foi um indígena norte-americano de nome
Charles Alexander Eastman (Sioux: Ohiyesa, [1858 – 1939]), que tendo vivido
seus primeiros quinze anos de vida entre os Sioux, tornou-se autor literário,
médico e político reformista.
Quando criança, convivendo com indígenas, Ohiyesa sabia
ser generoso; Quando adulto (segundo ele), não sabia mais, pois o processo de
civilização o fez esquecer a graça da generosidade. Esquecimento que leva-me a trazer
para estas reflexões uma frase que encontrei no topo da capa do DVD de um filme
intitulado Instinto:
"Nada é mais selvagem que a civilização". Esquecimento, facilmente, explicável
se considerarmos que generosidade é algo incompatível com uma
moderna sociedade em que as pessoas precisam levantar muros, cada vez mais
altos, para protegerem-se, cada vez mais, umas das outras. E ao falar na generosidade
da criança, Ohiyesa faz-me trazer para estas reflexões uma história contada por
outro indígena: o sábio pensador Ailton Krenak. Onde a encontrei? No livro A vida não é útil.
"Tem uma história antiga do povo Krenak que diz que o Criador deixou uma humanidade aqui na Terra e foi para algum outro lugar do cosmos. Um dia ele se lembrou de nós e disse: 'Ah, eu deixei minhas criaturas lá na Terra, preciso ver o que eles se tornaram'. Mas, enquanto fazia esse movimento incrível de vir até aqui nos ver, ele pensou: 'E se eles tiverem se tornado algo pior do que eu posso conceber? O melhor seria não ter um encontro pessoal com eles. Vou fazer o seguinte: vou me transformar em uma outra criatura para ver as minhas criaturas'. Ele se transformou num tamanduá e saiu pela campina. Em certo momento, um grupo de caçadores, munidos de bordunas e laços, se encostaram numa paisagem, avançaram sobre ele, o prenderam e levaram pro acampamento com a intenção óbvia de comê-lo. Duas crianças gêmeas, que observavam a cena, evitaram que ele fosse levado para a fogueira. Ele então se revelou para os meninos, que, antes que os adultos descobrissem, acobertaram a sua fuga. Do alto de uma colina, os meninos gritaram: 'Avô, o que você achou da gente, de suas criaturas?'. E Deus respondeu: 'Mais ou menos'."
Ou seja, se não houvesse a generosidade das duas crianças
gêmeas, as criaturas adultas teriam comido o criador. Sim, com o transcorrer do
tempo, o que ocorre nesta dimensão é a criatura ir esquecendo como é o criador.
Esquecimento sobre o qual nos fala uma curta história intitulada A irmã mais velha pergunta publicada em uma
antiga coluna jornalística do escritor Paulo Coelho.
A irmã mais velha perguntaQuando seu irmão nasceu, Sa-chi Gabriel insistia com os pais para ficar sozinha com o bebê. Temendo que, como muitas crianças de 4 anos, estivesse enciumada e quisesse maltratá-lo, eles não deixaram.Mas Sa-chi não dava mostra de ciúmes. E como sempre tratava o bebê com carinho, os pais resolveram fazer um teste. Deixaram Sa-chi com o recém-nascido, e ficaram observando seu comportamento através da porta semi-aberta.Encantada por ter seu desejo satisfeito, a pequena Sa-chi aproximou-se do berço na ponta dos pés, curvou-se até o bebê e disse: "Me diz como Deus é! Eu já estou esquecendo!"
Esquecer coisas que não deveriam, eis um grande problema dos adultos! E ao
falar em esquecimento, o velho método das recordações sucessivas faz-me lembrar da seguinte afirmação de
Antoine de Saint-Exupéry em sua obra-prima intitulada O Pequeno Príncipe: "Todas as pessoas grandes foram um dia
crianças. Pena que sejam poucas as que se lembram disso."
E ao lamentar tal esquecimento, Saint-Exupéry faz-me lembrar
de uma postagem publicada há sete anos (28 de agosto de 2015). O título? Se o mundo tem solução, é através da criança.
Afinal, se a solução para o mundo é através da criança, o esquecimento de ter
sido criança é algo que, simplesmente, inviabiliza encontrar solução para o
mundo. Por concordar com o título da referida postagem, já publiquei neste blog
várias postagens falando sobre crianças e algumas coisas que jamais deveriam negligenciadas
nas interações entre elas e os adultos (aqueles seres que esqueceram que algum
dia foram crianças). O próximo parágrafo apresenta uma relação de tais
postagens. E antes dele, segue a repetição das três frases que intitulam a
penúltima ilustração apresentada na faixa direita deste blog: Leia quem quiser... Compreenda quem puder...
Aproveite quem souber.
Era uma vez uma infância (12.05.2011) A
meta é a felicidade (15.06.2011) Competitividade na escola é criticada
(04.07.2011) E uma mulher que carregava o filho nos
braços disse: "Fala-nos dos filhos" (07.06.2012) Pais
ensinam que pessoas estão à venda (13.08.2013) A criança e a infância (24.08.2015) Se o mundo tem solução, é através da criança (28.08.2015) Contas
sem faz de conta (03.09.2015) Pais sem pressa (15.09.2015) Ubuntu (17.11.2015) 'A
criança não quer pais perfeitos, ela quer pais que estejam presentes' (20.03.2017) Algumas
passagens marcantes do documentário "O Começo da Vida" (05.04.2017) Falta a
criança de três anos (10.08.2017) 'Crianças
não são o futuro. São o presente' (29.09.2017) Criança precisa caminhar pela cidade para
ser cidadã (25.10.2017) O menino que nos ensinou a ver (28.05.2018) Os
dois meninos (10.07.2019)
Prosseguindo com estas reflexões, segue uma afirmação de Vladimir
Maiakovski que, no meu entender, tem tudo a ver com o modo como as crianças são
tratadas neste insano mundo em que sobrevivemos. "Cada um, ao nascer, traz
sua dose de amor. Mas os empregos, o dinheiro, tudo isso, nos resseca o solo do
coração".
"Cada
um ao nascer", ou seja, cada criança, "traz sua dose de amor".
Sendo assim, será que faz sentido atribuir o ressecamento do solo do coração ao
que lhe é inculcado em termos do valor atribuído "aos empregos, ao
dinheiro", ao estímulo a uma insana competitividade da qual resulta uma
sociedade estupidamente desigual na qual uns têm e outros não têm; e onde os
que têm ainda são estimulados a tripudiar sobre os que não têm? Para ilustrar o
que acabo de dizer, segue o endereço (https://www.youtube.com/ watch?v=2nO1wekYB2A)
onde pode ser visto um antigo comercial da Tesourinha Mickey e Minnie
(Mundial) exibido em 1992 (faz tempo, hein!). Um comercial em que uma
criança repete freneticamente o seguinte "mantra": "eu tenho,
você não tem". Será que tudo isso, "nos resseca o solo do
coração"?
Tentando encerrar estas intermináveis reflexões, segue
uma recomendação de Gibran Khalil Gibran extraída do capítulo em que ele fala
sobre os filhos em sua obra-prima O
Profeta. "Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis
fazê-los como vós, Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias
passados." O capítulo completo pode (seria melhor dizer: deve?) ser lido
na postagem E uma mulher que carregava o
filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos" (07.06.2012).
Sim, como diz Antoine de
Saint-Exupéry, "As crianças têm de ter muita tolerância com os
adultos.". Até porque, tolerância com os adultos é algo que parece-me estar
incluído na solicitação feita pelo maior mestre que já passou por esta dimensão
no momento em que, segundo o evangelho atribuído a Lucas, ele pronunciou algo
mais ou menos assim: Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem. Solicitação feita nos derradeiros momentos de sua
passagem por esta dimensão, ou seja, após já ter feito aos adultos a seguinte
recomendação: "Deixai vir a mim os pequeninos, e não os
impeçais, porque deles é o reino de Deus."
Após todas
as reflexões apresentadas acima, no meu entender, a melhor maneira de encerrar
esta postagem é repetindo a afirmação que intitula aquela publicada em 28 de
agosto de 2015, e já citada nesta: Se o
mundo tem solução, é através da criança. E deixar com vocês a tarefa de
refletir sobre tudo o que é dito acima.
Termina
na próxima quinta-feira
Nenhum comentário:
Postar um comentário