quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Reflexões provocadas por "A sabedoria dos povos indígenas" (final)

Continuação de sexta-feira
"O índio americano combinava seu orgulho com uma singular humildade. A arrogância espiritual sempre foi estranha à sua natureza e aos seus ensinamentos. Jamais pretendeu que o poder do discurso articulado fosse uma prova de superioridade sobre a criação silenciosa; por outro lado, o considerava uma perigosa dádiva. O índio acredita profundamente no silêncio – signo de um perfeito equilíbrio. O silêncio é o absoluto repouso ou equilíbrio de corpo, mente e espírito. O homem que preserva a sua individualidade está sempre calmo e ao abrigo das tempestades da existência – nenhuma folha se agita na árvore, nenhuma onda na superfície do lago; esta, na visão do sábio iletrado, é a conduta ideal da vida."
"Se lhe perguntam: 'O que é o silêncio?', responderá: 'É o Grande Mistério! O sagrado silêncio é a Sua voz!' Se lhe perguntam: 'Quais são os frutos do silêncio?', responderá: 'O autocontrole, a verdadeira coragem ou perseverança, a paciência, a dignidade e a reverência. O silêncio é a pedra angular do caráter.'"
Extraídos do livro Pés nus sobre a terra sagrada – um impressionante autorretrato dos índios norte-americanos, compilado por T. C. McLuhan, os dois parágrafos acima complementam o capítulo intitulado Ohiyesa, o conhecido escritor, fala aqui do seu passado, cujo início foi reproduzido na postagem anterior. E ao dizer "O índio acredita profundamente no silêncio – signo de um perfeito equilíbrio. O silêncio é o absoluto repouso ou equilíbrio de corpo, mente e espírito.", no meu entender, Ohiyesa acaba chamando atenção para a imensa diferença em termos da relação do índio e do homem branco com o silêncio. Enquanto o índio acredita profundamente no silêncio, o homem branco acredita profundamente na ausência de silêncio, ou seja, no barulho.
"Signo de um perfeito equilíbrio, o silêncio é o absoluto repouso ou equilíbrio de corpo, mente e espírito.", diz Ohiyesa. Será que tais palavras explicam o desequilibrado mundo resultante da vitória do homem branco sobre os povos indígenas? A capa do livro Pés nus sobre a terra sagrada apresenta, acima do título, as seguintes palavras: A visão dos vencidos. "Se lhe perguntam: 'Quais são os frutos do silêncio?', responderá: 'O autocontrole, a verdadeira coragem ou perseverança, a paciência, a dignidade e a reverência. O silêncio é a pedra angular do caráter.'", eis algumas palavras de Ohiyesa que deveriam nos dar o que pensar se ainda almejarmos transformar esta civilização (sic) na qual sobrevivemos em algo que, algum dia, faça jus ao termo civilização, segundo a definição apresentada abaixo.
"Defino civilização, em termos gerais, como progresso tanto espiritual quanto material em todas as esferas de atividade, acompanhado por um desenvolvimento ético dos indivíduos e da humanidade." (Albert Schweitzer [1875 – 1965], Prêmio Nobel da Paz em 1952)
E ao falar em civilização, a velha prática das recordações sucessivas leva-me a trazer para estas reflexões as palavras de Ernest Thompson Seton, um homem branco que vivera entre os indígenas, em seu livro The Gospel of the Redman (O Evangelho do Pele Vermelha), reproduzidas no próximo parágrafo.
"A cultura e a civilização do Homem Branco são essencialmente materiais; ele mede seu sucesso pela quantidade de propriedades que adquiriu para ele mesmo. A cultura do Pele Vermelha é fundamentalmente espiritual; sua medida de sucesso é quanto serviço ele já prestou a seu povo".
Vocês concordam que indígenas e homens brancos são seres essencialmente diferentes? Voltando ao tema silêncio, segue um trecho de um artigo de Rubem Alves publicado na edição de 21 de dezembro de 2004 da revista Sinapse (uma extinta publicação mensal do jornal Folha de S. Paulo) sob o título Ouvir para aprender.
"Não nos sentimos em casa no silêncio. Quando a conversa pára por não haver o que dizer, tratamos logo de falar qualquer coisa, para pôr um fim ao silêncio."
E ao referir-se a "não haver o que dizer", Rubem Alves faz-me lembrar de algo dito por Rollo May em seu livro O homem à procura de si mesmo, e reproduzido no parágrafo abaixo.
"Importante não é o que se diz, e sim que haja sempre alguém falando. O silêncio é um grande crime, pois significa solidão e medo. Não se deve aprofundar as sensações, nem levar muito a sério o que se diz. Aparentemente as palavras produzem mais efeito se a pessoa não tenta compreendê-las."
Escritas há 69 anos, as palavras de Rollo May parecem-me válidas até hoje. Até porque, após todo esse tempo outra coisa que permanece válida é o título de seu referido livro: O homem à procura de si mesmo. Alguém discorda de que obter êxito nessa procura é algo que ainda parece distante? E para encerrar o tema silêncio (nestas reflexões), seguem três parágrafos do artigo de Lúcia Guimarães intitulado Silêncio,por favor, publicado na edição de 21 de outubro de 2013 do jornal O Estado de S. Paulo.
"Nunca tinha pensado na relação entre o silêncio e a democracia, mas Prochnik me dá um exemplo que está na origem dos Estados Unidos, no final do século 18. Reunidos na Filadélfia, os fundadores da república, antes de redigir a Constituição, mandaram cobrir de terra a rua de pedras em frente ao Independence Hall. Queriam abafar o trote dos cavalos e outros ruídos de tráfego. Queriam se concentrar para imaginar a nova democracia. A interrupção da concentração por ruídos em volta, ainda que seja a TV ligada na sala ao lado, se reflete, sim sobre o curso da reflexão e consequentemente, sobre a independência do pensamento."
"Em seu livro, Prochnik cita um estudo de 1938 que analisava os discursos de Adolf Hitler. A voz do führer tinha uma média de frequência de vibrações mais alta do que a da média da população. O próprio Hitler comentou que não teria conquistado o poder se não fossem os alto-falantes. A voz, como lembrou Charles Darwin, pode ser uma arma de intimidação."

"Ao acompanhar certos debates em curso, seja o de políticos no Congresso ou o que divide músicos e biógrafos, lembro da tarde com George Prochnik no Central Park. Os xingamentos, os argumentos simplistas confirmam que o volume do barulho contribui para abafar a democracia."

Não sei o porquê, mas o fato é que o que é dito nos três parágrafos imediatamente acima, principalmente no mais imediato, faz-me lembrar do que acontece no momento atual em vários países deste insano planeta, principalmente neste em que sobrevivemos. Para quem quiser ler mais sobre o tema silêncio, segue uma relação de postagens alusivas ao Dia do Silêncio publicadas neste blog.

Dia do silêncio (07 de maio de 2014)     Silêncio, por favor (14 de maio de 2015)     Quietude (07 de maio de 2016)     Para escutar o som do silêncio (07 de maio de 2017)     Ecos da modernidade (08 de maio de 2018)     Silêncio, por favor (renovando a solicitação) (07 de maio de 2019)     O silêncio: quando o nada é tudo (07 de maio de 2020)     O silêncio é o irmão do divino (07 de maio de 2021)     Conheça a importância do silêncio e como cultivar a pausa (07 de maio de 2022).

"Há muito o que refletir sobre o que Blavatsky escreveu. A situação atual do mundo comprova que avanços intelectuais e tecnológicos têm nos levado mais à destruição do que à construção de um caráter compatível com o propósito maior da vida."
O parágrafo acima é mais um trecho interessante do texto de Fernando Mansur. Um trecho que combina muito bem com o reproduzido a seguir.
"Quando você puder, ouça de novo a canção 'Um índio', de Caetano Veloso. Um trecho da letra diz assim: 'Um índio (...) mais avançado que a mais avançada das tecnologias'".
Combinação que leva-me à seguinte conclusão: "Um índio (...) mais avançado que a mais avançada das tecnologias porque, ao contrário dos avanços intelectuais e tecnológicos que têm nos levado mais à destruição, a sabedoria dos povos indígenas é algo que poderá nos levar à construção de um caráter compatível com o propósito maior da vida."
E tome ensinamentos! "Os índios têm a consciência da vida que habita todas as formas e sabem que tudo está em evolução. (...) Estamos todos conectados. O que é feito a um filho da terra repercute nos demais. A situação do planeta e de seus habitantes é a parte manifesta do karma coletivo.", diz Fernando Mansur. E ele acrescenta:

"Caetano previu que o índio voltará, 'e aquilo que nesse momento se revelará aos povos/surpreenderá a todos não por ser exótico/mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto/quanto terá sido o óbvio'".

Ou seja, a sabedoria indígena contém algo intuitivo (seria melhor, óbvio?) que, considerando suas ações, o homem branco ainda demonstra enorme dificuldade para entender: a visão sistêmica da vida. Visão de que tudo que foi criado está interligado e que, sendo assim, sua preservação requer cuidados por parte de todos. Por outro lado, o que tem feito o homem branco usando seu fascínio pelo desenvolvimento tecnológico? Desconsiderando a visão sistêmica, e usando uma visão individualista, tem promovido uma contínua destruição. Destruição que começou com os índios, prossegue com a natureza e que, se não for interrompida, terminará com sua própria destruição.
E ao falar em interrupção, aproveito para interromper aqui estas reflexões. Interrompê-las para a elas voltar em algum momento, pois após três postagens ainda não consegui compartilhar todas as reflexões em mim provocadas pelo excelente texto de Fernando Mansur intitulado A sabedoria dos povos indígenas. Terminando esta interminável postagem, segue uma afirmação que costumo pegar por empréstimo com o filósofo Slavoj Zizek quando alguém considera utópicas as ideias que espalho por este blog: Quando me dizem "você é um utópico", digo: "a única utopia de fato é acreditar que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual".

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