Após duas postagens nas quais são apresentados dois episódios
envolvendo duas crianças - uma de 7 anos e uma de 6 – e onde aqueles a quem ainda
reste um mínimo de sensibilidade dificilmente deixarão de enxergar os nobres
sentimentos demonstrados pelas crianças, este blog traz uma excelente
reportagem-entrevista de Mariana Nicodemus publicada na edição de 10 de
setembro de 2017 do jornal O Globo
sob o título 'Crianças não são o futuro.
Crianças são o presente'. Um texto que, no meu entender, vale a pena ler.
'Crianças não são o futuro. São o presente'
Depois de se decepcionar com a escola em que o filho estudava,
a designer indiana, que fará uma palestra magna no Encontro
Internacional Educação 360, resolveu educá-lo em casa. Alguns anos depois,
criou sua própria escola, a partir de uma nova metodologia
Estimulada por uma
questão pessoal, a designer indiana Kiran Sethi criou há 16 anos um modelo
inovador de educação na cidade de Ahmedabad. Desde então, a missão da Riverside
School é empoderar crianças para que elas se sintam capazes e sejam, desde
pequenas, protagonistas da mudança social de suas comunidades. Com base em
quatro pilares – sinta, imagine, faça, compartilhe -, o modelo incentiva alunos
a perceber o que lhes incomoda, criar soluções para o problema, agir e, então,
dividir a história para que outras pessoas sejam contagiadas pela noção do "eu
posso". Para uma aula sobre direitos humanos, por exemplo, estudantes de
10 anos passaram algumas horas enrolando incensos. Depois da atividade, as
crianças foram às ruas convencer adultos de que o trabalho infantil precisava
ser abolido na Índia. Criadora também do programa internacional "Design
for Change", Kiran Sethi fala sobre a necessidade de incentivar meninos e
meninas a não esperarem o futuro para mudar o mundo.
Como você criou a Riverside School?
Quando meu filho
começou a freqüentar a escola, fiquei ao mesmo tempo muito brava e desarmada
pela velocidade com que ele aprendeu a dizer: "Eu não posso, eu não
consigo". É tão fácil ensinar uma criança que ela não é capaz... Isso
acontece quando se nega a ela o próprio espaço ou nem mesmo se sabe seu nome.
Na maioria das escolas é assim: os alunos se tornam um número ou uma vareta
ambulante na sala de aula. Eu me recusei a aceitar essa realidade. Em vez de
reclamar ou culpar alguém, apenas disse "eu posso fazer melhor".
Tirei meu filho da escola e comecei a educá-lo em casa. Logo apareceram amigos
dizendo que, se eu podia fazer isso por ele, podia fazer pelos filhos dos
outros também. A princípio, as aulas aconteciam na minha casa. Comecei só com a
primeira série e depois fui subindo, ano a ano. Foi um processo lento até
começarmos a construir nossos prédios. Não tive pressa, a única urgência era a
de construir uma educação melhor.
Qual a diferença deste método para os sistemas de ensino
mais tradicionais?
Essencialmente, a
maioria das escolas foca em "o que" e "como". A Riverside
School destaca "quem" e "por que". Nossa missão é fazer com
que todas as crianças se formem com paixão e com compaixão. Hoje temos 410
alunos sendo educados de acordo com os nossos quatro pilares: sinta, imagine,
faça e compartilhe.
Como esse tipo de educação impacta o futuro dessas crianças?
No momento em que
crianças percebem que não estão mais sendo negligenciadas e que não precisam
esperar por permissão para fazer algo melhor, quando sabem que possuem
habilidades e têm o superpoder do "eu posso" dentro delas, o mundo
deixa de precisar de conserto. Eu sigo acreditando que o problema com a
educação atual é ensinar que o "mundo melhor" só acontece após a
graduação. Quando conseguimos estabelecer a mentalidade da capacidade de
transformação desde a infância, as pessoas passam a se preparar desde cedo para
viver em um mundo melhor, e não para prepará-lo no futuro.
Há uma preocupação com limites e disciplina quando não se
diz mais às crianças o que fazer e permite-se que tenham autonomia?
Eu me preocuparia mais
em ter crianças que não falam e não fazem perguntas. Claro que há perturbações
e, às vezes, uma certa confusão. Mas eu diria que o segredo é a confiança.
Crianças amam acreditar que os adultos acreditam nelas. Quando você confia, se
surpreende frequentemente com como são incríveis e capazes, sempre criando algo
e tentando fazer o melhor. Crianças não causam perturbação sem motivo, elas o
fazem quando sentem necessidade de se rebelar contra a autoridade. Mas, se você
acredita nelas e as apóia, qual a necessidade de se rebelarem?
Como esse método extrapola os muros da Riverside School e
alcança crianças em todo o mundo?
Quando vimos que esses
quatro passos funcionavam muito bem com as crianças da nossa escola, entendemos
que precisávamos chegar também a outros espaços. O mesmo processo aplicado na Riverside
School é oferecido hoje em dezenas de países. No Brasil, isso acontece há cinco
anos, em parceria com o Instituto Alana. O movimento acredita fortemente que
crianças não são o futuro e que precisamos dizer a elas que são o presente, que
podem fazer do mundo um lugar melhor hoje mesmo.
Como aplicar esses princípios em realidades socioeconômicas
e culturas tão distintas?
Não oferecemos
conteúdo, mas, sim, contexto. Os mesmos quatro passos estimulados na nossa
unidade em Ahmedabad, na Índia, podem ser aplicados em qualquer lugar do mundo.
O que o programa pede, em primeiro lugar, é que você tenha um coração e sinta.
Qualquer criança é capaz disso. Também pede que você use a imaginação. E,
depois, que se coloque em ação. O quarto passo é que você seja um contador de
histórias. Repito: toda criança, de qualquer país, pode fazer isso. Não dizemos
o que cada comunidade precisa mudar, mas afirmamos que qualquer criança pode
apontar o que a incomoda. Por isso, o projeto tem sido tão bem sucedido em
viajar para tantos países.
Você diz que toda criança pode e deve mudar o mundo à sua
volta. O que é necessário para isso, especialmente em países em desenvolvimento
e de grande desigualdade social, como a Índia e o Brasil, onde muitas sequer
têm acesso à educação formal?
As histórias de
mudança mais poderosas que chegam até nós vêm de pequenas vilas indianas. Uma
criança que ensinou a mãe, então analfabeta, a ler e escrever, por exemplo.
Sempre repito: não é preciso nada especial. Ninguém precisa de treinamento ou
diploma para acreditar em algo. Todo mundo nasce com essa capacidade. Não
estamos pedindo a essas crianças que mudem o mundo, mas que mudem os seus
mundos. E em todo tipo de situação, qualquer que seja, as crianças têm a
capacidade de olhar além e atuar como agentes de mudanças efetivas. Não precisa
de tecnologia, aparelhos luxuosos, smartphones, manuais... O problema é
justamente acharmos que precisamos de um monte de coisas para fazer a educação
acontecer. Toda criança possui as duas ferramentas mais poderosas e necessárias
à mudança: um coração, que acredita, observa e se inspira; e uma mente, capaz
de imaginar. Esse é o ponto de partida, e esses dois ingredientes existem em
todo ser humano. Se estimulamos continuamente essa ideia, ela se torna a
mentalidade dominante e, então, você não precisa mais dizer a algumas crianças
que elas são pobres. Porque elas não são pobres no coração e na imaginação. Não
tem nada a ver com pobreza, mas com conexão e empatia.
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Será que vale a pena
refletir sobre o que é dito por Kiran Sethi na reportagem-entrevista?
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