Esta postagem apresenta um texto encontrável em vários endereços
na internet dos quais alguns deles dizem tratar-se de um caso narrado pela
jornalista e filósofa Lia Diskin, no Festival Mundial da Paz, realizado em Florianópolis (em Santa Catarina), no ano de
2006. Considerando que muito antes de 2006 Lia Diskin já participava da equipe
de facilitadores da Universidade da Paz (UNIPAZ), vejo como bastante provável sua participação no referido
Festival. Sabendo disso, procurei na internet algo que pudesse confirmar tal
probabilidade e descobri que dois anos após a realização do festival ela
publicou um livro intitulado "Vamos Ubuntar? – Um convite para cultivar a
paz". Descoberta que me levou a procurar nele
alguma alusão ao caso cuja narração lhe é atribuída.
Procura que proporcionou a confirmação da veracidade de dois
antigos ditados: "Quem procura
acha." e "Quem conta um conto aumenta um ponto.". No topo da
página 60 do referido livro lá estava o que eu procurava: a narração do caso
atribuída a Lia Diskin, porém com um texto diferente daquele divulgado na
internet (o que para mim não constitui nenhuma novidade) e onde ela diz tê-lo
extraído de um livro intitulado O
espírito da política de autoria do sacerdote católico, teólogo e filósofo
espanhol Raimon Panikkar.
Seguem as duas narrações e fico lhes
devendo a original, pois o livro de Raimon Panikkar, publicado em 2005 pela
editora Triom, não é facilmente encontrável em livrarias e a solução é
comprá-lo por encomenda. Sendo assim, após recebê-lo, caso seja diferente da
apresentada no livro de Lia Diskin, prometo incluir em uma próxima postagem a
narração nele contida.
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(Texto encontrável na internet)
Ubuntu
A jornalista e filósofa Lia Diskin, no Festival Mundial da Paz, em
Floripa (2006), nos presenteou com um caso de uma tribo na África.
Ela contou que um antropólogo estava estudando os usos e costumes
da tribo e quando terminou seu trabalho teve que esperar pelo transporte que o
levaria até o aeroporto de volta para casa. Sobrava muito tempo, mas ele não
queria catequizar os membros da tribo, então, propôs uma brincadeira paras
crianças, que achou ser inofensiva.
Comprou uma porção de doces e guloseimas na cidade, botou tudo num
cesto bem bonito com laço de fita e tudo e colocou debaixo de uma árvore. Aí
ele chamou as crianças e combinou que quando ele dissesse "já!" elas
deveriam sair correndo até o cesto e a que chegasse primeiro ganharia todos os
doces que estavam lá dentro.
As crianças se posicionaram na linha demarcatória que ele desenhou
no chão e esperaram pelo sinal combinado. Quando ele disse "Já!"
instantaneamente todas as crianças se deram as mãos e saíram correndo em
direção à árvore com o cesto. Chegando lá começaram a distribuir os doces entre
si e a comerem felizes.
O antropólogo foi ao encontro delas e perguntou por que elas
tinham ido todas juntas se uma só poderia ficar com tudo que havia no cesto e,
assim, ganhar muito mais doces. Elas simplesmente responderam: "Ubuntu, tio. Como
uma de nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?"
Ele ficou desconcertado! Meses e meses trabalhando nisso,
estudando a tribo e ainda não havia compreendido, de verdade, a essência
daquele povo. Ou jamais teria proposto uma competição, certo?
Ubuntu significa: "Sou quem sou
porque somos todos nós!" Atente para o
detalhe: porque SOMOS, não pelo que temos...
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(Texto do livro "Vamos Ubuntar? – Um convite para cultivar a paz",
página 60.)
O professor Raimon Panikkar relata no
final do seu livro O espírito da política
que o primo de um aluno seu foi para um pequeno povoado da África realizar uma
tarefa docente dentro de um programa que os Estados Unidos criaram no governo
Kennedy para ajudar os países do chamado "Terceiro Mundo". Sensível
às questões de intervencionismo e desejando evitar qualquer atitude arrogante,
dispôs-se a dar aulas de ginástica. Certo dia levou uma caixa de guloseimas e
convidou seus jovens alunos a disputar uma corrida. Assinalou uma árvore que
estava a pouco mais de cem metros e disse: "Estão vendo aquela árvore ali?
Vou contar 'um,
dois, três' e vocês começarão a correr na direção dela. Quem chegar primeiro
ganhará os doces. Dito e feito. Os jovens se alinharam e finalizada a contagem
deram-se as mãos e correram juntos: queriam dividir o prêmio. Sua felicidade era
a felicidade de todos".
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O parágrafo abaixo, extraído da página 21 do referido livro, apresenta
a definição de ubuntu.
Ubuntu é uma palavra-conceito que, nas
línguas africanas zulu e xhosa, significa "Sou quem sou por aquilo que
todos somos". Ela exprime o reconhecimento de um vínculo universal de
compartilhamento que conecta toda a humanidade, no sentido de sermos pessoas
através de outras pessoas. Nada mais verdadeiro. Quando ingressamos no cenário
da vida, nossa condição é extremamente precária, precisamos de cuidados permanentes
antes de adquirir autonomia. Nossos pais, ou aqueles que acolheram nosso
desenvolvimento, tiveram de oferecer seu tempo, seu afeto e atenção por anos a
fio para nos alimentar, agasalhar, educar, encorajar e abrir espaços de
segurança onde cada um de nós pudesse expressar sua singularidade e potencial
criador. E não apenas eles, mas toda a comunidade ou cultura está presente em
nossa formação.
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"'Sou quem sou por aquilo que todos somos (ubuntu)' é uma palavra-conceito que exprime o reconhecimento de um vínculo
universal de compartilhamento que conecta toda a humanidade, no sentido de
sermos pessoas através de outras pessoas. Nada mais verdadeiro. (...) E não apenas
eles (nossos pais, ou aqueles que
acolheram nosso desenvolvimento), mas toda a
comunidade ou cultura está presente em nossa formação.", diz Lia Diskin ao definir ubuntu e me faz lembrar um ditado popular africano: "É
preciso toda a aldeia
para educar uma criança.". Os grifos são meus com
a intenção de destacar a conformidade entre as duas afirmações.
No final da postagem anterior foi dito que esta continuaria defendendo a imprescindibilidade do conhecimento da interdependência. Vocês concordam que interdependência e ubuntu têm tudo a
ver? As crianças dependem de todos para
serem educadas e o bem estar de todos depende da educação dada a todas as crianças.
Ou seja, interdependência pura e aplicada! E neste ponto eu aproveito para
citar uma resposta dada por Fernanda Montenegro em entrevista a Domingos de
Oliveira publicada na edição de 6 de setembro de 2015 do jornal O Globo: "Se você não se mexer para
ajudar o outro, você fica mal, porque a gente, para ter paz, o outro precisa
ter paz, senão a gente fica desassossegado". E tome interdependência!
"Os jovens deram-se as mãos e correram
juntos: queriam dividir o prêmio. Sua felicidade era a felicidade de todos", eis o que os jovens africanos tentaram
ensinar ao antropólogo ou professor de ginástica americano (conforme a versão do
texto preferida por cada um). Jovens de um país integrante de um continente que os pretensos donos deste planeta, arrogantemente, usam como
uma espécie de seu quintal, o que é profundamente lamentável, pois, considerando
o que foi dito até aqui, tal continente tem o que nos ensinar.
"Nada mais verdadeiro", diz Lia Diskin ao definir o que é
ubuntu. "Nada mais natural", digo eu sobre as desgraças que assolam
este planeta onde uma enorme parte de seus integrantes acha que não existe "nada
mais estranho" do que aceitar ensinamentos oferecidos por um continente
como a África. Um continente que para a maioria dos supostos civilizados parece
tão estranho que chega a ser visto não como outro continente, e sim como outro
planeta. E ensinamentos vindos de outro planeta não são bem-vindos a este.
Afinal, somos a espécie inteligente do universo, não é mesmo? "Nada mais
pretensioso"! Vá ser pretensioso assim em Marte!
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