segunda-feira, 9 de novembro de 2015

'Não sei qual é o meu lugar neste planeta'

Prosseguindo com o método das associações sucessivas, após 'Unity', de ShaunMonson, mostra a interdependência das formas de vida, conforme "sugerido" na sua última frase, segue 'Não sei qual é o meu lugar neste planeta'. Sim, para quem não consegue enxergar a interdependência creio que não saber qual seja seu lugar neste planeta, qual seja sua função, seja uma decorrência, digamos, lógica. O texto é mais um obtido em um espaço intitulado Conte algo que não sei existente no jornal O Globo. A publicação ocorreu na edição de 10 de junho de 2015, o entrevistado foi o ator e diretor Mario Biagini e a entrevistadora foi Mariana Alvim.
'Não sei qual é o meu lugar neste planeta'
Italiano, ex-pupilo do polonês Jerzy Grotowski, ícone do teatro experimental, e herdeiro de seu método, veio ao Rio participar do ciclo Ato Criador, no Oi Futuro
"Nasci na Toscana, em 1964, em uma fazenda tradicional. Escapei e fui para Paris, onde pratiquei teatro experimental. Em 1986, passei a trabalhar com Thomas Richards e Jerzy Grotowski, até a sua morte. Eu e Thomas continuamos desenvolvendo nosso trabalho e procurando novos espaços e públicos"
(Mario Biagini, ator e diretor)
Conte algo que não sei.
Não sei o que você não sabe. Mas sei o que eu, nós, não sabemos. Não sei qual é o meu lugar neste planeta, qual a minha função. Meu trabalho é um processo contínuo deste questionar. Para mim, é evidente que tal processo só pode ser vivido se feito de forma coletiva.
Como você conheceu Jerzy Grotowski?
Em meados dos anos 1980, vi no jornal, em Florença, que ele estaria na cidade para fazer uma conferência. Não sabia da importância de Grotowski para o teatro, mas resolvi ir. Então fiz uma seleção para trabalhar com ele e passei. Ninguém nunca mais falou para eu ir embora e estou lá até hoje!
Como ele era?
Era um bom amigo, muito sincero e honesto. Tinha um jeito muito claro de ver as coisas. Quando conheci Grotowski, com 21 anos, eu era um rebelde. Para mim, foi um mestre no sentido de mostrar a importância do pensar — não um pensar como se você tivesse uma secretária na cabeça ou um pensar discursivo. Normalmente, fazemos desta "secretária" um CEO.
Qual a outra forma?
É preciso uma maestria para praticar a auto-observação sem se bloquear. Veja alguns atores no palco: eles não piscam. É um sinal do corte à organicidade, uma barreira, que não funciona.
Vocês trabalham com "canções vibratórias". O que são?
No Ocidente, temos a noção de que a música é composta apenas de melodia, harmonia, palavras e ritmos. Existem canções curtas que, trabalhadas em modo repetitivo e conectadas com o corpo, levam a um fenômeno a nível energético — muitas das que trabalhamos têm origem ritualística. Alguns recursos escondidos no ser humano são ativados.
E o que acontece?
Com isso, o ar e o som começam a mudar. Isso é o que chamamos de vibração. Mesmo que você não saiba o que está sendo falado nesta música, você entende sobre o que ela é. Esta vibração está codificada nas canções.
Como apresentar teatro em bares ou festas, como acontece no Open Program?
Começamos a trabalhar desprotegidos nestes lugares, pois eu buscava uma nova relação com os espectadores. Temos em mente que só existe um jeito: o do ir ao teatro, à sala, onde claramente existe uma divisão entre os atores e o público. Então comecei a pedir para fazer performances em festas de amigos, e a coisa teve sequência.
Por que essa divisão ator/público ainda persiste?
Existe uma crise cultural do Ocidente que faz com que os lugares que antes eram destinados a criar um novo pensamento, como os teatros e as universidades, não são mais as arenas onde isso acontece. Onde estão as sementes para o futuro? Com estas incursões, estamos procurando-as em novos lugares. Nossa intenção não é trazê-las a nós, mas ir até elas, onde estiverem.
Como foi a imersão feita no Brasil recentemente?
Com a parceria de produtores paulistanos, nos encontramos com comunidades afro-brasileiras em maio passado. Tivemos a participação de algumas destas pessoas em nossas performances. Eles eram muito talentosos. Fiquei insatisfeito que tenha durado somente um mês e espero voltar.
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"Não sei o que você não sabe. Mas sei o que eu, nós, não sabemos. Não sei qual é o meu lugar neste planeta, qual a minha função. Meu trabalho é um processo contínuo deste questionar. Para mim, é evidente que tal processo só pode ser vivido se feito de forma coletiva."
Solicitado a contar algo que a entrevistadora não saiba, o ator e diretor Mario Biagini dá, no meu entender, uma resposta simplesmente magistral: "Para mim, é evidente que tal processo contínuo de questionar qual é o meu lugar neste planeta, qual é a minha função só pode ser vivido se feito de forma coletiva." Os grifos são meus. Será que "só poder ser vivido se feito de forma coletiva" significa validar a imprescindibilidade da interdependência? No meu entender, sim, e no de vocês?
"Quando conheci Grotowski, com 21 anos, eu era um rebelde. Para mim, foi um mestre no sentido de mostrar a importância do pensar - não um pensar como se você tivesse uma secretária na cabeça ou um pensar discursivo. Normalmente, fazemos desta 'secretária' um CEO.", diz Mario Biagini.
A importância do pensar! Um pensar de forma diferente daquela que nos é impingida por meios de comunicação a serviço dos que se consideram donos do mundo. Um pensar dando importância ao todo e não apenas à parte que nos toca. Um pensar considerando a interdependência.
"Existe uma crise cultural do Ocidente que faz com que os lugares que antes eram destinados a criar um novo pensamento, como os teatros e as universidades, não são mais as arenas onde isso acontece. Onde estão as sementes para o futuro? Com estas incursões, estamos procurando-as em novos lugares. Nossa intenção não é trazê-las a nós, mas ir até elas, onde estiverem.", diz Mario Biagini. Os grifos são meus.
"Onde estão as sementes para o futuro?" Depende. Depende da espécie de futuro que almejamos, pois, ao contrário do que pensa (sic) a maioria, o futuro não é simplesmente aquilo que está por vir, independentemente daquilo que façamos, e sim a resultante do somatório das ações e das omissões de todos os integrantes da sociedade. Sim, como diz Mario Biagini, "nossa intenção não deve ser trazer as sementes do futuro a nós", muito menos esperar que elas nos sejam trazidas por outros, "mas ir até elas, onde estiverem". E ao ir até elas, a surpresa talvez seja encontrá-las ao lado das sementes daquilo que foi focalizado nas mais recentes postagens deste blog: a interdependência. Sim, chegar a um futuro auspicioso é algo que jamais será conseguido sem a semeadura da interdependência.
Interdependência, eis a questão! Interdependência cuja imprescindibilidade de conhecimento é defendida explicitamente por um mestre budista em 'A independência é uma ilusão' e por um produtor e diretor de cinema americano e por um renomado físico brasileiro em 'Unity', de Shaun Monson, mostra a interdependência das formas de vida; e indiretamente pelo ator e diretor italiano Mario Biagini nesta postagem. Interdependência cuja imprescindibilidade de conhecimento ainda continuará sendo defendida na próxima postagem, pois "não saber qual é o seu lugar neste planeta, qual a sua função", é um desconhecimento que atinge a maioria dos habitantes deste planeta e um dos fatores que mais fortemente contribuem para a manutenção desta insana civilização (sic) na qual sobrevivemos.

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