Para encerrar a sequência de postagens iniciada no Dia da Infância, segue uma reportagem de
Juliana Vines publicada na edição de 12 de novembro de 2013 do jornal Folha
de S Paulo. Uma reportagem alvissareira
focalizando "um movimento que
prega a 'desaceleração' da rotina das crianças e levanta debate sobre o excesso
de atividades na infância". Um movimento que busca resgatar a infância, essa
fase imprescindível para um desenvolvimento propício à formação de seres que
justifiquem serem denominados humanos.
Pais sem pressa
Movimento que prega a 'desaceleração'
da rotina das crianças levanta debate sobre o excesso de atividades na infância
A infância se
transformou em uma corrida rumo à perfeição, e as crianças, em miniexecutivos com
agenda cheia de atividades. É o que argumentam os partidários do "slow
parenting" (pais sem pressa), movimento que prega justamente o contrário:
que as crianças tenham menos compromissos e mais tempo para fazer nada.
A ideia, que tomou
corpo na Europa e EUA, ganha força aqui. Na semana passada, a primeira edição
do "SlowKids", evento em prol da desaceleração da rotina das
crianças, levou 1.500 pessoas ao parque da Água Branca, em São Paulo. Na programação,
atividades nada tecnológicas: oficina de jardinagem, brincadeiras antigas e
piquenique. "As crianças precisam desligar os eletrônicos e interagir mais
com os pais", diz Tatiana Weberman, uma das criadoras do projeto e
diretora da agência Respire Cultura.
Segundo o jornalista
britânico Carl Honoré, autor de "Sob Pressão" (Record, 368 págs., R$
52), muitas crianças têm todos os momentos da vida agendados e monitorados. "Elas têm
dificuldades de serem independentes, ficam sob estresse e são menos criativas",
disse Honoré à Folha.
Ele foi o primeiro a
usar o termo "slow parenting". "Tudo começou quando a professora
do meu filho disse que ele 'era um jovem artista talentoso'. Na hora, a visão
de criar o novo Picasso passou pela minha cabeça", conta. No mesmo dia, ele
começou a procurar cursos de arte para o filho de sete anos, até que o menino
disse: "Pai, não quero ter um professor, só quero desenhar. Por que os
adultos querem sempre cuidar de tudo?".
O puxão de orelha fez
com que ele voltasse atrás e começasse a pesquisar o superagendamento da
infância. Segundo ele, tudo começa com a boa intenção dos pais. Mas a vontade
de ser o pai perfeito transforma a educação em um jogo de tudo ou nada.
VIDA DE EXECUTIVO
Para a psicanalista
Belinda Mandelbaum, professora do Instituto de Psicologia da USP, a educação de
resultados antecipa o ensino de ferramentas para competir no mundo corporativo.
"Vejo crianças aprendendo mandarim porque os pais acham ser importante
para o futuro."
Quando o empresário
Marcelo Cesana, 38, diz não ter pressa de que o filho Caio, 1, aprenda a falar,
a ler e a escrever, questionam se ele não vai ter dificuldade para trabalhar. "Me
acham bicho do mato, mas não quero antecipar as coisas", diz ele, que
levou a família ao "SlowKids".
A gerente de
supermercado Vanessa Sheila Dias, 36, também foi ao evento com a filha Anne, 8.
O domingo no parque faz parte da ideia de reservar um dia para fazer nada. "A
rotina da semana é maluca, passo a ansiedade para a Anne", diz ela, que já
se pegou pedindo que a filha comesse um lanche de fast food mais rápido.
Anne não faz atividades
extraescolares, assim como os filhos da psicóloga Patrícia Paione Grinfeld, 41. "Outros pais me
perguntam: 'Mas eles não fazem nada?' Como se fosse algo errado! Não, não
fazem, eles brincam", conta Patrícia. "Quero que crianças venham
brincar com meus filhos em casa, mas todas são muito ocupadas, tem que marcar
antes."
As atividades extras
não garantem que a criança vai aprender mais, diz Mandelbaum. "Muitas
vezes, elas só aprendem a se adaptar a esse ritmo louco."
O primeiro efeito da
correria é a ansiedade, diz a neuropsicóloga Adriana Fóz, coordenadora do
projeto Cuca Legal, da Unifesp. "A criança fica frustrada pelo excesso de
atividades e pela falta [quando se acostuma à agenda cheia]. Fica entediada com
mais facilidade. "Não que toda atividade
extra deva ser evitada, mas é preciso respeitar o tempo da criança. "Até
os cinco anos os estímulos têm que ser mais naturais", afirma Fóz. De seis a 12 anos, é
hora de aprender de forma mais sistematizada, diz ela. Aí é preciso conciliar o
que os pais consideram importante com o desejo e as habilidades da criança,
cuidando para que ela tenha tempo livre.
"O ócio estimula
a criatividade e a curiosidade por temas e experiências diversas", afirma
a educadora e antropóloga Adriana Friedmann.
7 Mandamentos do Slow
1 Sem Agenda
Crianças de zero a cinco anos não precisam de
atividades estruturadas: devem aprender de forma livre
2 Miniexecutivo
Atividades extra escola podem ser ótimas
quando exercitam a mente e o corpo. São ruins quando são exaustivas ou feitas
só pensando no currículo profissional da criança
3 Dê ouvidos
A opinião da criança deve ser considerada na
hora de escolher uma atividade
4 Menos, menos
Simplifique a agenda de seus filhos, deixando
tempo livre para brincar
5 Tédio faz bem
Deixar que as crianças fiquem entediadas é uma
forma de fazer com que elas aprendam a ser mais criativas
6 Ócio familiar
7 Novos amigos
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"Outros pais me perguntam: 'Mas eles não fazem nada?' Como se fosse algo errado! Não, não fazem, eles brincam", conta Patrícia Paione Grinfeld, 41."
Sim, nesta sociedade
onde a maioria de seus integrantes passa pela vida fazendo o que todo mundo faz, fazer algo diferente do
que é feito pela maioria dificilmente deixa de ser visto como se fosse algo errado. Faz-se o que todo mundo faz e para justificar tal modo de agir recorre-se a uma
indagação que imagino seja do conhecimento da maioria de vocês: fazer o quê?
Indagação que respondo
recorrendo a algo dito por Viktor Frankl (1905 – 1997), o extraordinário
psiquiatra austríaco que sobreviveu a campos de concentração e fundou a que ficou conhecida como a terceira escola vienense de psicoterapia: a logoterapia. As anteriores são as de Sigmund Freud e Alfred Adler. Em uma tradução literal, logoterapia significa terapia através do sentido.
"As pessoas decentes formam uma minoria. Mais que isso, sempre serão uma minoria. Justamente por isso, o desafio maior é que nos juntemos à minoria. Porque o mundo está numa situação ruim. E tudo vai piorar mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder."
Fazer o quê? Neste tempo em que tanto se fala em desafios,
o que se deve fazer é aceitar o desafio maior citado por Viktor Frankl (que
venceu o desafio de sobreviver a campos de concentração) no parágrafo acima: "Juntar-se
à minoria, porque o mundo ainda está numa situação
ruim. E tudo vai piorar mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder."
Pais sem pressa formam uma
minoria. E, segundo Lydia Hortélio, se o mundo tem solução, é através da criança. Compreendido?
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