terça-feira, 15 de setembro de 2015

Pais sem pressa

Para encerrar a sequência de postagens iniciada no Dia da Infância, segue uma reportagem de Juliana Vines publicada na edição de 12 de novembro de 2013 do jornal Folha de S Paulo. Uma reportagem alvissareira focalizando "um movimento que prega a 'desaceleração' da rotina das crianças e levanta debate sobre o excesso de atividades na infância". Um movimento que busca resgatar a infância, essa fase imprescindível para um desenvolvimento propício à formação de seres que justifiquem serem denominados humanos.
Pais sem pressa
Movimento que prega a 'desaceleração' da rotina das crianças levanta debate sobre o excesso de atividades na infância
A infância se transformou em uma corrida rumo à perfeição, e as crianças, em miniexecutivos com agenda cheia de atividades. É o que argumentam os partidários do "slow parenting" (pais sem pressa), movimento que prega justamente o contrário: que as crianças tenham menos compromissos e mais tempo para fazer nada.
A ideia, que tomou corpo na Europa e EUA, ganha força aqui. Na semana passada, a primeira edição do "SlowKids", evento em prol da desaceleração da rotina das crianças, levou 1.500 pessoas ao parque da Água Branca, em São Paulo. Na programação, atividades nada tecnológicas: oficina de jardinagem, brincadeiras antigas e piquenique. "As crianças precisam desligar os eletrônicos e interagir mais com os pais", diz Tatiana Weberman, uma das criadoras do projeto e diretora da agência Respire Cultura.
Segundo o jornalista britânico Carl Honoré, autor de "Sob Pressão" (Record, 368 págs., R$ 52), muitas crianças têm todos os momentos da vida agendados e monitorados. "Elas têm dificuldades de serem independentes, ficam sob estresse e são menos criativas", disse Honoré à Folha.
Ele foi o primeiro a usar o termo "slow parenting". "Tudo começou quando a professora do meu filho disse que ele 'era um jovem artista talentoso'. Na hora, a visão de criar o novo Picasso passou pela minha cabeça", conta. No mesmo dia, ele começou a procurar cursos de arte para o filho de sete anos, até que o menino disse: "Pai, não quero ter um professor, só quero desenhar. Por que os adultos querem sempre cuidar de tudo?".
O puxão de orelha fez com que ele voltasse atrás e começasse a pesquisar o superagendamento da infância. Segundo ele, tudo começa com a boa intenção dos pais. Mas a vontade de ser o pai perfeito transforma a educação em um jogo de tudo ou nada.
VIDA DE EXECUTIVO
Para a psicanalista Belinda Mandelbaum, professora do Instituto de Psicologia da USP, a educação de resultados antecipa o ensino de ferramentas para competir no mundo corporativo. "Vejo crianças aprendendo mandarim porque os pais acham ser importante para o futuro."
Quando o empresário Marcelo Cesana, 38, diz não ter pressa de que o filho Caio, 1, aprenda a falar, a ler e a escrever, questionam se ele não vai ter dificuldade para trabalhar. "Me acham bicho do mato, mas não quero antecipar as coisas", diz ele, que levou a família ao "SlowKids".
A gerente de supermercado Vanessa Sheila Dias, 36, também foi ao evento com a filha Anne, 8. O domingo no parque faz parte da ideia de reservar um dia para fazer nada. "A rotina da semana é maluca, passo a ansiedade para a Anne", diz ela, que já se pegou pedindo que a filha comesse um lanche de fast food mais rápido.
Anne não faz atividades extraescolares, assim como os filhos da psicóloga Patrícia Paione Grinfeld, 41. "Outros pais me perguntam: 'Mas eles não fazem nada?' Como se fosse algo errado! Não, não fazem, eles brincam", conta Patrícia. "Quero que crianças venham brincar com meus filhos em casa, mas todas são muito ocupadas, tem que marcar antes."
As atividades extras não garantem que a criança vai aprender mais, diz Mandelbaum. "Muitas vezes, elas só aprendem a se adaptar a esse ritmo louco."
O primeiro efeito da correria é a ansiedade, diz a neuropsicóloga Adriana Fóz, coordenadora do projeto Cuca Legal, da Unifesp. "A criança fica frustrada pelo excesso de atividades e pela falta [quando se acostuma à agenda cheia]. Fica entediada com mais facilidade. "Não que toda atividade extra deva ser evitada, mas é preciso respeitar o tempo da criança. "Até os cinco anos os estímulos têm que ser mais naturais", afirma Fóz. De seis a 12 anos, é hora de aprender de forma mais sistematizada, diz ela. Aí é preciso conciliar o que os pais consideram importante com o desejo e as habilidades da criança, cuidando para que ela tenha tempo livre.
"O ócio estimula a criatividade e a curiosidade por temas e experiências diversas", afirma a educadora e antropóloga Adriana Friedmann.
7 Mandamentos do Slow
1 Sem Agenda
Crianças de zero a cinco anos não precisam de atividades estruturadas: devem aprender de forma livre
2 Miniexecutivo
Atividades extra escola podem ser ótimas quando exercitam a mente e o corpo. São ruins quando são exaustivas ou feitas só pensando no currículo profissional da criança
3 Dê ouvidos
A opinião da criança deve ser considerada na hora de escolher uma atividade
4 Menos, menos
Simplifique a agenda de seus filhos, deixando tempo livre para brincar
5 Tédio faz bem
Deixar que as crianças fiquem entediadas é uma forma de fazer com que elas aprendam a ser mais criativas
6 Ócio familiar
Reserve algumas horas na semana para "fazer nada" em família – conversar, jogar, cozinhar sem nenhuma programação prévia
7 Novos amigos
No parquinho, resista à tentação de brincar com a criança o tempo todo. Deixe ela brincar com outras pessoas
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"Outros pais me perguntam: 'Mas eles não fazem nada?' Como se fosse algo errado! Não, não fazem, eles brincam", conta Patrícia Paione Grinfeld, 41."
Sim, nesta sociedade onde a maioria de seus integrantes passa pela vida fazendo o que todo mundo faz, fazer algo diferente do que é feito pela maioria dificilmente deixa de ser visto como se fosse algo errado. Faz-se o que todo mundo faz e para justificar tal modo de agir recorre-se a uma indagação que imagino seja do conhecimento da maioria de vocês: fazer o quê?
Indagação que respondo recorrendo a algo dito por Viktor Frankl (1905 – 1997), o extraordinário psiquiatra austríaco que sobreviveu a campos de concentração e fundou a que ficou conhecida como a terceira escola vienense de psicoterapia: a logoterapia. As anteriores são as de Sigmund Freud e Alfred Adler. Em uma tradução literal, logoterapia significa terapia através do sentido.
"As pessoas decentes formam uma minoria. Mais que isso, sempre serão uma minoria. Justamente por isso, o desafio maior é que nos juntemos à minoria. Porque o mundo está numa situação ruim. E tudo vai piorar mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder."
Fazer o quê? Neste tempo em que tanto se fala em desafios, o que se deve fazer é aceitar o desafio maior citado por Viktor Frankl (que venceu o desafio de sobreviver a campos de concentração) no parágrafo acima: "Juntar-se à minoria, porque o mundo ainda está numa situação ruim. E tudo vai piorar mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder." Pais sem pressa formam uma minoria. E, segundo Lydia Hortélio, se o mundo tem solução, é através da criança. Compreendido?

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