quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Reflexões provocadas por "Contas sem faz de conta"

Para a pequena parcela dos que ainda conseguem refletir sobre o que leem, creio que o texto de José de Souza Martins, apresentado na postagem anterior, seja um verdadeiro achado. Até porque a quantidade de instigantes indagações nele contidas já é um pontapé inicial para as reflexões de quem o lê. E para dar início às reflexões que tal usar uma indagação capaz de provocar controvérsias: "Dá pra ser adulto sem ter sido criança?".
"Temos de considerar que ser criança é um fato biológico.", afirma Rosely Sayão em A criança e a infância. E considerando que ser adulto também é um fato biológico minha resposta à indagação de Souza Martins é não. Resposta que não encerra as reflexões provocadas pela indagação. Reflexões que prosseguem com a lembrança de outra afirmação de Rosely Sayão: "Não basta ser criança para ter infância.". Afirmação que sugere alterar a indagação e reescrevê-la assim: "Dá pra ser adulto sem ter tido infância?". E reescrita dessa forma minha resposta é sim, pois ser adulto sem ter tido infância é não apenas possível, mas até mesmo algo cada dia mais comum nesta civilização onde tudo está subjugado a uma economia excludente, desumana e exterminadora de todo e qualquer sentimento mais nobre.
Sim, "Dá pra ser adulto sem ter tido infância. Afinal, ser adulto é um fato biológico que independe de ter havido ou não infância. O problema é o tipo de adulto produzido sem infância, ou seja, sem o período propício para o faz de conta citado por Souza Martins. O faz de conta que possibilite imaginar ser possível o preparo de um futuro auspicioso no qual se deseje viver, em contrapartida ao preparo para um futuro sombrio que nos é apresentado como algo natural e inevitável no qual talvez não se deseje viver.
"Quando chegarem à idade de sonhar, como sonharão as gerações pré-fabricadas de adultos precoces, que aprendem finanças aos 3 anos de idade? (... ) Sonharão em português ou em inglês onírico de prisioneiros do sonho alheio, o da mercantilização da inocência em nome de um futuro medido pelos trocados bem calculados de uma existência para o lucro e a eficiência?", indaga Souza Martins.
Não, não tenho dúvidas de que é esse o sonho que sonharão: o sonho alheio da mercantilização da inocência em nome de um futuro medido pelos trocados bem calculados de uma existência para o lucro e a eficiência. "Sonho alheio... lucro... eficiência". Sim, é esse o sonho que sonharão: o da eficiência própria a serviço do lucro alheio. Do lucro perseguido por aqueles que ao "reduzir o valor da vida ao dinheiro matam toda a possibilidade de idealizar um mundo melhor", conforme afirma Nuccio Ordine, professor de literatura italiana da Universidade da Calábria, em reportagem-entrevista publicada na edição de 16 de fevereiro de 2014 do jornal O Estado de S. Paulo.
"E o que vai acontecer quando esses adultos da falsa infância da educação de robô descobrirem que o mundo mercantilizado já não fala inglês, mas espanhol, francês, alemão, japonês, chinês? Ou, por que não, português? Ou já não fala nada, porque as máquinas falam pelas pessoas ou porque a palavra se tornou inútil e o silêncio será a grande linguagem universal dos emudecidos pela educação cerceante e antecipatória do progresso pessoal sem dilemas, sem escolhas verdadeiras, sem enganos nem dúvidas, sem inventividade de rua e do faz de conta das muitas e fantasiosas histórias que criança sabe contar, sem pé nem cabeça ou com mais cabeça de quem tem os pés na terra e coração na vida?", indaga Souza Martins. Indaga e responde: "Ah, meu, sei não!"
Sim, "o que vai acontecer quando esses adultos da falsa infância da educação de robô descobrirem que" o futuro para o qual foram preparados não corresponde ao mundo em que estarão sobrevivendo é algo impossível saber. Um futuro onde "as máquinas falam pelas pessoas (...) emudecidas pela educação cerceante e antecipatória do progresso pessoal sem dilemas, sem escolhas verdadeiras, (...) sem o faz de conta das muitas e fantasiosas histórias que criança sabe contar, sem pé nem cabeça ou com mais cabeça de quem tem os pés na terra e coração na vida".
Ter os pés na terra e coração na vida! Será que pode haver esperança em um futuro auspicioso sem ter os pés na terra e o coração na vida? O que vocês acham?
E para encerrar estas reflexões segue um episódio de serendipity. Para quem não sabe o que é (e também para quem sabe) serendipity é uma palavra inventada, em 1754, por um inglês que se inspirou numa lenda persa e cuja tradução para outros idiomas é impossível de ser feita em um único termo. Superficialmente, ela significa o prazer das descobertas ao acaso. Mas o significado profundo de serendipity vai além do imprevisto. É o encanto da transformação dos acasos em aprendizagem.
Ao encontrar, no dia de ontem, em uma das lojas da rede Mundo Verde, a edição deste mês do tablóide Prana, vejam (no próximo parágrafo) o que achei em um artigo intitulado O Objetivo da Vida, de autoria de Zé Araújo, bacharel em Direito (SUESC), Teologia (FATERJ), Parapsicologia (Mente Sadia) e membro efetivo da Fundação de ensinamento Mestre – A Irmandade da Humanidade.
"Hazrat Inayat Khan, autor de várias obras sufistas, ensina que na infância é que o homem deveria descobrir qual o objetivo de sua vida, porém, justamente nesta fase da vida as crianças são orientadas por adultos, geralmente pelos pais, que são as pessoas encarregadas pela sua criação, provimento e educação, e que poucas têm o interesse de prestar atenção às tendências dos dons que elas apresentam."
Ir à loja citada acima e lá encontrar, na véspera da publicação destas Reflexões provocadas por "Contas sem faz de conta", um tablóide contendo o artigo do qual foi extraído o parágrafo apresentado acima e lê-lo no mesmo dia, no meu entender, caracteriza, perfeitamente, "o significado superficial da palavra serendipity: o prazer das descobertas ao acaso". Sendo assim, que tal irmos ao "significado profundo, que vai além do imprevisto", e chegarmos ao "encanto da transformação dos acasos em aprendizagem"? Aprendizagem que, com ou sem a ajuda do acaso, felizmente, parece ter sido alcançada por alguns pais, dentre eles aqueles aos quais se refere a reportagem que será apresentada na próxima postagem

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