Após uma sequência de postagens provocadas por
alguma evidente afinidade com a anterior, segue uma provocada pela passagem de uma
data instituída pela UNICEF com a finalidade de promover uma reflexão sobre as condições de vida
das crianças de todo o mundo. Uma data cuja existência talvez não
seja do conhecimento da imensa maioria. O texto apresentado a seguir é de autoria da
conhecida psicóloga Rosely Sayão e foi publicado na edição de 27 de agosto de
2013 do jornal Folha de S.Paulo.
A criança e a infância
"Não basta ser criança para ter
infância.". Essa frase contundente está presente no documentário "A Invenção da Infância" (disponível
na internet) dirigido por Liliana Sulzbach, que propõe uma reflexão sobre os
estilos de vida de nossas crianças no mundo atual. É uma frase que persegue
meus pensamentos, conduz o meu trabalho e que, no último sábado, me fez pensar
muito.
É que no dia 24 de agosto comemorou-se o Dia
da Infância. Grandes reportagens a esse respeito nos veículos de comunicação ou
mesmo pequenas notas lembrando a data, por acaso apareceram? De um modo geral,
pouco vimos a esse respeito. A lembrança da existência dessa data parece ter
ficado restrita aos grupos que, de maneira direta ou indireta, trabalham com e
/ ou para crianças.
Faz sentido esse silêncio da sociedade a
respeito de uma data que, aliás, não deve ser considerada comemorativa. A
infância está desaparecendo e temos contribuído de modo expressivo para isso.
Como temos feito isso?
Para começar a pensar, temos de considerar que
ser criança é um fato biológico, mas o modo como ela vive essa etapa da vida,
que vai até a adolescência, depende de múltiplos e complexos fatores, entre
eles o modo social de pensar a criança. É aí que entramos.
De um modo geral, cada vez mais a criança,
notadamente a que pertence à família de classe média, tem sido tratada como um
ser que precisa ser preparado para o futuro. Há algumas décadas, passamos a
acreditar que quanto mais precocemente a criança for engajada em situações de
estudos formais, maiores as chances que ela terá de êxito no futuro.
Já temos inúmeros estudos e pesquisas que
comprovam que iniciar o contato com o conhecimento sistematizado mais cedo não
contribui no aprendizado que deve ocorrer a partir dos sete anos. Por isso,
tudo o que conseguimos ao fazer isso é deixar de ver a criança em seu presente,
ou seja, a vemos muito mais como um ser que, um dia, será alguém.
Também temos deixado a criança cada vez mais
tempo na escola. As três ou quatro horas iniciais se transformaram,
progressivamente, em cinco, seis, oito, dez e até 12 horas de permanência no
espaço escolar! Se considerarmos que ir para a escola é o trabalho da criança,
elas têm trabalhado demais, à semelhança de seus pais, os adultos.
Temos entendido que o tempo de permanência na
escola é uma necessidade social já que os pais têm se dedicado muito à vida
profissional. Conheço profissionais que trabalham muito além da jornada e
justificam o excesso como necessário para dar conta da responsabilidade
profissional. E a pessoal, com os filhos, onde temos colocado tal
responsabilidade?
Crianças têm se alimentado como adultos que se
alimentam mal. E, como estes, têm enfrentado doenças por causa disso. Esse fato
não ocorre por falta de informação dos responsáveis pelas crianças e sim pela
falta de paciência e dos cuidados que elas necessitam.
Ah, mas elas pedem, exigem até, as porcarias
ofertadas insistentemente e disponíveis em todos os cantos. Sim, mas por isso
vamos permitir que fiquem escravas de seus impulsos e que consumam como
adultos?
Abordei dois pontos apenas de nossa
contribuição direta para o fim da infância. Há muitos outros. Por isso, todo
dia deveríamos fazer essa reflexão: queremos que nossas crianças tenham
infância, ou já consideramos esse conceito obsoleto?
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"Não basta ser criança para ter
infância.". Essa frase contundente (...) presente no documentário "A Invenção da Infância" (...) que
propõe uma reflexão sobre os estilos de vida de nossas crianças no mundo atual,
é uma frase que persegue meus pensamentos, conduz o meu trabalho e que, no
último sábado, me fez pensar muito.
Abordei dois pontos apenas de nossa
contribuição direta para o fim da infância. Há muitos outros. Por isso, todo
dia deveríamos fazer essa reflexão: queremos que nossas crianças tenham
infância, ou já consideramos esse conceito obsoleto?"
Os dois parágrafos acima repetem as palavras
iniciais e as finais do excelente texto de Rosely Sayão. Por que repeti-las?
Para reforçar a sugestão da conhecida psicóloga com a qual concordo plenamente.
Sim, todo dia deveríamos fazer essa reflexão: "queremos que nossas
crianças tenham infância, ou já consideramos esse conceito obsoleto?". E seguindo
o método das reflexões sucessivas, segue mais uma: será que ter infância é
algo importante na vida de um ser humano? O que vocês acham?
O parágrafo acima fala em palavras iniciais e
finais; este em fase inicial e fase final. Será que o que ocorre na fase
inicial da vida de um ser humano tem alguma relação com o
que ocorrerá na fase final? Ou seja, será que, se quisermos dar às
crianças (que muitos chegam até a afirmar serem o que mais amam na vida) uma
verdadeira oportunidade de tornarem-se adultos felizes, dar-lhes uma infância é condição sine qua non? E haja reflexão, hein!
Rosely Sayão diz ter uma frase que persegue
seus pensamentos, conduz o seu trabalho e que a faz pensar muito: "Não
basta ser criança para ter infância.". Embora não tendo uma determinada
frase, crianças e infância são temas que também perseguem meus pensamentos e me fazem pensar muito. Temas para os quais minha
atenção está sempre voltada nos momentos de leitura do que é divulgado pela
mídia. Momentos nos quais eu encontro coisas como:
- Em
São Paulo, escolas bilíngues recebem bebês a partir de 3 meses. (17 de
março de 2014, jornal O Estado de S.
Paulo).
- Pais
buscam coaching até para crianças de 2 anos. (22 de junho de 2015, jornal O Estado de S. Paulo).
- Escolas
dão aulas de finanças, inglês e empreendedorismo a partir dos 3 anos. (03
de março de 2014, jornal O Estado de S.
Paulo).
Coisas cada vez mais ao gosto da maioria das
famílias de classe média, conforme nos diz Rosely Sayão:
"De um modo geral, cada vez mais a criança, notadamente a que pertence à família de classe média, tem sido tratada como um ser que precisa ser preparado para o futuro. Há algumas décadas, passamos a acreditar que quanto mais precocemente a criança for engajada em situações de estudos formais, maiores as chances que ela terá de êxito no futuro."
Preparar para o futuro, eis o discurso. Viver
o futuro já no presente, eis a prática a que estão sujeitas as crianças. Não, o que temos que fazer não é preparar as
crianças para o futuro, e sim preparar o futuro para as crianças. Afinal, o que
é o futuro? É a resultante natural do somatório das ações, e das omissões, de
todos os integrantes dessa dita (bendita ou maldita) espécie inteligente do
Universo. Preparar o futuro, eis o que é imprescindível ser feito. Feito,
inclusive com a participação das crianças, conforme sugere uma das coisas
encontradas por mim:
- Se
o mundo tem solução, é através da criança. (24 de junho de 2014, jornal O Estado de S. Paulo).
Embora seja esta a primeira vez que publico
uma postagem alusiva ao Dia da Infância,
não é esta a primeira vez que toco no assunto fim da infância. Em 12 de maio de
2011 (meados do quarto mês de existência deste blog), provocada por algo dito na
anterior, a postagem publicada tem o seguinte título: Era uma vez uma infância. O texto nela apresentado tem tudo a ver
com o de Rosely Sayão apresentado nesta. Será que esta postagem provocará a
próxima? Entre as coisas por mim encontradas existem duas com grande
probabilidade de serem escolhidas: a citada no parágrafo anterior é uma delas;
a citada abaixo é a outra:
- Contas
sem faz de conta – Quando chegarem à idade
de sonhar, como sonharão as gerações de adultos precoces que aprendem finanças
aos 3 anos? (09 de março de 2014, jornal O
Estado de S. Paulo).
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