segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Reflexões provocadas por "As Zonas Azuis" (final)

Continuação de segunda-feira

"Entre muitos fatores importantes para viver muitos anos e feliz, os pesquisadores das 'Zonas Azuis' descobriram que o que ficou no topo da lista, que ganha, assim de lavada, foram duas coisas bem interessantes. Uma delas foi a pessoa ter relacionamentos próximos. Isso significa ter pessoas com quem você pode contar. Pessoas em quem você confia. Aquelas pessoas que se você precisar vão cuidar de você, vão te ouvir chorar, vão te levar ao hospital, vão te apoiar, seja lá no que for. E junto com isso, muito parecido, veio a interação social. Isso quer dizer quando a gente interage com as pessoas ao longo do nosso dia. Aquele bom dia para o porteiro, aquele olhar sorrindo para alguém que passa por você, aquela conversa, mesmo que rapidinha, na padaria quando você passa para buscar o pão."
O parágrafo acima foi elaborado por transcrição de trechos do vídeo de Camila Zen intitulado O Segredo Para Viver Muitos Anos e Feliz. Ao dizer que ter relacionamentos próximos e interação social são os dois fatores que os pesquisadores descobriram ser os que ficam no topo da lista dos que contribui para a longevidade e a qualidade de vida alcançadas nas "Zonas Azuis", Camila faz-me trazer para estas reflexões o seguinte trecho do texto da jornalista Raphaela de Campos Mello intitulado Viva melhor, publicado na edição 250 da revista Vida Simples.
"Não devemos subestimar a arte dos encontros e o valor de lapidarmos nossas relações, como orienta o estudo mais longevo sobre a felicidade, iniciado em 1938, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e em andamento até hoje. Fundamental para nos mantermos felizes e saudáveis ao longo da vida, de acordo com os dados coletados, é a qualidade dos nossos relacionamentos, ou seja, nos sentirmos  conectados e podermos ser quem somos junto a entes preciosos."
"Fundamental para nos mantermos felizes e saudáveis ao longo da vida, de acordo com os dados coletados, é a qualidade dos nossos relacionamentos", diz Raphaela. "Porque viver é basicamente ter relacionamentos", diz o físico quântico Amit Goswami, após ter descoberto que "para pessoas ambiciosas como ele era, havia muito foco em trabalho, quase nada em relacionamentos". Sim, como diz Vimala Thakar [1921 – 2009], ativista social indiana e professora espiritual, já no título de um de seus livros, Viver é relacionar-se. E de associação em associação, o velho método das recordações sucessivas leva-me a trazer para estas reflexões os dois próximos parágrafos.
"Você não está aqui para vender cebolas?" – perguntou um americano de Chicago.
"Não. Estou aqui para viver minha vida." – respondeu o índio. "Amo quando Pedro e Luiz vêm até aqui me dar bom dia e conversar sobre filhos e plantações. Gosto de ver meus amigos. Isso é minha vida.", complementou o índio.
Onde encontrei os dois parágrafos acima? Em uma educativa história intitulada O Velho Vendedor de Cebolas encontrada em um livro intitulado Vida de Meditação, de Ken Gire. A íntegra da referida história pode ser lida na postagem homônima publicada em 15 de março de 2014. Uma postagem imperdível, segundo minha insuspeita opinião.
"E isso - os relacionamentos próximos e a interação social - está se extinguindo cada vez mais no mundo. Agora, num mundo cada vez mais digital, alguns desses cientistas precisaram se fazer uma pergunta muito importante: Com as pessoas se falando cada vez mais pelo celular, seja por mensagem de texto, voz ou vídeo, será isso suficiente para preencher a lacuna de interação social em especial com os relacionamentos mais próximos nossos? A resposta mais curta é não.
Elizabeth Weekley, uma neurocientista da Universidade de Maryland, fez um estudo interessante. Com exames de ressonância magnética, ela observou o cérebro de centenas de pessoas logo após elas interagirem com membros da sua equipe. Então, metade das pessoas interagiram com a equipe pessoalmente, ouvindo-os ali olho no olho. A outra metade ouviu as mesmas coisas, porém através de um vídeo. O que ela descobriu foi que as áreas do cérebro relacionadas à atenção, inteligência social, que seria antecipar o que o jovem está pensando, sentindo ou planejando e também as áreas da recompensa emocional, todas essas áreas ficaram muito mais responsivas no grupo que interagiu pessoalmente com a equipe.
"Nas pesquisas foi comprovado que um simples olho no olho, um aperto de mão, um toque aqui é suficiente para liberar ocitocina que aumenta o nosso nível de confiança e diminui o nosso nível de cortisol, portanto diminuindo o nosso estresse. E isso produz dopamina que nos deixa mais felizes e diminui qualquer dor. É tipo uma morfina produzida naturalmente. Então, o simples contato olho no olho libera neurotransmissores que promovem confiança, reduzem o estresse, acabam com a dor e induzem o bem-estar. Inundando o nosso sangue, o nosso cérebro com uma enxurrada de hormônios de bem-estar e nos ajudando a viver mais. A interação interpessoal cria como se fosse um escudo biológico contra doenças e o declínio da saúde."
Os três parágrafos acima são mais alguns elaborados por transcrição de trechos do vídeo de Camila Zen. Os grifos são meus. Ao ressaltar o poder do simples contato olho no olho, Camila faz-me lembrar de algo que li há quase 18 anos e que jamais esqueci: uma tocante história que aconteceu com o criador do Pequeno Príncipe, o escritor francês Antoine de Saint-Exupéry. Os quatro próximos parágrafos foram extraídos de um artigo da psicóloga e antropóloga Susan Andrews [1946] publicado em sua coluna na revista Época, na edição de 27 de março de 2006, sob o título O coração tem razões.... A íntegra do referido artigo pode ser lida na postagem homônima publicada em 10 de outubro de 2011.
"Poucas pessoas sabem que ele lutou na Guerra Civil Espanhola, quando foi capturado pelo inimigo e levado ao cárcere para ser executado no dia seguinte. Nervoso, ele procurou em sua bolsa um cigarro, e achou um, mas suas mãos estavam tremendo tanto que ele não podia nem mesmo levá-lo à boca. Procurou fósforos, mas não tinha, porque os soldados haviam tirado todos os fósforos de sua bolsa. Ele olhou então para o carcereiro e disse: 'Por favor, usted tiene fósforo?'. O carcereiro olhou para ele e chegou perto para acender seu cigarro. Naquela fração de segundo, seus olhos se encontraram, e Saint-Exupéry sorriu.
Depois ele disse que não sabia porque sorriu, mas pode ser que quando se chega perto de outro ser humano seja difícil não sorrir. Naquele instante, uma chama pulou no espaço entre o coração dos dois homens e gerou um sorriso no rosto do carcereiro também. Ele acendeu o cigarro de Saint-Exupéry e ficou perto, olhando diretamente em seus olhos, e continuou sorrindo. Saint-Exupéry também continuou sorrindo para ele, vendo-o agora como pessoa, e não como carcereiro.
Parece que o carcereiro também começou a olhar Saint-Exupéry como pessoa, porque lhe perguntou: 'Você tem filhos?'. 'Sim', Saint-Exupéry respondeu, e tirou da bolsa fotos de seus filhos. O carcereiro mostrou fotos de seus filhos também, e contou os seus planos e esperanças para o futuro deles. Os olhos de Saint-Exupéry se encheram de lágrimas quando disse que não tinha mais planos, porque ele jamais os veria de novo. Os olhos do carcereiro se encheram de lágrimas também. E de repente, sem nenhuma palavra, ele abriu a cela e guiou Saint-Exupéry para fora do cárcere, através das sinuosas ruas, para fora da cidade, e o libertou. Sem nenhuma palavra, o carcereiro deu meia-volta e retornou por onde veio. Saint-Exupéry disse: 'Minha vida foi salva por um sorriso do coração'.
O que foi aquela 'chama' que pulou entre o coração desses dois homens? Isso tem sido tema de intensa pesquisa atualmente, na medida em que os cientistas estão se dando conta de que o coração não é meramente uma bomba mecânica, mas um sofisticado sistema para receber e processar informações. De fato, o coração envia mais mensagens ao cérebro que o cérebro envia ao coração! Como disse o filósofo francês Blaise Pascal: 'O coração tem razões que a própria razão desconhece'."
"Minha vida foi salva por um sorriso do coração", disse Saint-Exupéry. Por um sorriso do coração provocado por um simples contato olho no olho. Um sorriso que Saint-Exupéry disse não saber explicar, mas que talvez possa ser explicado pelo fato de que quando se chega perto de outro ser humano seja difícil não sorrir. Um sorriso do coração cuja provocação creio ser, simplesmente, impossível por um contato olho na telinha.
Quanto à pergunta - "Se, agora, num mundo cada vez mais digital, com as pessoas se falando cada vez mais pelo celular, seja por mensagem de texto, voz ou vídeo, será isso suficiente para preencher a lacuna de interação social em especial com os relacionamentos mais próximos nossos" -, que, segundo Camila, alguns dos cientistas precisaram se fazer, concordo plenamente quando ela diz que a resposta mais curta é não.
Resposta que, considerando que os dois principais fatores para a obtenção de longevidade com a qualidade de vida que se tem nas 'Zonas Azuis' são "os relacionamentos próximos e a interação social", leva-me a concluir que, realmente, estamos malparados. Porém, como diz uma antiga e "otimista" frase do jornalista e chargista Jésus Rocha, "Nem tudo está perdido. Ainda temos muita coisa a perder!" Sendo assim, para evitar perder o que ainda temos, creio que o único jeito será mudar drasticamente nosso modo de viver. E ao falar em mudança drástica, me vem à mente a postagem publicada em 14 de abril de 2023. O título? O futuro será off-line. E, consequentemente, trará de volta o simples contato olho no olho. Utopia? Não, pois como diz o filósofo Slavoj Sizek [1949], "A única utopia de fato é acreditar que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual".  

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