segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

A viagem é para dentro

"[...] Nesse sentido, 'Lisboa em Pessoa' traduz uma forma de viajar em que acredito muito, aquela que vai além do grande consumo de imagens e da falta de tempo que nos são impostos pelo turismo de massa. Para mim, viajar não é passar apressadamente por monumentos e fachadas. Viagens precisam ser momentos de descanso, mas também de reflexão, de emoção e de aprendizado. Viajar é uma forma divertida de, ao olhar outra cidade, outro país, outra cultura, compreendermos um pouco mais de nós mesmos [...]."
O parágrafo acima foi extraído do livro 'Lisboa em Pessoa' de autoria de João Correia Filho, publicado em 2010. Treze anos depois, fazendo-me lembrar do que é dito acima, um texto de Rosane Queiroz intitulado A viagem é para dentro, publicado na edição 261 da revista Vida Simples, referente a novembro de 2023, desperta-me a vontade de elaborar uma postagem com trechos dele extraídos. No rodapé apresentado após o final do texto, Rosane é apresentada assim: jornalista, cantora e viajante slow motion que prefere encontrar consigo mesma na natureza a se perder em busca de pontos turísticos.
A viagem é para dentro
Quando o roteiro abarrotado de atrações dá lugar ao livre desfrute dos destinos, sem pressa, o descanso vira oportunidade de mergulhar em si
Houve um tempo em que me via correndo entre dezenas de atrações, querendo fazer uma cidade inteira caber em poucos dias de viagem. Com o tempo, percebi que, para desfrutar de verdade de um destino, é melhor trocar o "corre" pelo slow. E entrar no flow.
[...] Viajar sem a ânsia de ir ticando listas é também uma forma de "viajar para dentro". Uma oportunidade de andar sem pressa e usar o tempo para buscar, na troca com esse lugar e com as experiências que ele nos traz, um pouco de reflexão e até mesmo de cura.
No mundo pós-pandêmico, parece que não estou sozinha nessa nova maneira de degustar um destino. Na era das mil e uma experiências, há quem volte para casa mais cansado do que saiu. Talvez, por essa razão, as viagens slow, ligadas ao bem-estar e ao autoconhecimento, têm se revelado uma tendência global.
[...] "Os destinos de natureza estão ganhando cada vez mais a preferência dos viajantes", afirma Milena Maggi, sócia da boutique de viagens Original Miles, que oferece roteiros customizados. "São lugares que permitem um mix entre se reenergizar e descansar, como Patagônia, Atacama, Amazônia", lista.
[...] "No mundo moderno, muitos lutam para estar realmente presentes no momento. Se você conseguir prestar atenção ao que está ao seu redor, perceberá a abundância de vida que existe. Esse é um instante poderoso para refletir sobre a complexidade da existência, questionar suas escolhas e seu modo de viver", filosofa Alex Da Riva, proprietário e gestor do hotel Cristalino Lodge, em Alta Floresta (MT).
"No mundo moderno, muitos lutam para estar realmente presentes no momento. Se você conseguir prestar atenção ao que está ao seu redor, perceberá a abundância de vida que existe"
Menos foto, mais flow
Honrar o seu ritmo, resistir às urgências, abrir-se para novas possibilidades. Eis o recado de Fernanda e Fabrício Cunha, um casal que aprendeu a viajar sem cartas marcadas. Ela, professora de yoga dance, ele, engenheiro e empreendedor com trabalho remoto, chegam a comprar passagem só de ida. "Foram muitas viagens com roteiro fixo. Com o tempo, percebemos que isso nos fazia ignorar as surpresas do lugar. Impedíamos que ele nos mostrasse o que tinha para oferecer", recorda Fernanda.
Em cada viagem, tudo é flexível. "De repente, encontramos amigos e mudamos os planos. Sempre foi mais rico deixar esse espaço sem controle", diz Fabrício. O estado de presença, para Fernanda, é o que mais conta. "Estamos todos viajando nesse corpo e nessa terra. Qual o nosso envolvimento? Estamos aqui só para tirar fotos e gravar vídeos ou nos conectar com o que cada lugar nos imprime?", questiona ela.
"Estamos todos viajando nesse corpo e nessa terra. Qual o nosso envolvimento? Estamos aqui só para tirar fotos e gravar vídeos ou nos conectar de verdade com o que cada lugar nos imprime?"
A interação com a cultura e as pessoas do destino sempre foi vital nas viagens do casal, até mesmo quando eram "turistas de resort". Com a pandemia, a dupla deixou São Paulo para morar na praia, em Ubatuba, e hoje se define como nômade no modo de viajar. "Deixamos de ter uma relação de turista, daquele que vai, visita e vai embora, para ter uma relação de peregrinação, permitindo que o destino se revele", diz ela.
O principal é procurar entender como as pessoas locais pensam e vivem. "Me pergunto o que elas têm para me ensinar sobre mim que ainda não sei. Como podem me mostrar uma forma de viver que não a minha? Como turista, a gente via isso tudo de longe, tirava foto e ia embora. Agora queremos saber que somos parte integrante da paisagem enquanto estivermos ali."
[...] Em Alto Paraíso, no vilarejo de Cavalcante, o aprendizado veio da conversa com moradores, nas refeições simples. "Ali, conhecemos a simplicidade, pessoas para quem 'menos é mais'", lembra Fernanda.
Inspirada por Fernanda e Fabrício, volto ao meu não roteiro em Buenos Aires. Tem sido divertido conviver com uma família argentina animada e barulhenta, com adolescentes e crianças. Além disso, o descanso tem sido prioridade. Posso andar pelo bairro de Belgrano sem a preocupação de deixar passar alguma atração imperdível.
[...] Entre malbecs e milongas, nesses momentos de pausa, sem o relógio ditando o ritmo, é quando a viagem se transforma em uma jornada de autodescoberta. É claro que viagens para retiros e yoga, silêncio e afins têm um poder realmente maior de proporcionar essa reflexão. Mas acredito que qualquer viagem, mesmo pertinho de casa, pode ser uma chance e se conhecer.
Viajar assim é um lembrete de que a vida não é uma corrida. Se vamos depressa demais, a paisagem vira só mais um borrão. Por isso, vou dando meus pulinhos um pouco mais longe de casa até o bairro descolado de Palermo, lotado de livrarias e cafés, encaixando uma ou outra atração ao sabor dos dias. [...] Terá um show do Escalandrum, banda instrumental do neto do Piazzolla em um clube de jazz de Palermo? Quem sabe? Enquanto isso, comprei um caderninho de capa roxa e vou anotando livremente o que acontece comigo: fora e dentro.
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Será que faz sentido refletir sobre o que é dito por Rosane Queiroz em seu instigante texto? E anotar livremente o que acontece com você: fora e dentro; durante e após as reflexões?

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