sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Reflexões provocadas por "A descomunicação"

"Vivemos em um mundo assombrado [...] Vivemos sempre excessivamente estimulados. Melhor seria usar a palavra desassossegados. [...] Os celulares, supostamente destinados a ampliar o número de pessoas com as quais nos comunicamos, estão na rota inversa. Tememos atender números desconhecidos, suspeitamos de tentativas de comunicação, pois elas podem ser criminosas."
Como exemplo do que é dito por João de Fernandes Teixeira no parágrafo acima, segue o relato de uma situação vivenciada por mim.
Ao telefonar para uma ex-colega de trabalho e eterna amiga para parabenizá-la pelo aniversário, dela ouvi que eu era alguém com quem jamais gostaria de perder o contato e, alegando que isso o facilitaria, recomendou-me que passasse a usar o Whatsapp. O tempo passou, a pandemia fez-me passar a usar coisas que eu não usava, entre elas o Whatsapp. Com a intenção de fazer-lhe uma surpresa, enviei-lhe uma mensagem pelo meio que ela recomendara-me. Considerando que a ideia era provocar-lhe uma surpresa, enviei-lhe uma mensagem não "assinada". Afinal, nos dias de hoje, existe uma coisa denominada agenda na qual registramos os números dos telefones das pessoas de quem esperamos receber telefonemas e, principalmente, mensagens, não é mesmo? E assim como eu tinha o número do telefone dela na minha agenda, eu imaginava que ela também tivesse o número do meu na dela. Foi um enorme erro de imaginação com um resultado desastroso.
A amiga viu a mensagem, não reconheceu o remetente, (alguém com quem ela dissera que jamais gostaria de perder o contato), bloqueou meu número e, consequentemente, impediu-me de voltar a comunicar-me com ela. Após uma história que conto na postagem intitulada "Foi o tempo que dedicaste a tua rosa que a fez tão importante", publicada em 02 de maio de 2022, consegui voltar a comunicar-me com ela, e saber que o não reconhecimento do meu número deveu-se a ela o ter perdido em uma operação de transferência de agenda ao trocar um smartphone andróide por um iphone.
Durante a conversa, ela, que recomendara-me o uso do Whatsapp, acabou revelando-me todo o medo que passou a ter com o uso de tal ferramenta. Abrir uma mensagem, se não houver a foto, nem pensar! Como eu não tenho foto no Whatsapp nunca mais consegui comunicar-me com ela. Nem mesmo para alertá-la sobre algo dito por João de Fernandes Teixeira em seu artigo: "na forma de deep fakes, as imagens são tão perfeitas que ludibriam a todos". Ou seja, confiar em fotos é algo que não dá mais. Sendo assim, adeus amiga.
Sim, como diz João de Fernandes Teixeira, "Vivemos em um mundo assombrado." Um mundo em que, segundo a última frase de seu instigante texto, "Fecharam a porteira depois que o cavalo fugiu.".
E ao usar a imagem de um cavalo em fuga, João de Fernandes Teixeira faz-me lembrar uma imagem criada por Thich Nhat Hanh (1926 - 2022), um monge budista, pacifista, escritor e poeta vietnamita indicado por Martin Luther King ao prêmio Nobel da Paz. Qual é a imagem? "A humanidade se assemelha a um homem montado num cavalo em disparada, e que ao ser perguntado: 'Para onde você está indo?' responde: 'Não sei, pergunte ao cavalo!'". Será que o cavalo em disparada sobre o qual a humanidade está montada é a tecnologia? Será que faz sentido associar o cavalo ao 5G, ao 6G, ... ao "nnn"G? O que você acha?
"Aprendemos que a comunicação é uma das coisas mais importantes da nossa vida e que, graças aos avanços tecnológicos, ela está cada vez mais disponível para todos."
Sim, aprendemos, acertadamente, "que a comunicação é uma das coisas mais importantes da nossa vida", e aprendemos, equivocadamente, "que graças aos avanços tecnológicos, ela (comunicação) está cada vez mais disponível para todos". Afinal, o que se pode constatar, inclusive, usando o que é dito nesta postagem é que foi "graças aos avanços tecnológicos" que chegamos à descomunicação.
Provocado pela afirmação de que "graças aos avanços tecnológicos, a comunicação está cada vez mais disponível para todos.", digo o seguinte. Assim como qualquer outra coisa, comunicação é algo cuja obtenção requer a existência de condições adequadas. Condições que podem ser divididas entre necessárias e suficientes. Condições que no caso da comunicação incluem: possibilidade de contato e capacidade dos interlocutores para expressar corretamente o que se deseja comunicar; para entender o que se ouve e para responder adequadamente. Condições todas elas necessárias e nenhuma delas suficiente. Condições dentre as quais a única para a qual a tecnologia pode contribuir é possibilitar o contato. Ou seja, considerar que avanços tecnológicos são suficientes para resolver o intrincado problema da comunicação é, simplesmente, mais um equívoco da auto-equivocada, digo, autodenominada espécie inteligente do universo.
"Nós estamos com enorme pressa em construir um telégrafo magnético do Maine para o Texas; mas pode ser que o Maine e o Texas nada tenham de importante a comunicar. É como se o objetivo principal fosse falar depressa e não falar sensatamente."
Usada como epígrafe na postagem anterior, a afirmação de Henry David Thoreau (1817 – 1862), feita em 1854, é usada também para encerrar estas reflexões provocadas pelo instigante texto reproduzido naquela postagem. Não, o objetivo principal jamais deveria ser falar depressa, e sim falar sensatamente, pois só assim é possível ocorrer a comunicação. Sim, 169 anos após a afirmação de Thoreau, a autodenominada espécie inteligente do universo continua confundindo avanços tecnológicos com avanços civilizatórios. Não, como disse Alexis Carrel (1873-1944), cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo francês que, em 1912, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem." Sim, a comunicação é uma das coisas mais importantes da nossa vida, portanto, aprender a comunicar-se é um verdadeiro avanço civilizatório.
Não, comunicação não é algo que se resume em saber falar e / ou escrever, mas, principalmente, em saber se fazer entender. Será que consegui me fazer entender? Ou será que o fiz foi apenas produzir mais uma ocorrência de descomunicação? O que você acha?
PS: A postagem publicada em 15 de junho de 2020 sob o título "O terceiro 'ware' (I)" focaliza a relação entre tecnologia e comunicação.

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