domingo, 12 de novembro de 2023

A descomunicação

"Nós estamos com enorme pressa em construir um telégrafo magnético do Maine para o Texas; mas pode ser que o Maine e o Texas nada tenham de importante a comunicar. É como se o objetivo principal fosse falar depressa e não falar sensatamente."
  (Henry David Thoreau, [1817 – 1862], filósofo e naturalista norte-americano, em 1854)
O texto apresentado a seguir foi extraído da edição número 164 da revista humanitas, comprada no início deste mês na banca de jornais localizada em uma praça próxima ao apartamento em que moro. Sim, na região em que moro ainda há uma praça pública e uma banca em que se consegue comprar jornais e algumas revistas. Há pessoas que vivem em lugares, realmente, estranhos! O título do texto? A descomunicação. O autor? João de Fernandes Teixeira. O que é dito sobre ele no rodapé do artigo? "Que estudou na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Lecionou na UNESP, na UFSCar e na PUC-SP. Que estuda filosofia da mente e da tecnologia". A ideia de publicá-lo neste blog deve-se ao fato de, há quatro meses, ter sido aqui publicada uma postagem que tem tudo a ver com ele (o texto). O título da postagem? Vinho velho em odres novos. Feito este preâmbulo, segue o texto.
A descomunicação
Vivemos em um mundo assombrado. Aprendemos que a comunicação é uma das coisas mais importantes da nossa vida e que, graças aos avanços tecnológicos, ela está cada vez mais disponível para todos. Fala-se muito, hoje em dia, em ansiedade. Que ela se instalou no lugar da depressão e que vivemos sempre excessivamente estimulados. Melhor seria usar a palavra desassosegados. Não é para menos. Quanto mais pessoas têm smartphones, mais a comunicação se torna difícil, sujeita a apagões e interrupções, causadas por uma rede sobrecarregada. Depois do 5G virá o 6G. E, quem sabe, o 7G.
As interrupções atingem também milhares de transações bancárias e comerciais que não são completadas, deixando todos sem saber o que fazer. Será que o dinheiro que eu mandei para o meu filho no exterior chegou? A transação ocorreu, mas não veio o aviso de confirmação. Será que devo repeti-la? Mas se eu a repetir, posso acabar enviando o dobro do previsto e não disponho desse dinheiro. O jeito é mandar uma mensagem perguntando, mas o WhatsApp pode estar fora do ar naquele momento.
Todos nós passamos por esses perrengues todos os dias. A descomunicação tomou conta de todos. Os celulares, supostamente destinados a ampliar o número de pessoas com as quais nos comunicamos, estão na rota inversa. Tememos atender números desconhecidos, suspeitamos de tentativas de comunicação, pois elas podem ser criminosas. Elas podem ser spams de telemarketing ou a tentativa de infiltrar um malware que pode rapinar nossas contas bancárias. Restringimos nosso círculo de contatos em vez de expandi-lo. E se perdermos um novo contato profissional importante?
O pior aspecto da descomunicação é a dúvida. Quando algo errado acontece, nunca sabemos se há um problema com nossas operadoras ou com o nosso smartphone. Ou conosco, que não estamos conseguindo lidar devidamente com a máquina. As operadoras têm funcionários treinados para desorientar seus clientes e nunca admitir suas falhas. Sutilmente, somos levados a desconfiar de nossas próprias capacidades: serei eu, afinal, o único idiota que não sabe lidar com essa máquina?
A descomunicação ocorre também na relação homem-computador. Frequentemente aparecem, em nossas telas, mensagens que só fazem sentido para um técnico em informática, geradas automaticamente pelos sistemas operacionais. Sem saber o que elas significam, tememos que arquivos importantes sejam danificados ou perdidos. Sofremos esse desassossego calados, raramente comentamos com parentes ou amigos, pois não entender de tecnologia é coisa de gente velha.
Hoje em dia, uma das piores formas de descomunicação são as redes sociais. Criticá-las se tornou um lugar-comum. Todos sabemos que a poluição mental corre solta, na forma de fake news e agora de deep fakes, imagens tão perfeitas que ludibriam a todos. O dilema, enfrentado durante a pandemia, de optar pela saúde ou pela liberdade persiste. Vozes liberais defendem a liberdade irrestrita na rede, a liberdade sem responsabilidade. É um desastre tão grande quanto assegurar o direito de alguém gritar "Fogo" num teatro lotado.
Não há dúvida de que a internet trouxe grandes benefícios. Que ela já salvou vidas. Nenhuma tecnologia sobrevive se não trouxer benefícios e comodidades. Mas agora está na hora de repensar essa ferramenta. De refazer o cálculo de custos e benefícios, que no momento nos inclina a considerá-la tóxica. Está na hora de diminuir o marketing excessivo que promove o ChatGPT como se fosse a pedra filosofal. Recentemente, a comunidade científica internacional decretou uma pausa de seis meses nas pesquisas em IA. Fecharam a porteira depois que o cavalo fugiu.
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Com a intenção de evitar uma ocorrência de descomunicação causada pelo tamanho da postagem, desisti de deixar nesta as reflexões provocadas pelo instigante texto de João de Fernandes Teixeira.

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