"Não há
necessidade de buscar Deus num templo, numa mesquita ou numa igreja: Ele está
alojado em cada coração humano. As pessoas fazem dispendiosas peregrinações a
todos os tipos de lugares, mas infelizmente esquecem que Deus reside em seus
corações. As pessoas praticam uma variedade de exercícios espirituais, mas Deus
não busca suas práticas, nem mesmo suas devoções. Ele apenas busca seu Amor."
(Sathya Sai Baba [1926 – 2011], educador e líder
espiritual indiano)
Com a intenção de dar à consagrada
saudação – Tudo bem? - uma resposta
original, e até mesmo real, há alguns anos passei a respondê-la assim: "Tudo indo. Pra onde não
sei. Não tenho a menor ideia". Afinal, neste sinistro
planeta, estar tudo bem é algo que não ocorre há muito tempo, e saber para onde
se está indo parece-me algo bastante improvável. Thich Nhat Hanh (1926 - 2022),
um monge budista, pacifista, escritor e poeta vietnamita indicado por Martin
Luther King ao prêmio Nobel da Paz, criou uma imagem que acho fantástica. Qual
é a imagem? "A humanidade se assemelha a um homem montado num
cavalo em disparada, e que ao ser perguntado: 'Para
onde você está indo?' responde: 'Não sei, pergunte ao cavalo!'"
As pessoas ouvem a
resposta, algumas acham-na engraçada outras passam a usá-la com saudação quando
entram em contato comigo, porém, há poucos meses uma delas teve uma reação
completamente diferente. Em uma breve troca de mensagens pelo Whatsapp, após a minha resposta à sua
saudação (Tudo bem?), uma antiga colega
de trabalho e eterna amiga perguntou-me, com ares de preocupação, algo mais ou
menos assim: "O que está acontecendo? Você está sem
rumo? Você acredita em Deus?". Em vez de responder a tais perguntas, optei
por telefonar para ela (sim, ainda há quem mantenha o estranho hábito de
telefonar!), explicar-lhe o porquê da minha resposta e conversar sobre a crença
em Deus. Telefonei, a pessoa que atendeu o telefonema disse que eu só
conseguiria falar com ela mais tarde. Acabei não tentando falar com ela
novamente nem ela retornou minha ligação.
O tempo passou e em uma rápida visita à Bienal do Livro no dia 10 de setembro lá
encontrei mais um livro (ou teria sido por ele encontrado?) de Joan Chittister
com um título instigante: Sob a luz
sagrada de Deus – A sabedoria dos Padres do Deserto. Livro no qual
encontrei um capítulo que me fez lembrar, imediatamente, da minha amiga. O
título do capítulo? O mesmo que dei a esta postagem. Quem é o seu Deus? Feito este longo preâmbulo, segue mais um
magistral texto de Joan Chittister, monja beneditina, escritora e conferencista
internacionalmente conhecida; uma das mais articuladas analistas sociais e
influentes líderes religiosas de nossa época; copresidente da Global Peace Initiative of Women, uma
organização parceira da ONU, facilitadora de uma rede mundial de mulheres
promotoras da paz.
Quem é o seu Deus?
São Sisoé diz: "Busque a Deus, e não onde Deus reside".
Bem lá
no fundo, na parte mais recôndita do nosso coração, algo nos chama eternamente
além do presente, acima do mundano. Qualquer que seja nossa situação, isto nos
impele a mergulhar em um período de reflexão sobre o propósito da vida e o
significado de nossa própria existência. Logo, uma coisa se torna evidente: a
vida é uma jornada cujo ponto-final está sempre distante. Quanto mais temos,
mais queremos. E então surge a percepção: mesmo que tenhamos conquistado tudo
que vale a pena ter na vida, nenhuma dessas coisas jamais irá satisfazer o
vazio interior.
Não
importa o que nos atraia ao longo do caminho – dinheiro, posição social,
liberdade, poder, até mesmo a vida espiritual -, no fim, tal coisa nos ilude. Nenhuma
delas vai durar. Nenhuma delas garante satisfação total. Por mais que possamos
estar de posse de todas as bugigangas da vida, sempre ainda haverá um desejo
por outra coisa. Então damo-nos conta de que o que buscamos não pode ser
empacotado e guardado. A vida dá voltas e reviravoltas, transborda de
vitalidade, e então perece numa morte
fulminante, nos satisfaz e nos decepciona novamente até que, por fim,
aprendemos a buscar o que é, mas não pode ser possuído.
Mesmo a
religião, São Sisoé adverte os discípulos, muitas vezes vem camuflada. Os
milhares de discípulos que acorreram ao deserto para aprender com os Padres do
Deserto como serem santos, como viver uma vida melhor, encontraram ali pouco
conforto na fórmula religiosa. Os Padres do Deserto não vendiam amuletos ou
modelos de orações, devoções secretas ou ascetismos que transformam vidas. Eles
não nos encaminham para o guru espiritual da atualidade. Eles não nos vendem o
mantra mais recente. Eles olham apenas para o nosso compromisso pessoal de
encontrar o Deus da Vida. Os Padres do Deserto ensinavam apenas o que
significava viver na presença de Deus.
As
práticas religiosas devem ser guias para o Deus vivo, Aquele que vive em nós, e
respira em nós, e caminha conosco pela vida, por mais árida que seja a jornada.
Mas elas não devem ser fins em si mesmas. A consciência da presença de Deus e
as práticas destinadas a desenvolver a consciência são duas coisas diferentes.
O problema, São Sisoé sabia, é que é fácil confundir as duas.
O fato
de se repetir incessantemente uma prática espiritual não significa acreditar
que a repetição em si nos conecta à mente de Deus na vida. Pelo contrário. As
práticas espirituais servem apenas para nos lembrar da presença de Deus no
momento. É quando nos elevamos além da dor do momento para uma compreensão do
que o momento traz para o nosso próprio crescimento espiritual que nos tornamos
pessoas verdadeiramente espiritualizadas.
Uma
coisa é empreender uma peregrinação ao deserto para encontrar Deus. Outra é
estar aberto a encontrar Deus onde estamos. Então, tornamo-nos o que o desafio
do momento nos convoca a ser. E é aí que a palavra de conselho espiritual de
São Sisoé – buscar a Deus e não simplesmente as armadilhas da vida espiritual -
se torna real, torna-se verdade.
A vida
não é um exercício de ginástica espiritual. É um longo e interminável esforço
de ter a mente de Deus onde quer que estejamos, o que quer que aconteça conosco
no caminho. Não estamos aqui para escaparmos dos desafios da vida por meio da
oração. Estamos aqui para crescer por meio de cada um deles até atingirmos a maturidade espiritual. Com
Deus ao nosso lado, em nossa mente e em nosso coração, nossa própria força
espiritual e discernimento desenvolvem plena estatura. A transformação do corpo
para o espírito é então concluída: fisicamente, aceitamos o crescimento que nos
leva além da fisicalidade. Ser o mais forte, o mais apto, até mesmo o mais
religioso não importa mais. Somente o desenvolvimento da alma importa agora.
As
almas que estão totalmente imersas na consciência de Deus veem as coisas de
forma diferente. O calendário da vida – infância, início da fase adulta,
maturidade, liberdade – elas percebem como apenas um dos múltiplos estágios da
vida. Cada um dos muitos estágios da vida, entendem, são presentes a serem
valorizados e anos a serem moldados. Cada um traz uma nova consciência de que a
vida é crescer em Deus, um período por vez. Tentar reter qualquer um desses
momentos para sempre, tentar moldar qualquer um deles para meus próprios fins
eternos, é viver a vida sem chegar a compreendê-la. Procurar cimentar a fonte da
juventude ou extrair para nossos próprios insights
o eterno ápice da força, agarrar-se a um único período e chamá-lo de vida, é se
desencontrar totalmente do Deus da Vida.
São
Sisoé exige uma resposta de cada um de nós: quem é o seu Deus? Uma cornucópia
de coisas boas para os filhos espirituais ou um cocriador da vida que espera
que vejamos o mundo como Deus o vê e depois façamos nossa parte para torná-lo
sagrado? É Emanuel "Deus conosco" que buscamos. Os santuários e
orações especiais e peregrinações sagradas ao longo do caminho são oásis
espirituais destinados a desenvolver nossa força para o restante do caminho.
Eles não são Deus; são simplesmente sinais de que o Deus que nos criou está
conosco. É esse relacionamento que importa muito mais do que qualquer devoção
em particular.
São
Sisoé guardava o segredo da vida realmente espiritual. Por mais fielmente que
tenhamos cultivado uma devoção preferida, ele nos adverte, não devemos nos
deixar seduzir por nenhuma delas. Cada uma tem apenas um propósito. Seu
objetivo é simplesmente apontar na direção da consciência de Deus em todos os
momentos e em todos os lugares.
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Segundo a minha amiga, não saber para onde se está indo coloca em dúvida a crença em Deus.
Segundo Thich Nhat Hanh, a humanidade não sabe para onde está indo. Segundo Sathya Sai Baba, "não
há necessidade de ir buscar Deus em
lugar algum, pois ele está alojado em cada coração humano". São Sisoé diz: "Busque a Deus, e
não onde Deus reside". Joan Chittister diz: "Uma coisa é
empreender uma peregrinação ao deserto para encontrar Deus. Outra é estar
aberto a encontrar Deus onde estamos.". Portanto, no meu entender, o
melhor a fazer talvez seja ficar onde se está, refletir sobre o magistral texto
de Joan Chittister e tentar, cada um, descobrir quem é o seu Deus.
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