"A natureza
segue. O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem
está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial, seu modo de
funcionamento que entrou em crise."
(Ailton Krenak, ambientalista e líder indígena dos Krenak,
em seu livro "O amanhã não está à
venda")
Em mais
uma ocorrência da prática de destacar a completeza de uma nova centena de
postagens, dez anos e dois meses após a inauguração deste blog, segue a "Sexcentésima
postagem" ou "Revisitando o velho vendedor de cebolas". Por que a
escolha de uma revisita ao velho vendedor de cebolas para ser este marco? Porque,
após um ano nestes sombrios tempos assolados por uma pandemia engendrada pelo
equivocado estilo de vida adotado pela imensa maioria da autodenominada espécie
inteligente do universo, foi inevitável vir-me à mente a inesquecível história
intitulada O Velho Vendedor de Cebolas,
espalhada pela postagem publicada em
15 de março de 2014.
Uma
história que, no meu entender, possibilita uma imprescindível comparação entre duas
culturas: a do Pele Vermelha e a do Homem Branco. Uma oportuna comparação, pois,
ainda no meu entender, ela possibilita a percepção de que, se a cultura do
Homem Branco tivesse absorvido alguns ensinamentos da cultura do Pele Vermelha,
coisas como esta terrível pandemia talvez não viessem a ocorrer.
Feito este preâmbulo, seguem a educativa
história intitulada O Velho Vendedor de
Cebolas e algumas novas reflexões
por ela provocadas nestes pandêmicos tempos.
O Velho
Vendedor de Cebolas
Um velho índio, chamado
Pota-lamo, estava em um canto sombrio de um velho mercado da cidade do México.
À sua frente havia vinte réstias de cebolas. Um americano, de Chicago, foi até
ele e disse:
- Quanto custa uma réstia de
cebolas?
- Dez
centavos, respondeu Pota-lamo.
- E
duas réstias?
- Vinte
centavos, foi a resposta.
- E
três réstias?
- Trinta
centavos.
- Não
vejo desconto, disse o americano. Você aceitaria vinte e cinco centavos?
- Não.
-
Quanto você cobra por todas as vinte réstias?
- Eu
não venderia todas as réstias para você.
- Por
que não? Você não está aqui para vender cebolas?
- Não,
respondeu o índio. Estou aqui para viver minha vida. Amo este mercado. Gosto de
ver as pessoas em seus ponchos vermelhos. Amo a luz de sol e o balanço das
palmeiras. Amo quando Pedro e Luiz vêm até aqui me dar bom dia e conversar
sobre filhos e plantações. Gosto de ver meus amigos. Isso é minha vida. É por
isso que me assento aqui o dia inteiro e vendo minhas vinte réstias de cebolas.
Mas, se as vendo para um único cliente, meu dia termina. Perdi a vida que amo,
e isso eu não vou fazer.
*************
"Você não está aqui para vender cebolas?" – perguntou um americano de Chicago."Não. Estou aqui para viver minha vida." – respondeu o índio. "Amo quando Pedro e Luiz vêm até aqui me dar bom dia e conversar sobre filhos e plantações. Gosto de ver meus amigos. Isso é minha vida.", complementou o índio.
Que imensa diferença entre o
entendimento do americano de Chicago e do velho índio sobre o porquê de estar
aqui! Enquanto o primeiro entende que seja para vender e comprar coisas, ou
seja, para comerciar; o segundo entende que seja para viver sua vida, para
interagir amistosamente com seus amigos.
"Pensei muito nessa história, sobre valorizar a comunidade acima do comércio, e me pareceu que este estilo de vida era mais cristão do que o meu.", eis uma afirmação de Ken Gire, autor do livro intitulado Vida de Meditação, referindo-se a história do Velho Vendedor de Cebolas, reproduzida em seu livro.
Valorizar a comunidade acima do
comércio, ou seja, inverter as posições de importância que essas duas coisas
ocupam na vida da imensa maioria das pessoas. Tirar das mãos de um deus
denominado mercado as rédeas deste planeta. Valorizar a comunidade acima do
comércio! Será que é isso que está faltando para combater adequadamente essa
pandemia sobre a qual Pedro
Aihara escreveu um extraordinário artigo intitulado "Coronavírus escancarou a conta do nosso egoísmo"? Perceber que o estilo de vida dos incivilizados parece mais
cristão, ou seja, menos egoísta. Será que é mais uma coisa que está faltando
aos civilizados?
"A cultura e a civilização do Homem Branco são essencialmente materiais; ele mede seu sucesso pela quantidade de propriedades que adquiriu para ele mesmo. A cultura do Pele Vermelha é fundamentalmente espiritual; sua medida de sucesso é quanto serviço ele já prestou a seu povo", eis uma afirmação de Ernest Thompson Seton, um homem branco que vivera entre os indígenas, em seu livro intitulado The Gospel of the Redman (O Evangelho do Pele Vermelha).
"Cultura e civilização
essencialmente materiais do Homem Branco" que, em 1852, levaram o governo
dos Estados Unidos a propor a compra das terras das tribos indígenas Suquamish
e Duwamish, localizadas na região de Puget Sound, no atual estado de Washington.
"Cultura
fundamentalmente espiritual do Pele Vermelha" que, em 1854, levou o chefe
das tribos Suquamish e Duwamish (conhecido como Cacique Seattle) a proferir um
histórico discurso em que ele responde ao grande chefe de Washington que a
ideia da compra por ele proposta é estranha para os indígenas, pois o
significado que a terra tem para eles é extremamente diferente do significado
que ela tem para o Homem Branco.
Uma
extrema diferença de significado que, no meu entender, permite-me imaginar que se
a cultura do Homem Branco tivesse absorvido alguns ensinamentos da cultura do
Pele Vermelha, coisas como esta terrível pandemia talvez não viessem a ocorrer e
que, sendo assim, levou-me a querer, nestes pandêmicos tempos, usar esta
sexcentésima postagem para uma revisita ao Velho
Vendedor de Cebolas.
Uma
revisita com a intenção de - a partir do diálogo entre o americano de Chicago e
o velho índio - chamar atenção para a imprescindibilidade de revisarmos nosso
entendimento sobre o porquê de estarmos aqui. E, então, com o entendimento revisado,
partirmos para a mudança do nosso comportamento, pois como diz Laurence G. Boldt - "A tarefa de criar um mundo melhor não começa com
os programas de governo ou com movimentos revolucionários, mas com os
pensamentos, sentimentos e ações de cada um de nós.".
O histórico discurso do Cacique
Seattle foi traduzido para o inglês e transformado em um texto intitulado A Carta do Cacique Seattle. Carta que
foi espalhada por este blog pela postagem de 24 de fevereiro de 2011,
antecedida pela postagem de 22 de fevereiro intitulada "A história de uma certa carta".
Sobre O Velho Vendedor de Cebolas, encerro esta postagem dizendo o
seguinte: a visita publicada na postagem de 15 de março de 2014 provocou em mim
tantas reflexões que para compartilhá-las foram necessárias duas postagens do
tipo "Reflexões provocadas por".
Nenhum comentário:
Postar um comentário