quarta-feira, 24 de março de 2021

Sexcentésima postagem ou "Revisitando O Velho Vendedor de Cebolas"

"A natureza segue. O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial, seu modo de funcionamento que entrou em crise."
(Ailton Krenak, ambientalista e líder indígena dos Krenak, em seu livro "O amanhã não está à venda")
Em mais uma ocorrência da prática de destacar a completeza de uma nova centena de postagens, dez anos e dois meses após a inauguração deste blog, segue a "Sexcentésima postagem" ou "Revisitando o velho vendedor de cebolas". Por que a escolha de uma revisita ao velho vendedor de cebolas para ser este marco? Porque, após um ano nestes sombrios tempos assolados por uma pandemia engendrada pelo equivocado estilo de vida adotado pela imensa maioria da autodenominada espécie inteligente do universo, foi inevitável vir-me à mente a inesquecível história intitulada O Velho Vendedor de Cebolas, espalhada pela postagem publicada em 15 de março de 2014.
Uma história que, no meu entender, possibilita uma imprescindível comparação entre duas culturas: a do Pele Vermelha e a do Homem Branco. Uma oportuna comparação, pois, ainda no meu entender, ela possibilita a percepção de que, se a cultura do Homem Branco tivesse absorvido alguns ensinamentos da cultura do Pele Vermelha, coisas como esta terrível pandemia talvez não viessem a ocorrer.
Feito este preâmbulo, seguem a educativa história intitulada O Velho Vendedor de Cebolas e algumas novas reflexões por ela provocadas nestes pandêmicos tempos.
O Velho Vendedor de Cebolas
Um velho índio, chamado Pota-lamo, estava em um canto sombrio de um velho mercado da cidade do México. À sua frente havia vinte réstias de cebolas. Um americano, de Chicago, foi até ele e disse:
- Quanto custa uma réstia de cebolas?
- Dez centavos, respondeu Pota-lamo.
- E duas réstias?
- Vinte centavos, foi a resposta.
- E três réstias?
- Trinta centavos.
- Não vejo desconto, disse o americano. Você aceitaria vinte e cinco centavos?
- Não.
- Quanto você cobra por todas as vinte réstias?
- Eu não venderia todas as réstias para você.
- Por que não? Você não está aqui para vender cebolas?
- Não, respondeu o índio. Estou aqui para viver minha vida. Amo este mercado. Gosto de ver as pessoas em seus ponchos vermelhos. Amo a luz de sol e o balanço das palmeiras. Amo quando Pedro e Luiz vêm até aqui me dar bom dia e conversar sobre filhos e plantações. Gosto de ver meus amigos. Isso é minha vida. É por isso que me assento aqui o dia inteiro e vendo minhas vinte réstias de cebolas. Mas, se as vendo para um único cliente, meu dia termina. Perdi a vida que amo, e isso eu não vou fazer.
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"Você não está aqui para vender cebolas?" – perguntou um americano de Chicago.
"Não. Estou aqui para viver minha vida." – respondeu o índio. "Amo quando Pedro e Luiz vêm até aqui me dar bom dia e conversar sobre filhos e plantações. Gosto de ver meus amigos. Isso é minha vida.", complementou o índio.
Que imensa diferença entre o entendimento do americano de Chicago e do velho índio sobre o porquê de estar aqui! Enquanto o primeiro entende que seja para vender e comprar coisas, ou seja, para comerciar; o segundo entende que seja para viver sua vida, para interagir amistosamente com seus amigos.
"Pensei muito nessa história, sobre valorizar a comunidade acima do comércio, e me pareceu que este estilo de vida era mais cristão do que o meu.", eis uma afirmação de Ken Gire, autor do livro intitulado Vida de Meditação, referindo-se a história do Velho Vendedor de Cebolas, reproduzida em seu livro.
Valorizar a comunidade acima do comércio, ou seja, inverter as posições de importância que essas duas coisas ocupam na vida da imensa maioria das pessoas. Tirar das mãos de um deus denominado mercado as rédeas deste planeta. Valorizar a comunidade acima do comércio! Será que é isso que está faltando para combater adequadamente essa pandemia sobre a qual Pedro Aihara escreveu um extraordinário artigo intitulado "Coronavírus escancarou a conta do nosso egoísmo"? Perceber que o estilo de vida dos incivilizados parece mais cristão, ou seja, menos egoísta. Será que é mais uma coisa que está faltando aos civilizados?
"A cultura e a civilização do Homem Branco são essencialmente materiais; ele mede seu sucesso pela quantidade de propriedades que adquiriu para ele mesmo. A cultura do Pele Vermelha é fundamentalmente espiritual; sua medida de sucesso é quanto serviço ele já prestou a seu povo", eis uma afirmação de Ernest Thompson Seton, um homem branco que vivera entre os indígenas, em seu livro intitulado The Gospel of the Redman (O Evangelho do Pele Vermelha).
"Cultura e civilização essencialmente materiais do Homem Branco" que, em 1852, levaram o governo dos Estados Unidos a propor a compra das terras das tribos indígenas Suquamish e Duwamish, localizadas na região de Puget Sound, no atual estado de Washington.
"Cultura fundamentalmente espiritual do Pele Vermelha" que, em 1854, levou o chefe das tribos Suquamish e Duwamish (conhecido como Cacique Seattle) a proferir um histórico discurso em que ele responde ao grande chefe de Washington que a ideia da compra por ele proposta é estranha para os indígenas, pois o significado que a terra tem para eles é extremamente diferente do significado que ela tem para o Homem Branco.
Uma extrema diferença de significado que, no meu entender, permite-me imaginar que se a cultura do Homem Branco tivesse absorvido alguns ensinamentos da cultura do Pele Vermelha, coisas como esta terrível pandemia talvez não viessem a ocorrer e que, sendo assim, levou-me a querer, nestes pandêmicos tempos, usar esta sexcentésima postagem para uma revisita ao Velho Vendedor de Cebolas.
Uma revisita com a intenção de - a partir do diálogo entre o americano de Chicago e o velho índio - chamar atenção para a imprescindibilidade de revisarmos nosso entendimento sobre o porquê de estarmos aqui. E, então, com o entendimento revisado, partirmos para a mudança do nosso comportamento, pois como diz Laurence G. Boldt - "A tarefa de criar um mundo melhor não começa com os programas de governo ou com movimentos revolucionários, mas com os pensamentos, sentimentos e ações de cada um de nós.".
O histórico discurso do Cacique Seattle foi traduzido para o inglês e transformado em um texto intitulado A Carta do Cacique Seattle. Carta que foi espalhada por este blog pela postagem de 24 de fevereiro de 2011, antecedida pela postagem de 22 de fevereiro intitulada "A história de uma certa carta".
Sobre O Velho Vendedor de Cebolas, encerro esta postagem dizendo o seguinte: a visita publicada na postagem de 15 de março de 2014 provocou em mim tantas reflexões que para compartilhá-las foram necessárias duas postagens do tipo "Reflexões provocadas por".

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