terça-feira, 30 de março de 2021

O Sonho Americano

  "Eu não vejo nenhum Sonho Americano, eu vejo um Pesadelo Americano."
  (Malcolm X)
Após uma postagem trazendo os diferentes entendimentos de um americano de Chicago e de um velho índio do porquê de estarmos aqui, segue uma trazendo a percepção do escritor, consultor executivo e palestrante Robert Rabbin do que seja o tão cultuado sonho americano. Em 1985, Rabbin voltou sua atenção para a questão da espiritualidade no ambiente de trabalho e o texto trazido para esta postagem foi extraído de seu livro Liderança Invisível – O trabalho feito com a alma, do capítulo intitulado O Sonho Americano.
O Sonho Americano

"Por que estamos na Microsoft?", berrou Steve Ballmer, o bilionário Vice-Presidente Executivo da Microsoft Corp., para uma multidão de nove mil empregados da empresa que se acotovelavam dentro do Kingdome, o ginásio de esportes de Seattle. Ele mesmo respondeu: "Pelo dinheiro! Quero ver o dinheiro!". E o público reagiu a uma só voz: "Quero ver o dinheiro!".

- Los Angeles Times, 7 de dezembro de 1997

Começamos a perceber que a nossa economia não se baseia só na satisfação dos desejos, mas na criação de desejos. Nossa economia cria novos desejos; não se limita a satisfazê-los. Criam-se desejos para depois serem satisfeitos – trata-se de um estado de coisas absolutamente contrário à natureza. Fiquei pasmo quando descobri que essa descrição da nossa economia assemelhava-se à descrição budista do samsara, da ilusão.

- Jacob Needleman

Há alguns anos, o proprietário e presidente de uma empresa de telecomunicações me pediu que avaliasse até que ponto a declaração de valores da empresa se manifestava concretamente no dia-a-dia das suas atividades e interações.
Perguntou-me se eu queria ler os documentos que continham a declaração de valores da empresa e eu disse que não. Perguntou-me se eu queria passar um questionário para os empregados e mais uma vez eu disse que não. Do mesmo modo, respondi "não" quando ele me perguntou se eu iria usar alguma espécie de instrumento de avaliação e se eu queria entrevistar as pessoas individualmente ou em grupos pequenos. Disse-lhe que eu não queria falar com ninguém.
Tenho certeza de que, nessa hora, ele começou a achar que devia ter contratado outro consultor. Perguntou o que, então, eu ia fazer. Eu lhe disse que ia usar a minha técnica de "baixar o volume": ia enfiar um chumaço de algodão nos ouvidos e passar três dias andando pela empresa e vendo o pessoal trabalhar. Ao cabo desse período, eu seria capaz de lhe dizer quais eram os valores que a empresa tinha de fato, com base na conduta das pessoas no trabalho.
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Quando aplico à nossa sociedade a minha técnica de "baixar o volume", percebo que o que nós valorizamos é o Sonho Americano, um ideal de vida baseado no sucesso financeiro pessoal. O Sonho Americano é o sonho de obter para si tudo o que o mundo material e visível pode dar. Nosso proceder não importa; o que importa é obter tudo. Se passarmos pela vida e não obtivermos nada, ou muito pouco, teremos perdido o jogo da vida. Se obtivermos tudo ou quase tudo, teremos ganho. Esse é o Sonho Americano.
O Sonho Americano, na verdade, é o Pesadelo Americano.
O Sonho confunde o quanto uma coisa vale no mercado do mundo visível com o que ela significa no mundo invisível da alma. Baseia-se, portanto, numa ideia completamente errônea acerca da vida. A essência da vida – seus pulmões, seu coração, sua alma – está no mundo invisível, no mundo espiritual. O Sonho Americano lida com valores materiais, ao passo que a vida depende dos significados espirituais. É por isso que tantas pessoas que galgaram os cumes da realização material e do sucesso pessoal continuam vazias, desesperadas e sem alma. Quando o valor de uma coisa não se origina no mundo invisível da alma, essa coisa não tem significado e, por isso, não pode nos alimentar, não pode encher a barriga faminta do nosso ser.
Em 1941, Victor Ganz comprou a tela O Sonho, de Pablo Picasso, por sete mil dólares. Em 1997, vendeu-a por 48,4 milhões de dólares. O valor da tela aumentou de maneira inacreditável.
Esse valor, porém, não tem absolutamente nada que ver com o significado.
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Se olharmos para a nossa sociedade "baixando o volume", vamos ver que ganhar dinheiro é a coisa que ela valoriza acima de todas as outras. Nós amamos, admiramos e festejamos o lucro fácil. É verdade que nossa sociedade também exalta outros valores, mas nenhum deles é tão predominante quanto o amor pelo dinheiro. Nosso amor desordenado pelo dinheiro é totalmente desvinculado dos significados do mundo invisível da nossa alma.
O dinheiro pode ser um escravo ou um senhor, um meio ou um fim. No Sonho Americano, ele é o senhor. Ganhar dinheiro tornou-se um fim em si mesmo, especialmente em certos setores, como os meios de comunicação, os esportes e as diversões, que lucram com o vício que as pessoas infelizmente alimentam em relação aos produtos e serviços insignificantes que eles nos vendem.
Os líderes de verdade sabem que o dinheiro é um meio e não um fim. Ganham dinheiro para atender às necessidades da alma, e ganham dinheiro atendendo às necessidades verdadeiras das pessoas, não às necessidades falsas inventadas e divulgadas pelos seus próprios departamentos de marketing.
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"Baixar o volume" para possibilitar nos tornarmos capazes de perceber os valores que esta insana sociedade tem de fato, e que em decorrência de tal percepção nos tornemos capazes de deixar de permitir que pesadelos continuem nos sendo vendidos como sonhos, eis uma extraordinária técnica que, no meu entender, podemos (ou seria devemos?) aprender a partir da leitura do excelente texto de Robert Rabbin. Mas será que o aprendizado se restringe a isso ou há mais o que aprender a partir de reflexões sobre o que nos diz Rabbin?

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