"Quando jornalistas e dirigentes políticos se dão ao trabalho de evocar os países de saída, é tão somente para distinguir os 'refugiados', que deixaram um Estado em guerra e mereceriam certa atenção, dos 'imigrantes', cujas motivações econômicas não bastariam para justificar a hospitalidade.", diz Benoit Bréville, diretor do Le Monde Diplomatique.
"Se as pessoas não são qualificadas para o asilo, como constatamos no atual momento para certas nacionalidades (é o caso dos costa-marfinenses, dos gambianos, dos senegaleses, dos tunisianos), [...] é preciso evidentemente enviá-los de volta a seu país", explicava nesses termos o ministro francês do Interior, Gérald Darmanin."
Ao fazer a afirmação acima, o ministro francês leva-me a indagar o que são "pessoas não qualificadas para o asilo". Indagação que, recorrendo a um trecho do texto de Bréville, respondo assim: são pessoas não qualificadas "para preencher a penúria de mão de obra e compensar o envelhecimento da população na Europa". Não, a intenção dos países europeus não é oferecer ajuda a pessoas não qualificadas, e sim receber ajuda de pessoas por eles qualificadas para solucionarem seus problemas de "penúria de mão de obra" como se pode deduzir a partir da leitura do seguinte trecho do texto de Bréville:
"A França importa médicos senegaleses; a Itália faz apelo a operários da construção civil argelinos e costa-marfinenses; a Espanha recorre a trabalhadores sazonais marroquinos na agricultura e no turismo. A Alemanha, por sua vez, anunciou recentemente a abertura de cinco centros de recrutamento para trabalhadores altamente qualificados em Gana, no Marrocos, na Tunísia, no Egito e na Nigéria. Desse modo, analisa o sociólogo Aly Tandian, os países de origem cumprem a função de 'incubadoras onde nascem, são educados e formados os especialistas, antes de partirem para outros destinos'.".
"Incubadoras onde nascem, são educados e formados os especialistas, antes de partirem para outros destinos". Ou seja, incubadoras africanas onde pessoas são qualificadas para "preencher a penúria de mão de obra e compensar o envelhecimento da população na Europa."
Sim, como diz Bréville, "Vistas da África, as políticas europeias brilham de tanta hipocrisia". Hipocrisia expressa pelos "termos tão vagos usados pela mídia para formular as razões que podem levar um senegalês a abandonar seu país - "fugir da miséria", "encontrar um futuro melhor" -, pois, segundo o diretor do Le Monde Diplomatique:
"No Senegal, essas palavras remetem a uma realidade tangível: aquela dos tratados de pesca que autorizam europeus e chineses a varrer os oceanos com seus barcos de arrastão, capazes de trazer, em uma única viagem, o que uma embarcação local recolhe em um ano; a da apropriação de terras, com seu cortejo de investidores estrangeiros que expulsam camponeses para melhor favorecer produtos de alto rendimento em detrimento de cultivos de subsistência - o amendoim em vez do sorgo e do milhete."
"Ao chegar a Lampedusa, encontram as portas fechadas. No mesmo momento, nas emissoras de televisão e de rádio do Senegal, a região italiana do Piemonte veicula um clipe em wolof: 'Querer uma vida boa não deve levá-lo se sacrificar. A vida é preciosa, o mar é perigoso'. E o cinismo europeu é mortífero.", diz Bréville.