terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Reflexões provocadas por "Laboratório de humanidades"

"Uma vez perguntaram ao grande cartunista Chuck Jones por que ele desenhava bichos em vez de gente. Jones respondeu que era mais fácil humanizar animais do que humanizar humanos."

  (Chuck Jones, cartunista autor do Pernalonga, entre outros clássicos do desenho animado americano)
"A dermatologista Enilde Borges Costa acredita que a obediência a um conjunto de 'regrinhas' não garante o cuidado integral de um paciente. 'É preciso conquistar um olhar humanizado, que se torne um traço da personalidade do médico em todos os momentos, também fora do hospital', afirma Enilde. 'Não é simples, mas o laboratório me ajuda a conquistar esse olhar', completa.".
Extraído da excelente reportagem de Alexandre Gonçalves, o parágrafo anterior apresenta uma crença da dermatologista Enilde Borges com a qual não só concordo plenamente, como também estendo sua abrangência dizendo o seguinte: "Não é só o cuidado integral de um paciente que não é garantido pela obediência a um conjunto de 'regrinhas', e sim qualquer outro cuidado integral. Não, não são apenas os médicos que precisam conquistar um olhar humanizado que se torne um traço da personalidade em todos os momentos e em todos os lugares em que estiverem, e sim todos os integrantes deste planeta, independentemente, da profissão que exerçam e / ou do papel que desempenhem. Sim, como diz a dermatologista, a conquista de um olhar humanizado não é simples e, segundo ela, é o laboratório que a ajuda a conquistá-lo. Mas que laboratório é esse ao qual a dermatologista se refere?
"É uma experiência de encontro com a força humanizadora da literatura", afirma o historiador Rafael Ruiz Gonzáles, um dos idealizadores do encontro. Um encontro onde, "após a leitura de uma obra de literatura universal, médicos, universitários, pós-graduandos, psicólogos, fonoaudiólogos e até funcionários administrativos investigam sentimentos, projetos e reflexões dos personagens", diz Alexandre Gonçalves. Um encontro em que "As experiências lá realizadas envolvem a afetividade e a sensibilidade dos participantes", afirma Dante Marcello Claramonte Gallian, diretor do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Unifesp. Um encontro que recebeu o nome laboratório de humanidades.
"É preciso conquistar um olhar humanizado, que se torne um traço da personalidade do médico em todos os momentos, também fora do hospital", afirma Enilde. Não, a conquista de um olhar humanizado não é uma necessidade apenas de médicos, mas também de todos os integrantes deste planeta. Sim, é preciso conquistar um olhar humanizado que possibilite à autodenominada espécie inteligente do universo mudar para melhor o mundo em que vive. A postagem publicada em 24 de agosto de 2020 tem o sugestivo título Mudar o mundo é mudar o olhar (I). Sim, mudar o mundo requer um olhar humanizado.
"'É uma experiência de encontro com a força humanizadora da literatura', afirma o historiador Rafael Ruiz Gonzáles, um dos idealizadores do encontro. (...) 'Como uma vida é curta para experimentar todas as situações possíveis, os participantes do encontro pegam emprestado os dramas de D. Quixote, Frodo, Brás Cubas, Alice, Raskólnikov e outras figuras literárias conhecidas'."
Figuras literárias conhecidas que, na condição de conhecedores da alma humana, colocaram em suas personagens "sentimentos, projetos e reflexões" que, ao propiciarem aos seus leitores a oportunidade da descoberta do que há no interior do homem (de bom e de ruim), podem levá-los a (descartando o que há de ruim e praticando o que há de bom), algum dia, tornarem-se seres humanos.
"Por que a bondade e o egoísmo estão misturados nas pessoas?", eis uma questão que Alexandre Gonçalves relata ter surgido naturalmente durante um encontro em que MacBeth, de Skakespeare, serviu como motor da discussão. Eis um exemplo que surgiu naturalmente nesta postagem como um exemplo do que há de bom e de ruim no interior do homem.
"Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres", diz Simone de Beauvoir. "Os antigos afirmavam que o ser humano ainda não nasceu; estamos sendo uma possibilidade. Segundo eles, dependendo do que fizermos, em algum momento justo do caminho, poderemos nos tornar seres humanos plenos", diz Roberto Crema. Ou seja, "Não nascemos humanos, tornamo-nos humanos".
As regras para Ser Humano, publicada em 08 de setembro de 2011. A Humana Idade, publicada em 12 de setembro de 2011. Eis duas postagens que, no meu entender, vale a pena ler.
"Na Unifesp, há muitas pesquisas de ponta", comenta Gonzáles. "As pessoas experimentam muitas vezes os limites da técnica. Talvez por isso sintam uma necessidade tão grande de reflexões como essas".
A leitura do comentário de Gonzáles, um dos idealizadores do laboratório de humanidades, provoca-me dois sentimentos contraditórios: satisfação e decepção. Satisfação por saber que existem pessoas que, participando de pesquisas de ponta, conseguem perceber que a técnica tem seus limites. Percepção que talvez as tornem aptas a concordar com as palavras de Charles Chaplin que epigrafam a postagem anterior. "Mais do que de máquinas (técnica), precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido." Decepção por saber que, infelizmente, nem todos que participam de pesquisas de ponta, são capazes de tal percepção.
"Literatura aprimora formação de médicos", diz o título da reportagem que provocou estas reflexões. Reflexões que seguem com um trecho de uma entrevista publicada na edição de 09 de junho de 2013 do jornal O Globo com o título 'Temos que voltar à medicina antiga'. Entrevista na qual Luiz Roberto Londres, poeta, filósofo, escritor e acima de tudo médico, diz o seguinte: "A medicina tem três mil anos, a ciência tem 500 anos. Então, querer reduzir a medicina à ciência e à alopatia é desfigurá-la". Ou seja, embora seja algo extremamente útil, a técnica é algo que situa-se abaixo da medicina.
"No último semestre, o laboratório de humanidades foi reconhecido como disciplina da pós-graduação, mas continua aberto para qualquer aluno, até mesmo para quem não trabalha ou estuda na Unifesp.".
Encerrando a excelente reportagem de Alexandre Gonçalves o parágrafo anterior leva-me a encerrar esta postagem com as três indagações que compõem o próximo parágrafo.
Quando o laboratório de humanidades será reconhecido como uma prática que precisa ser reproduzida em outros lugares além da Unifesp? Quando o laboratório de humanidades será reconhecido como algo capaz de ajudar pessoas a tornarem-se seres humanos? Quando poderemos dizer que Chuck Jones estava equivocado na resposta que epigrafa esta postagem?

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