"Mais do
que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos
de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será
perdido."
(Charles
Chaplin, em "O último discurso", no filme "O grande
ditador", em 1940)
Nestes
tempos em que uma pandemia traz à tona a relevância dos profissionais da área
de saúde (seria mais correto usar a expressão área de doença?), a busca de
alguma ideia que tenha algo a ver com tais profissionais levou-me a encontrar,
nos meus guardados, uma reportagem de Alexandre Gonçalves publicada na edição
de 25 de outubro de 2009 do jornal O
Estado de S. Paulo sob o título "Literatura
aprimora formação de médicos". Para intitular a postagem, escolhi uma
expressão que grifei na reportagem.
Literatura aprimora formação de médicos
Laboratório da Unifesp usa
livros para despertar "olhar
humanizado"
Como se posicionar diante da dor? O que é
arrependimento? Questões assim reúnem um grupo de 30 profissionais de saúde
todas as sextas-feiras na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Uma obra de literatura universal, lida
previamente por todos os alunos, dá a pauta dos diálogos. Médicos,
universitários, pós-graduandos, psicólogos, fonoaudiólogos e até funcionários
administrativos investigam sentimentos, projetos e reflexões dos personagens.
Os participantes organizam uma roda e todos
podem falar. O encontro já recebeu um nome: laboratório de humanidades. "As experiências realizadas aqui envolvem a
afetividade e a sensibilidade dos participantes", afirma Dante Marcello
Claramonte Gallian, diretor do Centro de História e Filosofia das Ciências da
Saúde da Unifesp e principal responsável pelo laboratório.
"É uma experiência de encontro com a
força humanizadora da literatura", afirma o historiador Rafael Ruiz
Gonzáles, um dos idealizadores do encontro. Livros tão diferentes como O Senhor dos Anéis, Primeiras Estórias, O
Apanhador no Campo de Centeio e Odisséia
já instigaram discussões no grupo.
A dermatologista Enilde Borges Costa acredita
que a obediência a um conjunto de "regrinhas" não garante o cuidado
integral de um paciente. "É preciso conquistar um olhar humanizado, que se
torne um traço da personalidade do médico em todos os momentos, também fora do
hospital", afirma Enilde. "Não é simples, mas o laboratório me ajuda
a conquistar esse olhar", completa.
Como
uma vida é curta para experimentar todas as situações possíveis, os
participantes do encontro pegam emprestado os dramas de D. Quixote, Frodo, Brás
Cubas, Alice, Raskólnikov e outras figuras literárias conhecidas.
Na
última sexta-feira, MacBeth, de
Skakespeare, serviu como motor da discussão que dura, no máximo uma hora e
meia, sempre no período do almoço. A perversão e os remorsos do protagonista –
um nobre que assassina o rei e usurpa seu trono – intrigaram os participantes.
Realismo
Surgiu
naturalmente uma questão: porque
a bondade e o egoísmo estão misturados nas pessoas? A pergunta, aparentemente tão abstrata,
ganhou contornos de um realismo perturbador quando uma médica recordou o
sofrimento concreto de uma paciente.
Idosa, a paciente infernizava seus
cuidadores. Depois de muita conversa, a médica descobriu o segredo de um
temperamento tão difícil. Quando ficou viúva, a paciente descobriu que o
marido, um imigrante europeu, servira como oficial da Gestapo, a polícia
secreta de Adolf Hitler. A senhora sofria ao pensar que o pai de seus filhos,
durante a juventude, cometera crimes a serviço de um Estado perverso. A
complexidade de MacBeth ganhou um rosto e exigiu uma resposta inesperada da
profissional de saúde.
"Na Unifesp, há muitas pesquisas de
ponta", comenta Gonzáles. "As pessoas experimentam muitas vezes os
limites da técnica. Talvez por isso sintam uma necessidade tão grande de
reflexões como essas".
A mestranda Maria Sharmila Alina de Sousa estuda
marcadores genéticos para tumores. Consciente das inúmeras implicações morais
dos testes mais avançados – que revelam qual é a chance de uma pessoa
desenvolver a doença -, pretende fazer um doutorado em bioética. É uma
freqüentadora assídua dos encontros.
Encontros viraram disciplina de
pós-graduação na universidade
No último semestre, o laboratório de
humanidades foi reconhecido como disciplina da pós-graduação, mas continua
aberto para qualquer aluno, até mesmo para quem não trabalha ou estuda na Unifesp.
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"Literatura aprimora formação de médicos",
diz o título da reportagem. "O laboratório de humanidades foi reconhecido
como disciplina da pós-graduação, mas continua aberto para qualquer aluno, até
mesmo para quem não trabalha ou estuda na Unifesp.", diz a frase final da
reportagem. O que é dito entre o título e a frase final da reportagem deve dar o
que pensar a qualquer pessoa, até mesmo para quem não seja médico nem trabalhe
ou estude na Unifesp, diz a frase final desta postagem.
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