quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Sabato e o homem sensível

 "Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. É a sua sensibilidade."

(Autor não identificado)
Após uma postagem espalhando um artigo do biólogo Fernando Reinach que evidencia a nocividade do homem indiferente, segue uma espalhando um texto do jornalista, escritor e crítico literário José Castello que evidencia a imprescindibilidade do ressurgimento do homem sensível. O texto foi extraído da edição de novembro de 2015 do jornal RascunhoO jornal de literatura do Brasil.
Sabato e o homem sensível
Tema que sempre ressurge nos debates literários contemporâneos, os efeitos do avanço tecnológico sobre a literatura e sobre o mundo foram avaliados, com grande sensibilidade, pelo escritor argentino Ernesto Sabato em uma entrevista concedida ao mensário Prioridad, de Buenos Aires, no longínquo ano de 1974. Quarenta e um anos depois, suas palavras - intactas e fortes - me chegam em Medio siglo con Sabato, livro organizado por Julia Constenla para a editora Javier Vergara, de Barcelona. E chegam vivas, com uma assombrosa atualidade. Comprovando que Sabato - falecido em 2011, às vésperas de completar 100 anos - foi não só um grande escritor, mas também um sutil vidente.
"O homem novo terá de nascer de uma revalorização da ciência e da técnica", afirma Sabato em seu depoimento. Mas como se daria essa nova valorização?  Usando uma metáfora banal, a da geladeira - símbolo dos eletrodomésticos que tanto fascinaram os anos 1970 -, Sabato que além de escritor foi também doutor em física, responde: "Devemos colocá-las no lugar que lhe corresponde. Eu não digo que se tenha que aniquilá-las; se trata de tirar a geladeira do altar em que a colocaram como uma espécie de deus laico e simplesmente transportá-la de volta para a cozinha". Pensava Sabato que o homem deve revalorizar, assim, seus aspectos concretos - a vida cotidiana, as emoções, o diálogo caloroso, a intimidade - "que foram abandonados por esta civilização racionalista". A razão e seus produtos - a ciência, a técnica - engrandecem o homem, mas também dele arrancam algumas características cruciais. É preciso dosar a razão. Ela não pode estar à frente: quem deve continuar no comando é o próprio homem.
Distingue Sabato: "O homem não é feito só de razão pura, mas também de instintos, de sentimentos, de emoções. É preciso reivindicar esse homem instintivo e emocional que foi proscrito por uma civilização racionalista". Para o escritor argentino, esse desterro do homem sensível levou a humanidade a uma "catástrofe espiritual". Em uma sociedade que privilegia a técnica, posso me arriscar a pensar quase meio século depois, o mesmo risco de desastre espiritual nos ameaça. Talvez ainda maior. Hoje, toda uma geração se forma sob o fascínio - talvez seja melhor dizer: o hipnotismo - da técnica veloz e da visão horizontal. O homem se joga todo para fora. Transforma-se, cada vez mais, em efeito, resultados e superfície. Nesse mundo rasteiro, como pensar na literatura, que exige introspecção, solidão e um lento voo para dentro?
Retomo a metáfora da geladeira que Sabato me ofereceu. Nesse mundo gelado - sem nervos, sem instinto, que é objetividade pura -, abre-se o espaço para a resistência dos homens de coração quente. Para a resistência dos homens sensíveis. A arte é um dos veículos disponíveis para isso. A literatura, entre eles, se destaca - até porque, no limite, para existir (para resistir) ela nada mais exige do que um lápis e uma folha de papel. As palavras de Ernesto Sabato resistem também, atravessaram um século e continuam a ecoar com força, porque correspondem a algo que é inerente ao humano. Nos longínquos anos 1970, era como se Sabato examinasse nosso século 21. Por isso vale a pena lê-lo. Vale a pena não se esquecer de Ernesto Sabato.
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"O homem novo terá de nascer de uma revalorização da ciência e da técnica", afirma Sabato em seu depoimento. (...) Pensava Sabato que o homem deve revalorizar, assim, seus aspectos concretos - a vida cotidiana, as emoções, o diálogo caloroso, a intimidade - "que foram abandonados por esta civilização racionalista". A razão e seus produtos - a ciência, a técnica - engrandecem o homem, mas também dele arrancam algumas características cruciais. É preciso dosar a razão. Ela não pode estar à frente: quem deve continuar no comando é o próprio homem.
E ao falar que a razão não pode estar à frente, Sabato faz-me lembrar as seguintes palavras de Eduardo Marinho:
"A minha razão eu subalternizei ao sentimento. É o sentimento que decide. A razão arruma um jeito de fazer o que o sentimento decidiu. A razão não tem poder de decisão. Ela sozinha fica psicopática. A razão construiu esse mundo em que a gente vive. A razão explica que a pobreza é necessária. A razão dos grandes cria a miséria para pressionar os trabalhadores a aceitarem qualquer condição de trabalho, com medo de ir para a miséria. O sentimento jamais permitiria existirem pessoas abandonadas num mundo que tem plenas condições de atender a todo mundo. De produção, de distribuição, de tecnologia, de conhecimento. O mundo tem todas as condições de não ter um miserável, mas a razão implantada convence as pessoas de que isso é assim mesmo, que não tem jeito."
Palavras que podem ser ouvidas nos três minutos finais do vídeo que encontrei no seguinte endereço https://www.youtube.com/watch?v=I7arqW5luKc&feature=youtu.be&t=46m41s.
"A sociedade é comandada pela razão, e não pelo sentimento. A razão foi imposta como a melhor coisa que o ser humano tem, quando na verdade é o sentimento, não é a razão.", diz Eduardo Marinho em um vídeo que encontrei no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=LtrFgT5gH0A.
"O homem novo terá de nascer de uma revalorização da ciência e da técnica", afirma Sabato em seu depoimento. (...) "Devemos colocá-las (a ciência e a técnica) no lugar que lhe corresponde." (...) "Tirá-las do altar em que as colocaram como uma espécie de deus laico e simplesmente transportá-las de volta para o lugar que lhes corresponde", afirma Sabato.
"Tirar a ciência e a técnica do altar em que as colocaram como uma espécie de deus laico e simplesmente transportá-las de volta para o lugar que lhes corresponde", pois como afirma Alexis Carrel (1873-1944), cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo francês que, em 1912, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia: "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem."
"Colocar a técnica e a ciência no lugar que lhes corresponde" para evitar que ocorra algo que Albert Einstein (1879-1955), físico alemão naturalizado norte-americano dizia temer. "Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então o mundo terá uma geração de idiotas".
"Hoje, toda uma geração se forma sob o fascínio - talvez seja melhor dizer: o hipnotismo - da técnica veloz e da visão horizontal. O homem se joga todo para fora. Transforma-se, cada vez mais, em efeito, resultados e superfície.", diz José Castello. Será que o temor de Einstein foi tornado realidade?
"As palavras de Ernesto Sabato atravessaram um século e continuam a ecoar com força, porque correspondem a algo que é inerente ao humano.", diz José Castello. E ao atravessarem um século e continuarem a ecoar com força, as palavras de Ernesto Sabato são uma verdadeira novidade, digo eu, à luz da afirmação feita no tag reproduzido a seguir.
 

E sendo uma verdadeira novidade quem sabe algum dia as palavras de Sabato conseguirão levar o homem a almejar o retorno da sensibilidade "proscrita por uma civilização racionalista".
"Nos longínquos anos 1970, era como se Sabato examinasse nosso século 21. Por isso vale a pena lê-lo. Vale a pena não se esquecer de Ernesto Sabato.", eis como José Castello termina seu excelente texto. E eis como eu termino esta postagem por ele provocada.

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