Sob o
título Ken
Loach expõe a nova precarização do trabalho, a postagem publicada em 28
de maio de 2019 apresenta uma reportagem de Carlos Helí de Almeida, publicada
na edição de 18 de maio de 2019 do jornal O Globo. Reportagem que
focaliza o filme "Sorry we missed you" com o qual o diretor britânico
Ken Loach, 83 anos, concorreu (sem êxito) a sua terceira Palma de Ouro no
Festival de Cannes.
Cinco meses depois, após
"acabar de sair de um cinema de Paris, onde assistiu a 'Sorry we missed
you'", a jornalista Ruth de Aquino redigiu um artigo posteriormente
publicado na edição de 25 de outubro de 2019 do jornal O Globo, em sua coluna semanal. "O filme mostra uma realidade
que, segundo Loach, todo mundo conhece, mas evita comentar.", diz Ruth. Esta
postagem mostra um artigo que nem todo mundo conhece, mas que todos deveriam
comentar, digo eu.
"Loach é neorrealista e
seus filmes nada têm de ficção. 'Sorry we missed you' torna o cotidiano um
suspense. Qualquer tragédia pode acontecer.", diz Ruth de Aquino. Aos 83
anos, Loach é imprescindível, segundo o "critério" expresso nas
seguintes palavras de (Bertolt Brecht [1898 – 1956], dramaturgo, poeta e
encenador alemão): "Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que
lutam um ano e são melhores; há os que lutam muitos anos e são muito bons, mas
há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.", digo eu.
A uberização de nossas vidas
Uma vantagem de estar longe do
Brasil, a um oceano de distância, é não precisar escrever sobre "a fábula
da porca e do veado". Acabo de sair de um cinema em Paris, onde assisti
"Sorry we missed you", o filme mais recente do diretor britânico Ken
Loach, 83 anos. Um soco no estômago.
A história se passa em
Newcastle, na Inglaterra. Mas poderia ser em qualquer lugar. É sobre a
uberização de nossas vidas, a precariedade de nossas relações de trabalho, a
ilusão da informalidade como panaceia para o desemprego. Ah, não quero patrão,
eu mesmo serei meu patrão, serei colaborador. O patrão passa a ser um
algoritmo, o controle passa a ser no celular. Dias de 14 horas de trabalho, sem
folga. Com o sofrimento e a ausência de pai e mãe, a família se desagrega.
O filme mostra uma realidade
que, segundo Loach, todo mundo conhece, mas evita comentar. Ricky Turner,
ruivo, forte e tatuado, orgulha-se de jamais ter ficado desempregado. Mas não
consegue economizar e quer o melhor para sua mulher, Abby, cuidadora de idosos,
e para os filhos, Lisa, de 11 anos, e Seb, adolescente que falta às aulas para
grafitar nas ruas. Ricky resolve então ser entregador para plataformas digitais.
O filme não cita a Amazon. Mas Loach faz a associação em entrevistas.
Ricky cai na conversa de que
será emancipado. Deixará de ser mero empregado numa empresa, dirigirá seu
próprio caminhão e fará entregas para a companhia PDF (Parcels Delivered Fast).
Não receberá salários, mas "fees" – uma remuneração semanal com base
em sua produtividade. Ricky contrai dívidas para comprar uma van, faz a mulher
vender seu carro e se torna escravo das entregas.
Fica abandonado a riscos e
multas. Um aparelho de scanner não segue apenas os pacotes. Segue ele próprio e
começa a apitar quando Ricky se afasta da van por dois minutos. Ele urina numa
garrafa de plástico que fica na mala, para não perder tempo. Está livre para
trabalhar até dormir ao volante, mas não para tirar folga por doença, estresse
ou problema familiar.
Na garagem da PDF, ele não
encontra colegas de trabalho. E sim competidores. Todos disputando a máxima
produtividade, as metas, o maior número de pacotes entregues. A competição se
torna doentia. Não há mais RH e sim, RD, Recursos Desumanos. Loach é
neorrealista e seus filmes nada têm de ficção. "Sorry we missed you"
torna o cotidiano um suspense. Qualquer tragédia pode acontecer.
Ninguém precisa ser de direita
ou de esquerda para saber que o trabalho enobrece o ser humano. O Brasil tem
mais de 13 milhões de desempregados. Vemos filas quilométricas em busca de
trabalho. Todos suam para faturar algo. Quem ainda não encontrou, entre os
motoristas de táxis de aplicativos, engenheiros, economistas, sociólogos,
jornalistas formados? Não era assim. Aos 19 anos, na universidade e trabalhando
meio expediente como repórter, meu salário era suficiente para alugar um
conjugado na Zona Sul e viver sem o dinheiro de meus pais.
Vemos os deputados, os
senadores, os juízes do Supremo aprovando aumentos e privilégios para si
mesmos, os filhos do presidente acusados de maracutaias jamais investigadas a
fundo, os cargos-fantasma no Congresso. Talvez por isso, hoje, nossos filhos no
Brasil desconfiem do ultraliberalismo. Um sistema não pode beneficiar apenas
quem é ultrarrico ou ultrapoderoso, não pode aprofundar a desigualdade. Ken
Loach filma a derrota dos honestos e sonhadores. É um filme pessimista.
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"É um
filme pessimista." diz Ruth de Aquino na frase final de seu excelente artigo.
Um filme produzido por alguém sobre quem ela tem a seguinte opinião: "Loach
é neorrealista e seus filmes nada têm de ficção.". "'Sorry we missed
you' torna o cotidiano um suspense. Qualquer tragédia pode acontecer.",
diz Ruth que também diz o seguinte: "O filme mostra uma realidade que,
segundo Loach, todo mundo conhece, mas evita comentar.".
E após essas
afirmações de Ruth de Aquino, termino esta postagem com uma indagação: Será que
faz sentido evitar comentar tal realidade?
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