Neste momento em que o
tipo de filme que lota salas de cinema e proporciona quebra de recordes de
bilheteria expõe a nova fascinação do entretenimento - a vida dos super-heróis
-, este blog espalha uma reportagem que focaliza um filme que, segundo o autor
da reportagem, "expõe a nova precarização do trabalho", algo que
afeta, tremendamente, a vida das pessoas comuns. Considerando que a maioria de
nós não pertence à categoria dos super-heróis, creio que interessar-se pela
leitura da reportagem de Carlos Helí de Almeida, publicada na edição de 18 de
maio de 2019 do jornal O Globo, seja
uma boa ideia.
Ken Loach expõe a nova precarização do
trabalho
Palma de Ouro em 2016
com 'Eu,
Daniel Blake', cineasta inglês mergulha
na vida de um entregador autônomo com 'Sorry we missed you': 'Hoje o trabalhador assume todos os riscos e
se autoexplora', diz ele
Até então assombrada
por distopias sobre zumbis ("Os mortos não morrem", de Jim Jarmusch),
jagunços futuristas ("Bacurau", de Kleber Mendonça Filho e Juliano
Dornelles) e almas penadas de operários africanos ("Atlantique", de
Mati Diop), a competição do 72º Festival de Cannes saiu do modo cinema
fantástico para encarar o drama sem artifícios alegóricos de "Sorry we
missed you", de Ken Loach. Exibido em sessão de gala no final da noite de
quinta-feira, o filme é um exemplar genuíno de realismo social do cineasta
britânico, conhecido por seu histórico de tramas que tentam dar conta de
questões urgentes de seu tempo.
Desta vez, o autor de "Meu
nome é Joe" (1996), que disputa sua terceira Palma de Ouro, foi atrás dos
estragos da chamada "gig economy", ou seja, a do trabalho temporário
sem vínculos empregatícios, na harmonia e na saúde da família britânica.
Escrito por Paul
Laverty, antigo colaborador de Loach, "Sorry we missed you" descreve
as consequências da entrada de Ricky (Kris Hitchen), um trabalhador de
Newcastle que perdeu casa e emprego após a crise econômica de 2008, numa
empresa de entrega de encomendas que não assina contrato com seus "sócios".
METAS QUASE IMPOSSÍVEIS
Pela nova ordem do
empreendedorismo liberal, Ricky tem que comprar a própria van, trabalhar 12 horas
por dia e seis dias por semana em troca de um cachê e um pacote de metas quase
impossíveis de serem alcançadas. Logo a pesada carga horária e estressante
ritmo de trabalho na companhia começam a pesar sobre a família: o filho
adolescente rebela-se, a mais nova perde o sono, sobrecarregando também a
mulher (Abbie Turner), enfermeira que cuida de idosos e inválidos no mesmo
esquema de trabalho.
Loach retorna ao
ambiente de "Eu, Daniel Blake", que trata de um operário que luta
contra a burocracia do governo para receber o seguro-desemprego, desta vez
investigando as novas formas de exploração do trabalho.
- O conceito de
trabalho assalariado tem mudado muito desde a minha juventude – lembrou o
veterano realizador de 82 anos, durante encontro com a imprensa no final da
manhã de ontem. – Naquela época, nos diziam que se você tivesse uma habilidade
e uma profissão, teria emprego para sempre e condição de sustentar uma família
com o seu salário. Recentemente, houve mudanças sérias nas condições de
trabalho, e as pessoas agora enfrentam a insegurança de empregos sem contratos
formais, atuando por intermédio de agências. E há gente como Ricky, que
trabalha por conta própria, em um sistema em que o trabalhador assume todos os
riscos e se autoexplora.
O roteirista Paul
Laverty construiu o roteiro de "Sorry we missed you" a partir de
entrevistas com trabalhadores temporários de Newcastle, cidade ao Norte da
Inglaterra onde o diretor rodou seu "Eu, Daniel Blake", vencedor da
Palma de Ouro em Cannes. O título do filme é uma referência à mensagem dos
cartões padronizados deixados pelos entregadores nos endereços dos clientes
ausentes: "Desculpe por não tê-lo encontrado" (em tradução livre).
- Newcastle é um lugar
com características próprias e fortes, tem uma história de luta. Tem um passado
de mineração e construção naval, indústrias que morreram e não foram
substituídas. É uma cidade com população vulnerável, mas que tem lutado para
permanecer nela. Ela funciona como um microcosmo da Grã-Bretanha – observou
Loach, que acompanhou de perto o desenvolvimento do roteiro. – Enquanto
pesquisava e escrevia, Paul me disse que filtraria os relatos a partir do modo
como a relação com o trabalho afetava o cotidiano de uma família típica do lugar.
A partir daí, ele esboçou os personagens centrais.
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"Sorry we missed you" ("Desculpe por não tê-lo encontrado" [em tradução livre]) descreve as consequências da entrada de Ricky, um trabalhador de Newcastle que perdeu casa e emprego após a crise econômica de 2008, numa empresa de entrega de encomendas que não assina contrato com seus "sócios". (...) E há gente como Ricky, que trabalha por conta própria, em um sistema em que o trabalhador assume todos os riscos e se autoexplora.
Uma empresa de entrega de encomendas que não assina
contrato com seus "sócios". (...) Gente que trabalha por conta
própria, em um sistema em assume todos os riscos e se autoexplora.
Será que faz algum
sentido chamar essa coisa em que sobrevivemos de sociedade? Será que faz algum
sentido esperar que algum super-herói nos tire da encrenca em que estamos
metidos? Ou será que, por mais que não queiramos acreditar em tal coisa,
livrar-se de qualquer encrenca em que se esteja metido é algo que jamais será
possível sem a participação dos que nela estejam metidos?
Não, ao contrário dos
filmes de super-heróis o filme que "expõe a nova precarização do trabalho", ou seja, o filme dos
super-ferrados, será exibido em uma reduzida quantidade de salas de cinema,
durante um curto período e sem a estrondosa divulgação daqueles. Portanto, aos
que desejarem assisti-lo, sugiro que fiquem atentos à programação cinematográfica
de sua região.
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