Continuação de quarta-feira
Suas Qualidades
Minha experiência com estes indivíduos me leva a
encontrar traços comuns entre eles. Talvez nenhuma pessoa individualmente
possua todas estas qualidades, mas acredito que a habilidade para viver neste
mundo completamente revolucionado de amanhã é marcada por certas
características. Vou descrever resumidamente algumas destas, tal como as tenho
visto e experienciado.
Vivem numa relação confortável com a natureza, um
parentesco responsável. A idéia de "conquista da natureza" é um
conceito a que são avessos.
Vêem que poder sobre os outros é simplesmente uma outra
forma de conquista, igualmente inaceitável e a que são igualmente avessos. O
objetivo delas é potencializar a cada indivíduo, compartilhar o poder em
empreendimentos comuns.
Experienciam sua relação com os outros como parte de sua
relação com a natureza. Esta relação fundamenta a construção de comunidades em
uma escala humana, o seu flexível modo de lidar com problemas comuns.
Não gostam de viver em um mundo compartimentalizado –
corpo e mente, saúde e doença, intelecto e sentimento, ciência e senso comum,
indivíduo e grupo, sadio e insano, trabalho e divertimento. Em lugar disto,
empenham-se no sentido de uma totalidade de vida, experienciando o pensamento,
o sentimento, a energia física, a energia psíquica, a energia curadora, todos,
de uma forma integrada.
Estes indivíduos são fundamentalmente indiferentes a
posses materiais, confortos e recompensas. Dinheiro e símbolos de status material não são objetivos deles.
Podem viver em abundância, mas de nenhuma forma isto lhes é necessário.
São pessoas que buscam, e seu questionamento é de uma
natureza essencialmente espiritual. Estão conscientes e são influenciados pelos
ritmos mais amplos do universo. Estão familiarizados com os estados alterados
de consciência, com a energia psíquica, com experiências de meditação ou
místicas. Querem encontrar um significado e objetivo na vida que transcenda ao
indivíduo.
Têm uma abertura para o mundo – tanto interior como
exterior. São abertas à experiência, a novos modos de ver, a novos modos de
ser, a novas idéias e conceitos e a um recentemente descoberto mundo de
sentimentos.
Vejo estas pessoas valorizarem a comunicação como meio de
dizerem as coisas como elas são. Rejeitam a hipocrisia, a mentira e a conversa
dúbia de nossa cultura. São abertos, por exemplo, sobre suas relações sexuais,
em vez de manterem uma vida reservada ou dupla.
São interessadas pelos outros, ávidas para serem úteis
quando a necessidade é real. Seu interesse é um interesse suave, não moralista,
não avaliativo. Suspeitam de "pessoas que ajudam" profissionalmente.
Têm uma antipatia por qualquer instituição altamente
estruturada, inflexível, burocrática. Acreditam que a instituição deve existir
para as pessoas, e não o inverso.
Têm uma confiança em sua experiência e uma profunda
descrença pela autoridade externa. Fazem seus próprios julgamentos morais,
mesmo que desobedeçam abertamente a leis que consideram injustas.
Suas vidas são construídas sobre uma filosofia
consistente – uma confiança básica na natureza construtiva do organismo humano,
um respeito pela integridade de cada pessoa, uma crença na idéia de que a
liberdade de escolha é essencial para uma vida plena, uma crença de que a
comunicação harmoniosa entre indivíduos pode ser facilitada, um reconhecimento
de que a experiência de comunidade íntima é essencial a uma boa vida.
Estas são algumas das características que eu vejo nestas
novas pessoas que estão nascendo. Estou bem consciente de que poucos indivíduos
possuem todas estas características, e sei que estou descrevendo uma pequena
porção da população como um todo.
O fato extraordinário é que pessoas com estas
características estarão à vontade em um mundo que consiste somente de energia
em vibração, um mundo sem uma base sólida, um mundo de processo e de mudança,
um mundo em que a mente, no seu sentido mais amplo, tanto está consciente como
cria a nova realidade. Elas serão capazes de viver com as várias mudanças
paradigmáticas.
Podem Sobreviver?
A taxa de mortalidade infantil entre aqueles que são
acentuadamente diferentes de sua cultura, que carregam em si o fermento de uma
revolução do estilo de vida, tem sido alta. Sobreviverão estas novas pessoas?
Elas encontrarão, sem dúvida, muita oposição. Em várias
culturas serão oprimidas e suprimidas de formas diversas. Serão uma ameaça para
o estado burocrático, porque seus valores são diferentes, porque esperam
participar das decisões que as afetam, porque se reservam o direito de fazerem
seus próprios julgamentos morais.
Serão desdenhadas pela maior parte de nossas instituições
educacionais, porque dão aos sentimentos um lugar igual ao que dão ao
intelecto, porque desafiam a tradição e não dão bons conformistas.
Serão um grande quebra-cabeça nos negócios e para as
companhias, porque não podem ser controlados por grandes folhas de pagamento ou
de promoções, e porque para elas as pessoas têm uma maior prioridade do que os
lucros.
Em nossa cultura tecnológica – com sua ênfase em moldar o
homem para que se adapte à máquina, com seus anseios de consumir toda a
natureza, expelindo fora os resíduos tóxicos, sem nenhuma consideração para com
o futuro – elas serão pessoas desajustadas.
Causarão um grande desconforto para aqueles que estão
seguros como donos da verdade. O "verdadeiro crente", quer seja um
dogmático de esquerda ou de direita, não pode aceitar ou compreender a pessoa
que é aberta, que está buscando, que não possui toda a verdade.
Elas amedrontarão a muitos de nós, porque pressagiam
mudança radical, e a possibilidade de mudança gera pessoas raivosas e
amedrontadas.
Não, estas pessoas novas não passarão por um processo
fácil. Sua infância será um tempo de provação e de sofrimento. Mas elas dispõem
de um importante elemento que nutrirá a sua força. E este elemento é o fato de
que elas estão no lado do futuro – podem viver confortavelmente com as
fantásticas mudanças que estão em perspectiva.
A física teórica não será controlada. O biofeedback irá progredir, ai invés de
desaparecer. O conhecimento relativo aos modos de expansão do potencial humano
não desaparecerá. Os novos métodos da ciência não irão se evaporar. Estas
grandes mudanças em nossa percepção do universo vieram para ficar. Elas nos
desafiarão, quer gostemos ou não. Elas nos transformarão. E aqueles que podem
viver estes novos padrões terão uma boa chance de sobrevivência. Se não nos
fizermos explodir, seremos inevitavelmente movidos na direção de um mundo novo
através de nossas atuais perturbações.
Gostaria de colocar o meu sonho – admitidamente um sonho
idealista – relativo ao ponto para onde talvez estejamos nos deslocando. Este
mundo novo será mais humano e humanitário. Explorará e desenvolverá as riquezas
e capacidades da mente e do espírito humanos. Produzirá indivíduos que serão
mais integrados e plenos. Será um mundo que valorizará a pessoa individual, o
maior de nossos recursos. Será um mundo mais natural, com um renovado amor e
respeito pela natureza. Desenvolverá uma ciência mais complexa e humana,
baseada em conceitos novos e menos rígidos. Sua tecnologia objetivará o
engrandecimento das pessoas, ao invés da exploração delas e da natureza.
Liberará a criatividade, à medida que os indivíduos sentirem o seu poder, suas
capacidades, sua liberdade.
Os ventos da mudança científica, social e cultural estão
soprando fortemente. As enormes perturbações da sociedade moderna forçarão uma
transformação para uma ordem nova e mais coerente. E nessa nova ordem parece
crescer uma nova visão do mundo, a relação, um renovado amor pela natureza e
por cada pessoa, uma compreensão da unidade espiritual do universo. Deve ser
um mundo mais humano, com mais lugar para indivíduos que são integrados e
totais. Esta é, pelo menos, minha entusiasmada esperança.
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Por que decidi
espalhar as idéias contidas em Um Novo
Mundo – Uma Nova Pessoa trinta e oito anos após esse extraordinário texto
ter sido publicado? Porque enxergo nele uma capacidade enorme de provocar
reflexões em quem já esteja próximo de perceber a imprescindibilidade de uma mutação de
consciência. "Esta é, pelo menos, minha
entusiasmada esperança.", eis a frase com que Carl Rogers encerra seu
magnífico texto, e que eu pego emprestada para encerrar esta postagem.
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