Sucedendo
uma postagem intitulada Aprendi,
segue Holística,
uma mutação de consciência. De autoria de Roberto Crema, o texto
apresentado nesta postagem foi publicado no final do segundo milênio e nele
consta a seguinte afirmação: "Diante dos cenários atuais, tudo indica que
serão dramáticas e desafiadoras as primeiras décadas do Terceiro Milênio."
Decorridas duas décadas, "Diante dos cenários atuais, tudo indica que está
confirmada a previsão feita por Roberto Crema.".
Quem é Roberto Crema? Antropólogo e psicólogo do Colégio Internacional de
Terapeutas, Roberto Crema é Reitor da Unipaz- Universidade Internacional da Paz.
Na Universidade Holística Internacional de Brasília, implementou o curso de
formação holística de base, além de orientar o curso sobre a Quinta Força:
Terapia da Inteireza. Pioneiro da transdisciplinaridade, Roberto viaja pelo
Brasil e pelo mundo dando cursos e palestras sobre a importância da abordagem
holística.
Tendo interagido com Roberto Crema em alguns seminários que
fiz na Unipaz nos anos finais do milênio passado, tenho sobre ele a seguinte
opinião: trata-se de um autêntico ser humano e um dos indivíduos mais sábios
que encontrei nesta passagem por esta dimensão.
Disto isto, creio que reste-me dizer-lhes que, embora tendo
um tamanho maior do que o preferido por leitores de curto fôlego, vale muito a
pena ler o extraordinário texto de Roberto Crema. Afinal, a pretensão do texto
é provocar uma mutação de consciência.
Holística, uma mutação de
consciência
"Portanto, fiquemos
alerta - alerta em duplo sentido. Desde Auschwitz nós sabemos do que o ser
humano é capaz. Desde Hiroshima nós sabemos o que está em jogo".
(Viktor E. Frankl)
Vivemos um período ao mesmo
tempo aterrador e maravilhoso. É um momento especial de passagem, o parto de um
ciclo onde morte e vida se abraçam num espasmo de dor e plenitude. Brahma,
supremo deus da criação e Shiva, supremo deus da destruição, dançam juntos,
neste instante, ao som da melodia universal que chamamos mutação.
Ao olhar mais atento, Vishnu,
supremo deus da conservação, sorri com os braços abertos para acolher os
aflitos filhos da Vida. Somos todos testemunhas privilegiadas, acordadas ou
não, do nascimento de uma nova idade. A cada momento é possível percebermos um
acréscimo de luz e de consciência à nossa volta, determinando uma espantosa
aceleração de mudanças. A queda do muro de Berlim e a derrocada das ideologias
representam exemplos paradigmáticos da transição conceitual, valorativa e
atitudinal que transcorre nos nossos dias. Diante dos cenários atuais, tudo
indica que serão dramáticas e desafiadoras as primeiras décadas do Terceiro
Milênio.
É preciso escolher entre dois
caminhos: o do dinossauro ou o do mutante. Os resistentes à transmutação,
adeptos da esclerose do passado e do conhecido, novamente serão soterrados,
excluindo-se da nova civilização. Aos mutantes da consciência será destinada a
herança evolutiva da humanidade.
Ser contemporâneo é o imenso
desafio do nosso momento histórico. Viajamos da idade moderna para a
transmoderna, da idade da razão para a idade da consciência no mais amplo
sentido. Nossa tarefa é a de inventar uma nova linguagem, um novo código para o
tempo-espaço do EU SOU.
Na nova idade, todos somos
convocados para a inteireza. O ser mutilado, fragmentado na mente, no coração e
no existir, será removido para o museu do ontem. Apenas os inteiros estarão
preparados para os novos desafios. Por essa razão, o termo-chave é o holístico,
proveniente do grego holos, que significa inteiro, total. A palavra
"holística", pelo desgaste do mau uso e do abuso, poderá ser
substituída. O seu significado, entretanto, permanecerá.
Para melhor compreender este
momento crítico de passagem, voltemos nossa visão, numa rápida olhadela, para o
fecundo século XVII. Nessa ocasião, mediante uma espetacular rebelião da
inteligência, aconteceu, na heurística pensamentosfera européia, o nascimento
impactante da idade moderna ocidental, cujo ocaso estamos presenciando. Como
sempre, foram alguns espíritos rebeldes, sensíveis às contradições da época,
que se insurgiram na criação de uma nova síntese.
Um tributo de reconhecimento é
necessário ser estendido aos traumatizados de todos os tempos. Aos dotados da
capacidade de sentir, na própria carne, a dor coletiva da humanidade ultrajada.
Final da Idade Média, quando o obscuro prevalecia e o poder religioso exercia
uma despótica dominação: a objetividade reprimida pelo cânone
aristotélico-tomista, o imanente esmagado pelo fator tido como transcendente, a
experiência subjugada pelos dogmas dominantes, as mentes mais iluminadas
silenciadas pelo terrorismo da consciência representado pela diabólica
Inquisição. E no alvorecer do século XVII, por obra de videntes sensíveis e
horrorizados, a revolta dos esclarecidos não pôde mais ser contida. A Revolução
Científica entoou o seu iluminista brado. Galileu, antecedido pelo gênio de
Copérnico, desembainhou a espada da precisão matemática e o escudo de uma
metodologia científica - hipotética dedutiva - foi erguido triunfalmente. Bacon
desenvolveu a estratégia da experiência - o empirismo e o método indutivo -
para derrotar a peste do dogmatismo. Descartes fez ressoar seu grito de guerra
racionalista - o método analítico - iluminando, com o seu cogito
discriminativo, a escuridão do campo de batalha. E Newton disparou a fatal seta
da física mecânica, destinada ao coração do Caos do mundo, para ordená-lo,
aprisionando-o na esfera impecável de mecanismos movidos por eternos ditames
naturais.
"Seguiu-se, natural e
dialeticamente, a mudança de polaridade. Veio o Século das Luzes. O fator
objetivo passou a ser decantado em tratados e fórmulas. A subjetividade e a
dimensão do coração, consideradas não-científicas, foram proscritas, destinadas
aos artistas e poetas delirantes. O fator sublime foi encarcerado em sombrios
conventos, mosteiros e templos. O imperscrutável foi banido, abandonado aos
místicos. A Razão estendeu o seu império por todas as plagas, com a bandeira do
determinismo - biológico, econômico, geográfico, psíquico... - desfraldada.
Laboriosamente, os antigos traumatizados ergueram e retocaram sua obra-prima: o
racionalismo científico, com elegante base disciplinar, que gerou o
especialista, exótico sujeito que de quase-nada sabe quase-tudo.
E cá estamos nós, os novos
traumatizados. Num mundo esfacelado, com o conhecimento fracionado em
compartimentos estanques, cindidos em esferas aprisionantes, torturados por
máscaras e papéis desconectados, esvaziados de um sentido maior, desvinculados
da sagrada inteireza. De um extremo fomos ao outro: a Universidade, decantada
como templo de saber, com um reitor tratado como Magnífico (!), onde
hipertrofiamos o intelecto e nos saturamos de informações, sacrificando, no
altar das disciplinas, a mente abrangente e sintética da espécie. Infelizes
vítimas da patologia dissociativa crônica e paradigmática instalada no seio da
crise planetária que sofremos, traduzida pelo infindável conflito
intrapsíquico-interpessoal-internacional.
Uma outra revolta da
inteligência, suave e irreversível, agita as suas ondas neste momento,
convocando os mais sensíveis e atentos. O movimento holístico definitivamente
não é uma moda, como muitos pretendem. É uma resposta biológica e vital de
perpetuação da espécie perante a ameaça de uma autodestruição global; é um
catalisador de transmutação no seio do qual está sendo gerado o ser humano do
agora.
Ousaremos enfrentar o desafio
da inteireza? Ousaremos conspirar por um ente humano integral, vinculado na
dimensão interconectada do saber e do amor? Ousaremos saltar para o
desconhecido, afirmando o viver evolutivo? Ousaremos não deixar por menos,
reinvindicando, atrevidamente, nossa condição de seres eretos, destinados a
interligar terra e céu? É promissor constatar que um número progressivo de
indivíduos, das mais diversas origens, culturas e ocupações, está abrindo os
olhos, despertando e conspirando pela renovação consciente de nossos
horizontes. Não será um bom tempo para os insensíveis, sonolentos e pretensiosos
proprietários das velhas certezas!
Um dos principais objetivos da
Formação Holística de Base é cultivar um terreno fértil no qual o Aprendiz
possa assimilar os conhecimentos integradamente e incorporar a nova consciência
holística. É, também, contribuir na preparação de emergentes líderes
holocentrados, capacitados para o enfrentamento dos novos e tremendos desafios
neste surpreendente limiar do terceiro milênio.
O estudo aprofundado e
minucioso deste Manual de Formação é fundamental para o envolvimento,
comprometimento e desenvolvimento do Aprendiz ao longo desta fecunda jornada. A
meta essencial pode resumir-se em tornar-se o que se é. Nada fácil e, assim
mesmo, possível, desde que se oriente o coração para aprender.
Todas as atividades
destinam-se, paradoxalmente, a um esvaziamento da mente, facilitando um vazio
fértil a partir do qual a visão holística possa emanar e a canção da vida
vibrar. Um Ser florescerá então e o Universo se revestirá de Sentido. Por isto,
vale a pena lutar.
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