"Uma sociedade que
abandona os fracos e só valoriza os fortes não é uma sociedade de
verdade."
(Tamaki Saito, psiquiatra japonês)
"Na sociedade civil planetária." Com
essa frase, Jean Ziegler inicia a resposta à pergunta – "Onde está a
esperança?", a última da entrevista reproduzida nas duas postagens
mais recentes deste blog. Esperança de que? De conseguir superar a
"descrença da democracia representativa, num mundo controlado pelas
corporações globais".
E diante da "descrença da democracia
representativa", o método das recordações sucessivas leva-me a trazer para
estas reflexões algo que li no livro MÍDIA – Propaganda política e manipulação, de autoria de Noam
Chomsky, linguista, filósofo e ativista político americano que após 90 anos prossegue
lutando por um mundo melhor. Ou seja, Chomsky é mais um daqueles homens que
Brecht classificaria como imprescindível. Os dois próximos parágrafos foram
extraídos das duas páginas iniciais de tal livro.
"(...) Permitam que eu comece contrapondo duas concepções diferentes de democracia. Uma delas considera que uma sociedade democrática é aquela em que o povo dispõe de condições de participar de maneira significativa na condução de seus assuntos pessoais e na qual os canais de informação são acessíveis e livres. Se você consultar no dicionário o verbete 'democracia' encontrará uma definição parecida com essa."
"Outra concepção de democracia é aquela que considera que o povo deve ser impedido de conduzir seus assuntos pessoais e os canais de informação devem ser estreita e rigidamente controlados. Esta pode parecer uma concepção estranha de democracia, mas é importante entender que ela é a concepção predominante. Existe uma longa história, que remonta ás primeiras revoluções democráticas na Inglaterra do século XVII, que expressam, em grande medida, esse ponto de vista. (...)"
"Esta pode
parecer uma concepção estranha de democracia, mas é importante entender que ela
é a concepção predominante.", diz Chomsky. "Uma concepção estranha e
predominante" que, no meu entender, explica a "descrença da
democracia representativa". E na esteira de tal "concepção estranha
de democracia", segue mais um parágrafo extraído do livro já citado.
"Existem duas 'funções' numa democracia que, segundo Walter Lippmann, funcione de maneira adequada: a classe especializada, os homens responsáveis, assume a função executiva, (...) Depois, temos o rebanho desorientado, e ele também tem função na democracia. Sua função, dizia ele, é a de "espectador", e não de participante da ação. Porém, por se tratar de uma democracia, esse rebanho ainda tem outra função: de vez em quando ele tem a permissão para transferir seu apoio a um ou outro membro da classe especializada. Em outras palavras, ele tem a permissão de dizer: 'Queremos que você seja nosso líder'. Isso porque se trata de uma democracia, e não de um Estado totalitário. A essa escolha se dá nome de eleição. Porém, uma vez que ele tenha transferido seu apoio a um ou outro membro da classe especializada, deve sair de cena e se tornar espectador da ação, não participante."
"(...) temos o rebanho desorientado cuja
função na democracia é a de 'espectador', e não de participante da ação.",
dizia Walter Lippmann, segundo relato de Chomsky, fazendo com que o método das
recordações sucessivas leve-me de volta à entrevista na qual são atribuídas a
Jean Ziegler as seguintes palavras: "(...) a consciência coletiva está
sendo cimentada por uma ideologia neoliberal de que o homem não é mais o
sujeito da história e que apenas pode se adaptar à situação e às forças do
mercado, que obedecem às leis naturais.". Alguém não consegue enxergar uma
semelhança impressionante entre "ter a função de 'espectador'" e "não
ser mais o sujeito da história"? Ou seja, o que dizem Chomsky (reproduzindo
palavras de Lippmann) e Ziegler tem tudo a ver, não?! E tem mais!
"Pode ser que aconteça uma revolução popular e que ela nos ponha no interior do poder do Estado; ou pode ser que não, e, nesse caso, vamos simplesmente trabalhar para as pessoas que detêm o poder de verdade: os empresários.", diz Chomsky.
"As 500 maiores empresas multinacionais privadas – reunindo todos os setores, como bancos, indústria e serviços – têm 52% do PIB do mundo. Elas monopolizam um poder econômico-financeiro, ideológico e político que um imperador ou papa jamais teve na história da humanidade. Elas escapam de todos os controles do Estado, parlamentares, sindicais ou qualquer outro controle social. Têm apenas uma estratégia: maximização dos lucros no tempo mais curto e não importa a qual preço humano. (...) As sociedades multinacionais privadas são as verdadeiras donas do mundo.", diz Ziegler.
"As sociedades multinacionais privadas
são as verdadeiras donas do mundo.", diz Ziegler. "(...) nesse caso,
vamos simplesmente trabalhar para as pessoas que detêm o poder de verdade: os
empresários.", diz Chomsky. Alguém não consegue enxergar mais uma
semelhança impressionante entre o que dizem Ziegler e Chomsky?
"Se considerarmos que a fortuna pessoal
dos 36 indivíduos mais ricos do mundo, segundo a Oxfam (organização mundial contra a pobreza), é igual à renda dos 4,7
bilhões de pessoas mais pobres da humanidade.", como afirma Ziegler, será
que faz sentido acreditar que existe neste planeta algum lugar onde haja um
exemplo de "concepção não
estranha de democracia"? Diante de tudo o que é dito acima, será que faz
sentido discordar de Ziegler quando ele diz que "O mundo se tornou
incompreensível para o cidadão, que não mais consegue lê-lo."? E quanto a
sua resposta de que a "esperança está na sociedade civil planetária",
será que, para a maioria dos cidadãos, é compreensível o que seja a "sociedade
civil planetária"?
Pelo sim pelo não
(embora não estejamos em um centro de depilação), partindo da resposta de
Ziegler à última pergunta da entrevista, elaboro uma noção do que seja a "sociedade civil planetária".
"É uma sociedade invisível, formada por
entidades que não obedecem a um comitê central ou a uma linha de partido e que
funcionam por um só princípio: o imperativo categórico." Imperativo que
defende que os indivíduos deveriam agir em conformidade com aquilo que
gostariam de ver como lei universal, ou seja, não deveriam fazer aos outros
aquilo que não gostariam que os outros fizessem a eles. Por conta desse
conceito de lei, o imperativo categórico também era designado de imperativo
universal. Imperativo que resulta em uma "consciência que,
em termos políticos, cria uma prática de solidariedade entre os indivíduos e de
reciprocidade entre os povos." Consciência que, por sua vez, leva a uma perfeita
compreensão das palavras finais da entrevista com Jean Ziegler: "O
escritor francês George Bernanos escreveu: 'Deus não tem mãos que não sejam as
nossas'. Ou somos nós que mudaremos essa ordem canibal do mundo, ou ninguém o
fará."
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