sexta-feira, 7 de junho de 2019

A esperança está na "sociedade civil planetária" (I)

"Há homens que lutam um dia e são bons,
 há outros que lutam um ano e são melhores;
 há os que lutam muitos anos e são muito bons,
 mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis."
(Bertolt Brecht [1898 – 1956], dramaturgo, poeta e encenador alemão)
Por que epigrafo esta postagem com essas palavras de Brecht? Porque acredito que ele classificaria como imprescindível o entrevistado na reportagem-entrevista apresentada nesta postagem. Afinal, prosseguir lutando por um mundo melhor após 85 anos é algo que só homens imprescindíveis fazem.
O texto apresentado a seguir foi publicado na edição de 03 de junho de 2019 da revista Época em uma seção em que a cada semana é apresentada uma quantidade variável de perguntas acompanhada de respostas atribuídas à determinada pessoa. Seção que nessa edição recebeu o título "12 perguntas para Ziegler". O título dado à postagem são as palavras finais do trecho que precede as doze perguntas.
O que falta dizer neste preâmbulo? Que, para não desestimular leitores de curto fôlego, volto a usar o método Jack: vamos por partes. Sendo assim, segue a primeira das duas partes em que dividi a imperdível reportagem-entrevista assinada por Jamil Chade.
A esperança está na "sociedade civil planetária"
Descrentes da democracia representativa, os cidadãos vivem hoje um "desespero silencioso e secreto", num mundo controlado pelas corporações globais. Para o sociólogo suíço Jean Ziegler, a esperança está na "sociedade civil planetária".
1. Vemos em diferentes partes do mundo uma reação popular contra partidos tradicionais e contra a política. Também vemos a vitória de políticos como Orbán, Trump, Salvini e Bolsonaro. Por qual motivo o senhor acredita que estamos vendo essa onda?
O mundo se tornou incompreensível para o cidadão, que não mais consegue lê-lo. As 500 maiores empresas multinacionais privadas – reunindo todos os setores, como bancos, indústria e serviços – têm 52% do PIB do mundo. Elas monopolizam um poder econômico-financeiro, ideológico e político que um imperador ou papa jamais teve na história da humanidade. Elas escapam de todos os controles do Estado, parlamentares, sindicais ou qualquer outro controle social. Têm apenas uma estratégia: maximização dos lucros no tempo mais curto e não importa a qual preço humano – ainda que sejam responsáveis, sem dúvida, por um processo de invenção científica, eletrônica e tecnológica sem precedentes e de fato extraordinário.
Até o fim da União Soviética, um terço dos habitantes do mundo vivia sob algum tipo de regime comunista. O capitalismo estava regionalmente limitado. A partir de 1991, o capitalismo se espalhou por todo o planeta e instaurou uma só instância reguladora: a mão invisível do mercado. Isso produziu uma ideologia que alienou totalmente a consciência política dos homens e que dá legitimidade a uma só instância de regulação: o neoliberalismo. Esse sistema sustenta que não são os homens que fazem a história, mas os mercados, e que as forças do mercado obedecem às leis da natureza.
2. E qual é a implicação disso para o cidadão?
É dito ao homem que, por não ser mais o sujeito da história, cabe a ele se adaptar ao mundo. De fato, entre o fim da URSS, no começo dos anos 90, e os anos 2000, o PIB mundial dobrou. O volume do comércio se multiplicou por três e o consumo de energia dobrou em quatro anos. É um dinamismo formidável, mas isso tudo ocorreu de uma forma concentrada e nas mãos de um número reduzido de pessoas. Se considerarmos a fortuna pessoas dos 36 indivíduos mais ricos do mundo, segundo a Oxfam (organização mundial contra a pobreza), ela é igual à renda dos 4,7 bilhões de pessoas mais pobres da humanidade.
Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura sobre a insegurança alimentar, a cada cinco segundos uma criança com menos de 10 anos morre de fome ou de suas consequências imediatas no mundo. O mesmo relatório diz que, em seu atual estado de desenvolvimento, a agricultura poderia alimentar normalmente 12 bilhões de seres humanos. Ou seja, quase o dobro da humanidade. Não há fatalidade. A fome é feita pelas mãos do homem e pode ser eliminada pelos homens. Uma criança que morre de fome é assassinada.
3. Isso é sustentável?
De forma alguma. A desigualdade não é só moralmente vergonhosa. Também faz com que o estado social seja esvaziado. Os mais ricos não pagam impostos como deveriam. Os paraísos fiscais, o segredo bancário suíço – que continua -, isso tudo permite uma enorme opacidade. Empresas são contratadas para criar estruturas que impedem que os reais donos do dinheiro sejam encontrados em sociedades offshore. Os documentos revelados pelo Panamá Papers mostram muito bem isso, Portanto, podemos dizer que as maiores fortunas do mundo e as maiores multinacionais pagam os impostos que querem.
4. E qual a consequência disso?
O fato de que os mais ricos pilham o país e não pagam impostos gera duas situações: esvazia a capacidade social de resposta dos governos e impede a contribuição obrigatória dos países mais ricos às organizações especializadas da ONU que lutam contra a miséria no mundo. Portanto, esse sistema mata. No fundo, essa ditadura do mercado faz com que os cidadãos entendam que não é o governo no qual eles votaram que tem o poder de definir o destino. Isso cria uma insegurança completa e a desigualdade não é controlável. Se não bastasse, o cidadão é informado que seu emprego passa por um período profundo de flexibilização. Na França, há 9 milhões de desempregados, e três quartos dos empregos no setor privado são contratos de duração limitada. Outros milhões vivem de forma precária, como a maioria dos aposentados.
5. Quem são, portanto, os atores que influenciam o destino econômico de um país?
Vou dar um exemplo. As sociedades multinacionais privadas são as verdadeiras donas do mundo. Nos Estados Unidos, sob a administração Obama, foi criada uma lei que proibia o acesso, ao mercado americano, de minerais que tivessem sido extraídos por crianças, principalmente de minas no Congo. O cobalto, por exemplo, foi um deles. Essa lei gerou a mobilização de empresas como Glencore, Rio Tinto e tantas outras. Elas denunciaram que isso era inaceitável, por ser contra a liberdade dos mercados. Uma das primeiras medidas que Donald Trump tomou ao assumir o governo, em janeiro de 2017, foi a de acabar com essa lei. Como esse, existem muitos outros exemplos em meu livro.
6. Em quais setores?
A agricultura é outro. Em 2011, três semanas antes da reunião do G7 em Cannes, o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, foi à televisão e declarou que proporia que a especulação nas bolsas e no mercado financeiro fosse proibida, principalmente sobre arroz, milho, trigo e outros produtos agrícolas de base. Seria uma forma de lutar contra o aumento de preços dos alimentos básicos, especialmente nos países mais pobres. Faltando poucos dias para o G7, a França retirou sua proposta, depois de ter sido pressionada pelas grandes empresas do setor, como Unilever, Nestlé e outras.
Termina na próxima quinta-feira (...) de forma imperdível!

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