"Há homens que lutam um dia e são bons,
há outros que lutam um ano e são
melhores;
há os que lutam muitos anos e são
muito bons,
mas há os que lutam toda a vida e
estes são imprescindíveis."
(Bertolt Brecht [1898 – 1956], dramaturgo, poeta e
encenador alemão)
Por que epigrafo esta
postagem com essas palavras de Brecht? Porque acredito que ele classificaria
como imprescindível o entrevistado na reportagem-entrevista apresentada nesta
postagem. Afinal, prosseguir lutando por um mundo melhor após 85 anos é algo que
só homens imprescindíveis fazem.
O texto apresentado a
seguir foi publicado na edição de 03 de junho de 2019 da revista Época em uma seção em que a cada semana
é apresentada uma quantidade variável de perguntas acompanhada de respostas
atribuídas à determinada pessoa. Seção que nessa edição recebeu o título "12 perguntas para Ziegler". O
título dado à postagem são as palavras finais do trecho que precede as doze
perguntas.
O que falta dizer
neste preâmbulo? Que, para não
desestimular leitores de curto fôlego, volto a usar o método Jack: vamos por
partes. Sendo assim, segue a primeira das duas partes em que dividi a imperdível reportagem-entrevista assinada por Jamil Chade.
A esperança está na
"sociedade civil planetária"
Descrentes da democracia representativa, os
cidadãos vivem hoje um "desespero silencioso e secreto", num mundo
controlado pelas corporações globais. Para o sociólogo suíço Jean Ziegler, a
esperança está na "sociedade civil planetária".
1. Vemos em diferentes
partes do mundo uma reação popular contra partidos tradicionais e contra a
política. Também vemos a vitória de políticos como Orbán, Trump, Salvini e
Bolsonaro. Por qual motivo o senhor acredita que estamos vendo essa onda?
O mundo se tornou incompreensível para o
cidadão, que não mais consegue lê-lo. As 500 maiores empresas multinacionais
privadas – reunindo todos os setores, como bancos, indústria e serviços – têm
52% do PIB do mundo. Elas monopolizam um poder econômico-financeiro, ideológico
e político que um imperador ou papa jamais teve na história da humanidade. Elas
escapam de todos os controles do Estado, parlamentares, sindicais ou qualquer
outro controle social. Têm apenas uma estratégia: maximização dos lucros no
tempo mais curto e não importa a qual preço humano – ainda que sejam
responsáveis, sem dúvida, por um processo de invenção científica, eletrônica e
tecnológica sem precedentes e de fato extraordinário.
Até o fim da União Soviética, um terço dos
habitantes do mundo vivia sob algum tipo de regime comunista. O capitalismo
estava regionalmente limitado. A partir de 1991, o capitalismo se espalhou por
todo o planeta e instaurou uma só instância reguladora: a mão invisível do
mercado. Isso produziu uma ideologia que alienou totalmente a consciência
política dos homens e que dá legitimidade a uma só instância de regulação: o
neoliberalismo. Esse sistema sustenta que não são os homens que fazem a
história, mas os mercados, e que as forças do mercado obedecem às leis da
natureza.
2. E qual é a implicação
disso para o cidadão?
É dito ao homem que, por não ser mais o
sujeito da história, cabe a ele se adaptar ao mundo. De fato, entre o fim da
URSS, no começo dos anos 90, e os anos 2000, o PIB mundial dobrou. O volume do
comércio se multiplicou por três e o consumo de energia dobrou em quatro anos.
É um dinamismo formidável, mas isso tudo ocorreu de uma forma concentrada e nas
mãos de um número reduzido de pessoas. Se considerarmos a fortuna pessoas dos
36 indivíduos mais ricos do mundo, segundo a Oxfam (organização mundial contra a pobreza), ela é igual à renda dos 4,7
bilhões de pessoas mais pobres da humanidade.
Segundo um relatório da Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura sobre a insegurança alimentar, a cada
cinco segundos uma criança com menos de 10 anos morre de fome ou de suas
consequências imediatas no mundo. O mesmo relatório diz que, em seu atual
estado de desenvolvimento, a agricultura poderia alimentar normalmente 12
bilhões de seres humanos. Ou seja, quase o dobro da humanidade. Não há
fatalidade. A fome é feita pelas mãos do homem e pode ser eliminada pelos
homens. Uma criança que morre de fome é assassinada.
3. Isso é sustentável?
De forma alguma. A desigualdade não é só
moralmente vergonhosa. Também faz com que o estado social seja esvaziado. Os
mais ricos não pagam impostos como deveriam. Os paraísos fiscais, o segredo
bancário suíço – que continua -, isso tudo permite uma enorme opacidade.
Empresas são contratadas para criar estruturas que impedem que os reais donos
do dinheiro sejam encontrados em sociedades offshore. Os documentos revelados
pelo Panamá Papers mostram muito bem isso, Portanto, podemos dizer que as
maiores fortunas do mundo e as maiores multinacionais pagam os impostos que
querem.
4. E qual a consequência
disso?
O fato de que os mais ricos pilham o país e
não pagam impostos gera duas situações: esvazia a capacidade social de resposta
dos governos e impede a contribuição obrigatória dos países mais ricos às
organizações especializadas da ONU que lutam contra a miséria no mundo.
Portanto, esse sistema mata. No fundo, essa ditadura do mercado faz com que os
cidadãos entendam que não é o governo no qual eles votaram que tem o poder de
definir o destino. Isso cria uma insegurança completa e a desigualdade não é
controlável. Se não bastasse, o cidadão é informado que seu emprego passa por
um período profundo de flexibilização. Na França, há 9 milhões de
desempregados, e três quartos dos empregos no setor privado são contratos de
duração limitada. Outros milhões vivem de forma precária, como a maioria dos
aposentados.
5. Quem são, portanto,
os atores que influenciam o destino econômico de um país?
Vou dar um exemplo. As sociedades
multinacionais privadas são as verdadeiras donas do mundo. Nos Estados Unidos,
sob a administração Obama, foi criada uma lei que proibia o acesso, ao mercado
americano, de minerais que tivessem sido extraídos por crianças, principalmente
de minas no Congo. O cobalto, por exemplo, foi um deles. Essa lei gerou a
mobilização de empresas como Glencore, Rio Tinto e tantas outras. Elas
denunciaram que isso era inaceitável, por ser contra a liberdade dos mercados.
Uma das primeiras medidas que Donald Trump tomou ao assumir o governo, em
janeiro de 2017, foi a de acabar com essa lei. Como esse, existem muitos outros
exemplos em meu livro.
6. Em quais setores?
A agricultura é outro. Em 2011, três semanas
antes da reunião do G7 em Cannes, o então presidente da França, Nicolas
Sarkozy, foi à televisão e declarou que proporia que a especulação nas bolsas e
no mercado financeiro fosse proibida, principalmente sobre arroz, milho, trigo
e outros produtos agrícolas de base. Seria uma forma de lutar contra o aumento
de preços dos alimentos básicos, especialmente nos países mais pobres. Faltando
poucos dias para o G7, a França retirou sua proposta, depois de ter sido
pressionada pelas grandes empresas do setor, como Unilever, Nestlé e outras.
Termina na próxima quinta-feira (...) de forma imperdível!
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