quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Ser humano é um esporte coletivo

"Não nascemos humanos, tornamo-nos humanos."

  (Paráfrase feita a partir de frase de Simone de Beauvoir)
"Thomas Edison, autor de inúmeras invenções, acreditava que muitas de suas ideias lhe vinham de fora dele mesmo. Certa vez, quando o elogiaram por uma invenção, rejeitou o elogio, dizendo que 'as ideias estão no ar' e que, se ele não a tivesse feito, algum outro o teria." (Do livro "Liberte sua personalidade", de Maxwell Maltz).
O parágrafo anterior pretende explicar o uso da frase de Simone de Beauvoir para elaborar a paráfrase usada como epígrafe. Uma pessoa pega uma 'ideia que está no ar', cria alguma coisa, e outra usa tal coisa para criar outra coisa. Ou seja, a criação das coisas é algo coletivo. Interessante é que, no meu entender, a paráfrase pode ser até mais abrangente: "Não nascemos seja lá o que for, tornamo-nos seja lá o que for."
A elaboração desta postagem também segue a ideia de criar uma coisa a partir de outra. A afirmação que a intitula foi extraída do primeiro capítulo do livro Equipe Humana, de autoria de Douglas Rushkoff. Capítulo espalhado por este blog em duas postagens: Equipe Humana (I) e Equipe Humana (final), publicadas em 03 e 09 de maio deste ano, respectivamente. Segue o trecho de onde extraí a referida afirmação.
"O primeiro passo para reverter nossa situação é reconhecer que ser humano é um esporte coletivo. Não podemos ser totalmente humanos sozinhos. Qualquer coisa capaz de nos unir promove a nossa humanidade. Da mesma forma, tudo o que nos separa nos torna menos humanos e menos capazes de exercer nossa vontade individual ou coletiva."
Sim, "O primeiro passo para reverter nossa situação é reconhecer que ser humano é um esporte coletivo.". E reverter nossa situação é algo, simplesmente, imprescindível. Rushkoff diz que "Não podemos ser totalmente humanos sozinhos." Mais arrogante do que ele, troco o "totalmente" por minimamente, pois sozinhos não conseguimos sequer permanecer vivos.
"Viemos a este mundo, desde o momento do nascimento, incapazes de agir sem a ajuda de outros. Crescemos, então, nesse nosso propósito: cuidar daqueles que estão ao nosso redor, de forma que, cuidando uns dos outros, possamos todos viver seguros no conhecimento de que somos protegidos e queridos, necessários e amados.", diz Joan Chittister, no livro Bem-vindo à sabedoria do mundo – O que as grandes religiões nos ensinam para viver melhor.
"Desde o momento do nascimento, incapazes de agir sem a ajuda de outros", diz Joan. Incapazes de sobreviver sem a ajuda de outros, digo eu. Você já parou para pensar que, desde o momento em que nasce, o indivíduo depende da coletividade para permanecer vivo? Afinal, além das necessidades fisiológicas, o que mais um recém-nascido consegue fazer sozinho? O tempo vai passando, o indivíduo vai crescendo em termos de tamanho e, paralelamente, vai crescendo também em termos de quantidade de equívocos cometidos. Equívocos dentre os quais destaco o seguinte: acreditar ser possível "viver seguros no conhecimento de que somos protegidos e queridos, necessários e amados", sem a dependência da coletividade. Equivoco que, a maioria deles só terá oportunidade de perceber se, por desventura, algum dia for parar em um leito de UTI. Passei por essa experiência no final de agosto e início de setembro de 2021 e a relatei na postagem publicada em 04 e outubro de 2021 sob o título "Lição oferecida pela estada em um leito de UTI".
E ao falar em dependência da coletividade, me vem à mente a seguinte afirmação do filósofo e teólogo canadense Jean Vanier (1928 - 2019): "As pessoas querem redescobrir a sensação de viver numa comunidade verdadeira. Estamos fartos de solidão, independência e competição." Afirmação que, infelizmente, considero aplicável a uma quantidade reduzida de pessoas. No meu entender, o conjunto formado pelas pessoas que ainda aceitam a competição como algo natural e que ainda acreditam serem capazes de viver independendo da ajuda de outras, ainda é absurdamente maior do que aquele formado pelas que com elas não concordam. Até porque, em uma economia que tem como base a escassez, competição e independência são duas coisas amplamente apregoadas como imprescindíveis à sobrevivência em uma sociedade (sic) em que, cada vez mais, as pessoas são estimuladas a adotar o comportamento "cada um por si"
"Crescemos, então, nesse nosso propósito: cuidar daqueles que estão ao nosso redor, de forma que, cuidando uns dos outros, possamos todos viver seguros no conhecimento de que somos protegidos e queridos, necessários e amados.", diz Joan Chittister. Crescemos ou deveríamos crescer? -, pergunto eu diante do que se vê neste insano mundo em que sobrevivemos.
"Cuidar daqueles que estão ao nosso redor, de forma que, cuidando uns dos outros, possamos todos viver seguros no conhecimento de que somos protegidos e queridos, necessários e amados.", eis a forma indicada por Joan, mas não a seguida pela maioria dos integrantes deste planeta que enxerga "cuidar dos outros" como cuidar apenas dos seus, sem importar-se com os demais. O próximo parágrafo traz algumas palavras de Jack P. Shonkoff, M. D., diretor do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade Harvard, extraídas de um documentário intitulado "O começo da vida". 
"E mesmo para as pessoas que dizem - eu cuido bem dos meus filhos, eu dou duro, as coisas não vêem assim tão fácil, mas eu estou cuidando bem deles, não é justo me pedir para me responsabilizar pelo que os outros não fazem pelos filhos, eu estou preocupado com os meus -, a resposta é: a vida dos seus filhos quando crescerem será mais fácil ou difícil com base em quantas pessoas da idade deles estão contribuindo ou na verdade são um peso para a sociedade."
Ou seja, se você quiser que a vida dos seus filhos seja mais fácil quando crescerem o que terá que fazer será cuidar bem não apenas deles, mas também dos filhos dos outros, pois por mais que as pessoas tentem isolarem-se umas das outras haverá momentos em que o encontro será inevitável; e poderá ser lamentável! Cuidar bem dos outros, pois o bem-estar de cada um está ligado ao bem-estar de todos. A lição, para cada um de nós, é que, se quisermos cultivar algo de bom, temos que ajudar o próximo também a fazê-lo, eis as palavras finais do texto principal da postagem intitulada "O Milho Bom" publicada em 13 e março de 2013 (faz tempo, hein!).
Em um livro intitulado "Pedagogia Iniciática – Uma escola de liderança", Roberto Crema, um autêntico ser humano que tive o prazer de conhecer na UNIPAZ, diz o seguinte:
"Gosto muito desta provocação, que sempre evoco, do cientista e humanista Abraham Maslow, um dos pais da psicologia humanística: 'Num certo sentido, apenas os santos são a humanidade'. Ou seja, os demais não lograram o desabrochar deste embrião de plenitude encarnado em nós. Se você quiser saber quem são os verdadeiros seres humanos, recomendo que estude as existências de seres humanos plenos, popularmente conhecidos como santos. É preciso estudar seres humanos que deram certo."
Sim, é preciso estudar seres humanos que deram certo, e também refletir sobre certas coisas ditas por alguns que conseguiram enxergar que percorrer esse percurso que a gente chama de vida também é um esporte coletivo. Coisas como a seguinte afirmação atribuída ao imperador Marco Aurélio: "O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha". Ou seja, o que não convém ao coletivo não convém tampouco ao indivíduo. No meu entender, a maioria dos males que assolam esta sociedade (sic) resulta da não assimilação dessa afirmação atribuída a Marco Aurélio.
Simone de Beauvoir diz: "Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres". Roberto Crema diz que os antigos afirmavam que o ser humano ainda não nasceu; estamos sendo uma possibilidade. Segundo eles, dependendo do que fizermos, em algum momento justo do caminho, poderemos nos tornar seres humanos plenos. Ou seja, "Não nascemos humanos, tornamo-nos humanos".
Sim, "dependendo do que fizermos, em algum momento justo do caminho, poderemos nos tornar seres humanos plenos". E dependendo da quantidade dos que tenham conseguido tornarem-se seres humanos plenos, após passar por tantas idades – da pedra, do cobre, do ferro etc –, "em algum momento justo do caminho", uma nova idade chegará: a idade do humano; a Humana Idade. Idade na qual ser humano será um esporte coletivo praticado pela imensa maioria dos integrantes deste planeta.

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