quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Reflexões provocadas por "O desempregado"

Identificado o desempregado que protagoniza a história contada por frei Betto na postagem anterior, seguem algumas coisas ditas sobre ele em uma entrevista publicada na edição 288 da revista Cult referente ao mês de dezembro de 2022. O entrevistado? Frei Betto.
"Meu objetivo é deixar claro que Jesus não veio fundar uma Igreja (a cristã) ou uma nova religião (o cristianismo). Ele veio resgatar o projeto de Deus para a humanidade, que chamava de Reino de Deus, em contraposição ao Reino de César. A Igreja deslocou o Reino de Deus para as esferas celestiais, como se ele só existisse na eternidade. Na cabeça de Jesus, ele se situa no horizonte histórico da humanidade e se baseia em dois pilares: nas relações pessoais, o amor; nas relações sociais, a partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano." 
E ao usar a expressão "trabalho humano" frei Betto leva-me a trazer para estas reflexões o seguinte trecho de seu texto O desempregado.
- Sou bom em recursos humanos. Sei organizar grupos e incentivar pessoas.

- Considera-se um homem dotado de espírito de competitividade?

- Sou mais pela solidariedade. Gosto de somar esforços, unir o que está dividido, quebrar distâncias, incluir os excluídos.

Saber organizar grupos, em vez de estimular o "cada um por si e Deus por ninguém" (expressão usada por frei Betto em O desempregado); ser um homem dotado de espírito de solidariedade, em vez de espírito de competitividade; gostar de unir o que está dividido, de incluir os excluídos, em vez de promover a exclusão por meio da competição, eis, no meu entender, algumas características do que seja o "trabalho humano" a que frei Betto se refere.
Ou seja, o que Jesus veio fazer foi ensinar a trabalhar de modo humano, e não do modo desumano como o trabalho é realizado neste reino em que o poder de um César foi substituído pelo de algumas sinistras entidades denominadas corporações. Corporações cujo sonho nada mais é do conseguir o que César conseguiu - tornar-se o poder único -, embora usem métodos diferentes.
Sim, tecnologicamente a evolução do homem é estupenda; "civilizatória"mente, é estúpida, pois, como disse Alexis Carrel: "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas, mas, sim o do homem." Sim, desde a época dos Césares até os dias de hoje, a uma estupenda evolução tecnológica corresponde uma estúpida evolução civilizatória. Você tem notícias do que está ocorrendo na Faixa de Gaza, aquela região bem próxima do lugar em que é dito ter nascido o desempregado? Pois é! E ao falar em reino de César, segue mais um trecho da referida entrevista.
"Prova de que Jesus tinha no Reino um novo projeto civilizatório é que, no Pai Nosso, ele nos ensinou a orar 'venha a nós o vosso Reino', e não 'leve-nos ao vosso Reino'. A expressão 'Reino de Deus' aparece nos quatro evangelhos 122 vezes, enquanto 'Igreja' apenas duas vezes e, assim mesmo, apenas no de Mateus. E por anunciar esse outro Reino possível dentro do reino de César é que Jesus foi assassinado na cruz como subversivo. Todos nós, cristãos, somos discípulos de um prisioneiro político."
Ao referir-se a "sermos discípulos de um prisioneiro político" frei Beto leva-me a trazer para estas reflexões o seguinte trecho da postagem anterior.
- Pelo que vejo você gosta de política. 
- Não sou político, mas exerço o meu direito de cidadania. Defendo o direito dos pobres.
"Não um indivíduo político, mas um defensor dos direitos dos pobres.", eis como frei Betto enxerga Jesus, em termos de política. E ao enxergá-lo assim, no meu entender, frei Betto deixa claro que Jesus não se envolve com essas sujas negociações políticas realizadas por uma quantidade cada vez maior de partidos políticos compostos, em sua maioria, por vendilhões do templo, com muitos deles usando indevidamente o nome de Jesus.
E ao falar "em política e defesa dos direitos dos pobres", frei Betto leva-me a citar nestas reflexões um texto do poeta e escritor Elias França que até o momento da publicação desta postagem era encontrável em https://www.youtube.com/watch?v=NqeS9QEi3t4. E que pode ser lido na postagem Desenhando o sentido de política para mau entendedor, publicada em 10 de fevereiro de 2022. Um texto em que Elias França diz que "política é, essencialmente, uma questão de interesses." Interesses entre os quais jamais figuram os dos pobres. Pobres, a quem, neste mundo em que tudo é transformado em mercadorias a serem vendidas única e exclusivamente com a finalidade da obtenção de lucros financeiros, a mercadoria que mais se vende são as ilusões. Mercadoria que, segundo frei Betto, o desempregado da história por ele contada, disse preferir não vender quando lhe foi oferecido um emprego como vendedor de cosméticos.
- Prefiro não vender ilusões. Melhor oferecer esperanças.
- Esperanças? Do jeito que o mundo está? Cara, trate de ganhar seu dinheiro. Hoje em dia é cada um por si e Deus por ninguém.
- Não penso assim. Se houver esperança de um futuro melhor, haverá indignação diante do presente injusto. Então as pessoas haverão de mudar as coisas.
"Indignação diante do presente injusto", eis, no meu entender, a condição sine qua non jamais será possível haver a esperança de um futuro melhor.  Esperança do verbo esperançar (como entendia Paulo Freire), não do verbo esperar, como "entende" a imensa maioria. Esperançar como capacidade de reagir àquilo que parece não ter saída; de não desistir; de levar adiante; de juntar-se com outros para fazer de outro modo e, consequentemente, obter outro resultado. Um resultado que possa beneficiar o coletivo em vez de apenas alguns privilegiados. Esperançar como forma de se comportar diante do que acontece durante esse percurso que a gente chama de vida, em conformidade com a seguinte afirmação de Bertolt Brecht: "Nada deve parecer natural; nada deve parecer impossível de mudar".
"Então as pessoas haverão de mudar as coisas.", eis uma afirmação do texto O desempregado que remete-me à primeira frase da primeira postagem deste blog publicada no primeiro dia do mês de fevereiro do longínquo ano 2011. Respondendo à indagação que constitui o título da postagem - "Por que criei um blog?" - a frase é a seguinte: "Porque acredito em uma afirmação atribuída a Caio Graco: 'Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.'" De lá para cá, foram 735 postagens publicadas com a mesma pretensão do que se pretende obter por meio dos livros: mudar as pessoas. Pretensioso? Não, esperançoso, pois como diz frei Betto:
"Se houver esperança de um futuro melhor, haverá indignação diante do presente injusto. Então as pessoas haverão de mudar as coisas."
O que impede o florescimento de tal esperança? O critério usado na oferta de vagas de emprego. Como assim? Enquanto a oferta de emprego for para o papel de Papai Noel, Jesus prosseguirá desempregado, e, consequentemente, a "indignação diante do presente injusto" prosseguirá abafada pela atuação dessa personagem que Millôr Fernandes descreveu assim:

"Papai Noel, filho da exploração comercial, da ignorância infantil e da incapacidade de reação paternal, é um velho meio idiota, meio malandro, extremamente desonesto, que se presta a servir de intermediário para o enriquecimento da sociedade de consumo, em todo o mundo. Um canalha."

Entre Jesus e Barrabás, a turba escolheu Barrabás! Entre Jesus e Papai Noel, ela escolhe empregar Papai Noel e deixar Jesus desempregado. Vá escolher mal assim na ... Nossa! Há momentos em que a indignação ultrapassa os limites! Será que um equivocado espírito natalino baixou em mim?!

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