terça-feira, 12 de dezembro de 2023

O desempregado

"O trabalho precário, informal e intermitente é a antessala do desemprego."
(Ricardo Antunes [1953], professor de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP)
Embora aqueles (as) que se dispuserem a ler esta postagem, muito provavelmente, não estejam na situação que a intitula, creio que lê-la possibilite-lhes dela tirar algum proveito, pois diante do contínuo e crescente declínio da quantidade de empregos provocado pela substituição dos seres humanos em praticamente todas as atividades profissionais existentes neste sinistro planeta, como se costuma dizer, "ninguém sabe o dia de amanhã".
Ocupação em que uma pessoa vende à outra, ou a uma instituição, parte (cada vez maior) de seu tempo com o compromisso de nele realizar determinadas tarefas para as quais deve possuir habilidade e pelo qual receberá uma remuneração estipulada por quem compra. Eis uma descrição, elaborada por mim, do que significa emprego.
Sendo resultado de uma operação de compra e venda – de tempo -, a autodenominada espécie inteligente do universo providenciou a criação de um mercado onde empregos pudessem ser negociados, em conformidade com uma irrevogável lei por ela criada: a lei da oferta e da procura. E diante da oferta cada vez menor de empregos e da procura cada vez maior, há uma coisa que também precisa ser cada vez maior: a variedade de habilidades que o pretendente a um emprego precisa possuir para tentar conseguir um. Tentativas cada vez mais malsucedidas, como mostra o texto que encontrei em um livro que comprei recentemente e que reproduzo a seguir.
Diferentemente do que faço habitualmente, não revelarei neste momento o autor do texto nem o livro onde o encontrei. Por quê? Porque tais revelações poderiam dar pistas sobre quem é o protagonista da história nele contada, e há momentos em que, no meu entender, cai bem tentar criar um pouco de mistério. Feito este preâmbulo, segue o texto intitulado O desempregado.
O desempregado
Apresentou-se na firma de colocação de mão de obra. Após horas na fila de desempregados, chegou a sua vez de ser entrevistado:
- Sabe fazer o quê?
- Bem, entendo de construção civil, meu pai trabalhava no ramo. Gosto de culinária e acho que me não me daria mal na agricultura.
- Hum... Hum... O que tem feito ultimamente?
- Sou andarilho, espalho novas ideias e boas notícias.
- Ora, isso tudo é muito vago. Quero saber as suas aptidões.
- Sou bom em recursos humanos. Sei organizar grupos e incentivar pessoas.
- Considera-se um homem dotado de espírito de competitividade?
- Sou mais pela solidariedade. Gosto de somar esforços, unir o que está dividido, quebrar distâncias, incluir os excluídos.
- Na área da saúde, tem algum conhecimento?
- Sim, às vezes faço curas por aí.
- Isso é exercício ilegal da medicina. Só médicos e medicamentos cientificamente comprovados podem curar. Ou será que você também embarcou nessa onda de que meditação cura?
- É, meditação traz boa saúde. É o meu caso. Medito todas as manhãs ou ao anoitecer. Às vezes passo toda a noite meditando. E, como vê, gozo de muito boa saúde.
- Que mais sabe fazer?
- Sei pescar, preparar anzóis, monitorar embarcações e até assar peixes.
- Bem, no momento não há procura neste ramo. Os japoneses já ocuparam todas as vagas. Se fosse escolher uma profissão, qual seria?
- A de publicitário. Creio que sou bom de propaganda.
- Que tipo de produto gostaria de vender?
- A felicidade.
- A felicidade?
- Sim, como o senhor escutou.
- Meu caro, a felicidade é o bem mais cobiçado do mundo. É uma demanda infinita. É o que todo mundo busca. Só que ninguém ainda descobriu como oferecê-la no mercado. O máximo que temos conseguido é tentar convencer que ela resulta da soma de prazeres.
- Como assim?
- Se você usar essa roupa, tomar aquela bebida, passar no cabelo aquele produto, viajar para tal lugar, haverá de encontrar a felicidade.
- Mas isso é enganar a freguesia. A felicidade não se confunde com nenhum bem de posse. Ela só pode ser encontrada no amor.
- Bela teoria! E pensa que as pessoas não têm medo de amar?
- Têm medo porque não têm fé. Se acreditassem em alguém e em si mesmas, amariam despudoradamente.
- Vejo que você é mesmo bom de lábia. Quer um emprego de vendedor de cosméticos?
- Prefiro não vender ilusões. Melhor oferecer esperanças.
- Esperanças? Do jeito que o mundo está? Cara, trate de ganhar seu dinheiro. Hoje em dia é cada um por si e Deus por ninguém.
- Não penso assim. Se houver esperança de um futuro melhor, haverá indignação diante do presente injusto. Então as pessoas haverão de mudar as coisas.
- Pelo que vejo você gosta de política.
- Não sou político, mas exerço o meu direito de cidadania. Defendo os direitos dos pobres.
- Desconfio que você é um desses vagabundos utópicos que, nas praças, divertem os jovens aos domingos. Você bebe?
- Só vinho.
- Como é o seu nome?
- Jesus, mas pode me chamar de Emanuel.
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O autor do texto? Frei Betto. Onde o encontrei? Em seu livro intitulado Típicos Tipos, publicado em 2022. Livro que neste blog originou a postagem anterior (O dia em que vi Deus) e a publicada em 13 de setembro de 2023 (O Espírito Capitalista).
"Você conseguiu descobrir a identidade do desempregado antes de ler a última frase do texto? Se conseguiu, em qual frase isso ocorreu? Será que faz sentido publicar uma postagem intitulada Reflexões provocadas por "O desempregado"?

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