quinta-feira, 22 de junho de 2023

Com conversa a gente reflete; com reflexão a gente muda. (final)

Continuação de sexta-feira
A alusão à perda do sentido comunitário feita no penúltimo parágrafo da postagem anterior acionou o velho método das recordações sucessivas e o fez trazer para esta o trecho de um recente episódio do programa GREG NEWS (apresentado no canal HBOMAX e reproduzido no YOU TUBE) reproduzido a seguir. O episódio é encontrável em https://www.youtube.com/watch?v=b6Ej2ls1si4.
"No livro de entrevistas do general Villas Bôas, ele conta que só foi começar a conviver com civis aos 50 anos de idade, e não foi exatamente fácil, abre aspas: "A convivência com os civis, no início, se constituía num exercício de paciência e de flexibilidade intelectual. Nós, militares, temos todos a mesma estrutura mental, o que nos leva coletivamente a, diante de um impulso qualquer, reagirmos de forma padronizada. Os civis não, cada um vê o problema por um ângulo diverso."
General Villas Bôas (trecho do livro "GENERAL VILLAS BÔAS - conversa com o comandante")
Sendo resultado da aplicação do método das recordações sucessivas, o que terá provocado a recordação dessas palavras do general? A comparação entre a sua visão de mundo com a de Severino Antônio, o educador e escritor citado nos parágrafos finais da postagem anterior. Enquanto o educador lamenta a perda do sentido comunitário, o que faz o general? Lamenta o fato de após ter conseguido não ter que conviver com civis até os 50 anos, ou seja, de ter vivido de modo completamente anticomunitário, ter que conviver a partir de então. Convivência que para ele se constituía num exercício de paciência e de flexibilidade intelectual. Flexibilidade intelectual que para mim se constitui num exercício dificílimo para tentar entender o que seja. Afinal que flexibilidade intelectual é essa que leva alguém a, "diante de um impulso qualquer, reagir de forma padronizada"? Será que faz sentido enxergar alguma relação entre flexibilidade e padronização? O que é isso, gente?!
"Nós, militares, temos todos a mesma estrutura mental, o que nos leva coletivamente a, diante de um impulso qualquer, reagirmos de forma padronizada. Os civis não, cada um vê o problema por um ângulo diverso.", diz o general.
"Se você só lê o mesmo que todo mundo lê, acaba pensando o mesmo que todo mundo pensa.", eis a instigante frase do escritor japonês Haruki Murakami (1949) impressa nas embalagens enviadas pela Livraria Martins Fontes Paulista. Frase que, "diante do impulso" de refletir sobre as palavras do general, leva-me a elaborar a seguinte: Se você tem a mesma estrutura mental que todo mundo tem, acaba reagindo da mesma forma que todo mundo reage, e, consequentemente, reprovando a forma correta de olhar um problema que se pretenda solucionar. Olhá-lo por "ângulos diversos", como indica a seguinte afirmação de José Saramago: "Para conhecer as coisas há que dar-lhes a volta; dar-lhes a volta toda"? Em outras palavras, "Para conhecer as coisas há que vê-las por um ângulo diverso." Ou seja, será que os errados são os civis? Civis aos quais o general deveria ser eternamente grato pelo simples fato de serem eles que bancam o pagamento de seu nada modesto soldo e uma série de privilégios.
Ao lançar uma campanha na qual mostrava casais homoafetivos trocando presentes no Dia dos Namorados (em 2015), Artur Grynbaum, executivo que liderou expansão de marcas e canais de venda d’O Boticário, deixou a peça pronta e embarcou para lua de mel prometendo não mexer no celular. Traiu o combinado na largada. A polêmica superou o que tinha imaginado. Teve gente pedindo boicote à marca e uma quantidade imensa de dislikes, indicação de reprovação.
"Um cara do marketing perguntou se não era o caso de mexer no anúncio. Falei: 'Não, segura'. Aos poucos o jogo foi virando a nosso favor. A diversidade está na vida, não adianta achar que só existem pessoas como a gente nesta salinha com ar-condicionado."
Os dois parágrafos acima foram extraídos de uma reportagem de Adriana Abujamra, publicada na edição de 14 de abril de 2023 do jornal Valor Econômico em seu suplemento intitulado "EU& Fim de Semana". Sim, ao contrário do que imagina o general citado nesta postagem, "A diversidade está na vida, não adianta achar que só existem pessoas como a gente nesta salinha com ar-condicionado." Ou, adequando a frase ao ambiente do general, "não adianta achar que só existem pessoas como aquela gente naqueles quartéis."
Sim, "A diversidade está na vida", e ela abrange inclusive um imenso contingente de indivíduos que sobrevivem em favelas, sótãos, porões e debaixo de pontes, carregando consigo uma marca de exclusão social que os torna "invisíveis" ao olhar da maioria dos bem aquinhoados desta sociedade caracterizada por uma desigualdade social que não sei mais como adjetivar. A postagem de 14 de maio de 2020 é intitulada Os "invisíveis" do novo século.
Dando início ao encerramento desta postagem, seguem alguns trechos extraídos de um excelente livro de Joan Chittister intitulado "Bem-vindo à sabedoria do mundo - O que as grandes religiões nos ensinam para viver melhor", intercalados com alguns comentários feitos por mim.
"Esse homem modelou sua vida em torno de uma pequena loja de esquina numa rua em ruínas, na parte mais pobre da cidade, servindo pessoas a quem o resto do país ainda recusava água em bebedouros e comida em balcões de lanchonete. Não, o Eddie nunca ganhou um milhão de dólares, mas ganhou um milhão de corações e mudou muitas crianças, ao fazê-las pensar sobre si mesmas com mais valor."
Não, "o Eddie nunca ganhou um milhão de dólares". Não, o Eddie nunca teve os privilégios de um general. Em vez de uma vida em um condomínio fechado que o livrasse do convívio com os diferentes (sic), ele modelou sua vida em torno de uma pequena loja de esquina numa rua em ruínas, na parte mais pobre da cidade, servindo pessoas a quem o resto do país ainda recusava água em bebedouros e comida em balcões de lanchonete. Em outras palavras, aos "invisíveis" a que me referi no terceiro parágrafo acima. E ao modelar sua vida dessa forma, Eddie tornou-se um modelo a ser seguido por todos aqueles que ainda almejem tornar este mundo algo que preste.
"Eddie nos transmitiu a cultura. Ele era um exemplo de vida intelectual. Adorava ópera, leitura, arte e uma boa conversa, sobretudo conversas. (...) Ele nunca terminou a faculdade, mas leu bem mais que a maioria dos professores, fez mais perguntas que a maioria dos cientistas e exigiu respostas melhores que a maioria dos profissionais. (...) Tinha seu jeito próprio de rejeitar qualquer ideia que não lhe agradasse. (...) Mas, no fim, sempre conseguia fazer exatamente o que queria: nos provocar para refletir a respeito de algo , inúmeras vezes. Por fim, Eddie nos transmitiu uma visão do que deveria ser, em vez do que é. Em níveis local, nacional e global, suas metas eram altas e seus valores corretos."
"Adorava, sobretudo conversas (...) sempre conseguia fazer exatamente o que queria: nos provocar para refletir a respeito de algo (...) nos transmitiu uma visão do que deveria ser, em vez do que é.", eis algo que Joan Chittister revela sobre Eddie, que morreu aos 92 anos. Conversas, reflexões e a transmissão de uma visão do que deveria ser, em vez do que é, ou seja, a transmissão da imprescindibilidade de mudarmos. Portanto, no meu entender, o que Eddie fez foi exemplificar o que é preconizado nesta postagem.
"Quando Eddie morreu, crianças pequenas e homens crescidos choraram."
E ao falar sobre a reação das pessoas diante da morte de Eddie, Joan Chittister leva-me a fazer duas indagações e uma sugestão. Quando o referido general morrer, quem chorará por ele? Quando eu morrer, quem chorará por mim? A sugestão? Que cada um faça a si mesmo a segunda indagação. E que feita a indagação, reflita sobre a resposta que tenha obtido. Estamos conversados?
Tentando encerrar esta já longa postagem, segue uma frase elaborada a partir do acréscimo de um trecho ao seu título: "com mudança a gente torna". Torna do verbo tornar. Tornar com o sentido de fazer passar de (um estado ou condição) [a outro, a outra]. Fazer passar de uma condição a outra; a outra melhor do que a atual.
"Com conversa a gente reflete; com reflexão a gente muda; com mudança a gente torna.". A gente torna este mundo melhor ou pior, dependendo da qualidade da mudança em cada um de nós. Afinal, considerando "que a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes", é a partir da mudança para melhor de cada um deles que, algum dia, a sociedade poderá ser tornada algo que preste. Estamos conversados?

Nenhum comentário: