quarta-feira, 28 de junho de 2023

Devo mentir para os clientes a pedido do meu chefe?

Segue mais uma postagem surgida a partir de algo que li e que provocou-me a seguinte exclamação: isso dá uma postagem! O que provocou esta? Um anúncio publicado regularmente no jornal Valor Econômico reproduzido a seguir.
Devo mentir para os clientes a pedido do meu chefe?
Acesse o blog Divã Executivo no site do Valor Econômico e conheça essas e outras questões de nossos leitores, respondidas por especialistas em gestão de carreira.
Leia em:
www.valor.com.br/carreira/diva-executivo
Acessei o blog, mas não consegui conhecer as respostas dos especialistas, pois, diferentemente deste, para visualizar alguma coisa naquele blog é necessário ser assinante. Considerando que sair por aí fazendo assinatura de tudo o que nos é oferecido é algo fora de propósito, a resposta à indagação que intitula o anúncio oferecida gratuitamente neste blog será dada sem considerar o que dizem os especialistas em gestão de carreira do referido blog, e levando em conta apenas o que foi vivenciado por um generalista durante as 3,7 décadas de sua longa e bem sucedida carreira. Resposta que será antecedida por algumas explicações que considero indispensáveis.
Iniciando as explicações, seguem algumas considerações sobre especialistas e generalistas. Coincidentemente, no mesmo jornal em que encontrei o anúncio que provocou esta postagem, encontrei também uma página dedicada à divulgação de livros. Página na qual entre os seis livros nela apresentados está um de David Epstein intitulado "Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas". Ao lado de uma foto da capa há uma apresentação do livro composta pelas seguintes palavras: "Recomendado por Bill Gates como um dos melhores livros de 2020. Indispensável para quem deseja transformar os seus interesses em múltiplas áreas em carreiras de sucesso". Capa na qual a palavra "ESPECIALISTAS" é assinalada com um "X" que vai do "E" até o "S".
 

Ainda falando em especialistas, segue um trecho extraído da descrição do meu perfil no blog. "Acredito que a especialização seja um dos grandes males da civilização, pois a vida é sistêmica e jamais será entendida enquanto não a olharmos como um conjunto de partes inter-relacionadas e nos interessarmos por todas as suas partes."
Prosseguindo com as explicações, seguem algumas considerações sobre dar (ou vender) soluções para problemas que nos forem apresentados e responder indagações que nos forem feitas. Na condição de consultor não diretivo, tenho a dizer o seguinte: nas duas situações, se a intenção for oferecer algo que preste a (ao) solicitante, é imprescindível conversar previamente com ela (e) para entender perfeitamente o problema a ser solucionado ou a indagação a ser respondida. Oferecer soluções para problemas e respostas para indagações que não tenhamos entendido perfeitamente é algo que jamais deveríamos fazer.
Para quem não sabe, e também para quem sabe, em linhas gerais, consultor não diretivo é aquele que diferentemente do diretivo, em vez de oferecer soluções ou respostas prontas, busca, juntamente com a (o) solicitante, encontrar a verdadeira solução para o problema que lhe foi apresentado ou a resposta correta para a indagação que lhe foi feita. A postagem publicada em 03 de abril de 2012 é intitulada "Os dois tipos de consultores". Postagem que, segundo minha "insuspeita" opinião, vale a pena ler.
Embora possa parecer algo inacreditável nos dias de hoje, já houve tempos em que os sistemas de informação eram feitos sob medida para quem os fosse usar em vez de comprados prontos (sic) e remendados para tentar adequá-los às necessidades de quem os fosse usar.
Tempos em que desenvolver sistemas de informações implicava no aprendizado por parte dos analistas de sistemas das tarefas desempenhadas pelos usuários e das informações nelas envolvidas, para que, de posse de tal aprendizado, pudessem desenvolver um sistema de informações que trabalhasse para os usuários e não um para o qual os usuários tivessem que trabalhar. Afinal, por mais incrível que possa parecer, a finalidade de um sistema de informações é servir aos usuários em suas tarefas e não fazer os usuários a ele servirem.
Como consequência natural dessa forma de trabalhar, o analista tornava-se alguém cujo conhecimento das tarefas dos usuários conseguia até superar o dos usuários. Foi dessa forma que, atuando durante um enorme período desenvolvendo sistemas para a Área Contábil da empresa em que trabalhei durante 3,5 décadas adquiri um conhecimento que levou-me a receber inúmeros convites para transferir-me da Área de TI e tornar-me um funcionário da Área Contábil. O que o que acabo de relatar tem a ver com o tema desta postagem? O próximo parágrafo responde esta indagação.
Em uma das inúmeras vezes em que estive trabalhando nas instalações da Área Contábil ouvi de um dos chefes de divisão, que estava entre os que haviam me convidado para transferir-me, algo mais ou menos assim: "Vamos ter uma reunião agora para tratar do assunto tal, então eu vou pedir a você para participar. Vou pedir porque você ainda não é da Área Contábil, pois, se já fosse eu não pediria, eu mandaria". Em uma demonstração da veracidade de um antigo ditado que diz que "Quem fala o que quer pode ouvir o que não quer", aquele chefe ouviu o seguinte: "É devido a declarações desse tipo que jamais aceitarei um convite para transferir-me para cá".
Portanto, antes de responder a questão que intitula o anúncio, há a necessidade de corrigi-la. Não, ao contrário do que é dito no anúncio, chefes não pedem, chefes mandam. Quem pede são os subordinados. Pedem e não são atendidos, pois uma das formas mais usadas por chefes para demonstrarem autoridade é, exatamente, negar os pedidos dos subordinados.
Encerradas as indispensáveis explicações e feita a devida correção, vamos à minha resposta à indagação que intitula o anúncio:
Devo mentir para os clientes a mando do meu chefe?
"O que se é obrigado a fazer ou a evitar. Obrigação moral. O que impõem a consciência moral, as leis ou os costumes", eis alguns significados encontráveis em dicionários para a palavra dever. Para interpretar a indagação que compõe o titulo do anúncio será usado o primeiro: "o que se é obrigado a fazer". Significado que, aplicado no título do anúncio, deixa-o assim:
Sou obrigado a mentir para os clientes a mando do meu chefe?              
Ser obrigado a fazer o que quer que seja, eis uma questão sobre a qual tenho uma opinião formada há mais de meio século. Na época em que estudei na UFRJ (1971 -1974), pelo regulamento da Universidade havia para cada matéria três provas das quais duas eram consideradas e uma era desprezada. Talvez devido a esse regulamento, durante a realização das provas havia sempre algum aluno que fazia a seguinte pergunta: "Professor, esta prova é obrigatória?" Pergunta que, várias vezes, respondi pelo professor com uma resposta mais ou menos assim: "Não, nenhuma prova é obrigatória. Não fazer e ficar com zero é sempre uma opção." Estendendo a resposta: "Não, nada na vida é obrigatório fazer. O que é obrigatório é aguentar as consequências, tanto por fazer quanto por não fazer."
Dito isto, creio que seja fácil deduzir que minha resposta à indagação que intitula o anúncio é não. Não, você não é obrigado a mentir porque o seu chefe mandou, o que você é obrigado é a aceitar uma punição por não ter sido obedecido. Afinal, como diz uma máxima que rege o teatro, digo, o mundo corporativo, "Manda quem pode e obedece quem tem juízo"? E o que é ter juízo? É não contrariar quem manda, pois contrariar costuma resultar em algo indesejável. No caso em questão, não obedecer pode custar o emprego. E neste mundo em que a escassez de empregos é a cada dia maior, devido à substituição do ser humano por alguma invenção tecnológica, também a cada dia maior, perder um emprego é algo que pode tornar você inelegível para um novo emprego não por apenas oito anos, mas até mesmo para o restante de sua vida.
Portanto, decidir se deve ou não mentir porque o chefe mandou é algo que, no meu entender, independentemente da resposta dada por alguém a quem se consulte, caberá sempre ao consulente, levando em conta suas condições econômicas, financeiras e empregatícias (possibilidade de conseguir um novo emprego). Compreendido?
Um dos efeitos colaterais da crescente e atemorizante escassez de empregos, neste insano mundo regido por um deus denominado mercado, é um correspondente aumento da quantidade de mentirosos.
O que é dito acima constitui a resposta de um generalista fornecida gratuitamente, neste blog. A quem quiser compará-la com as respostas de especialistas vendidas no referido blog do site, faço o seguinte alerta: os especialistas têm chefe que manda e o cliente é você.

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