Coronavírus desvenda um Brasil invisívelQuase nunca à vista de grande parte da população, a miséria e a falta de infraestrutura estão à mostra(O Globo, 12 de abril de 2020)'Invisíveis' precisam de atenção social permanente, dizem especialistas(O Globo, 19 de abril de 2020)Milhões de apátridas "invisíveis" podem ficar desamparados se contraírem coronavírus(REUTERS, 31 de março de 2020)
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"Aprender não é opcional. Opcional
é o jeito como se aprende. Afinal, a maior função da vida é aprender. Aprender por
bem ou por mal; pelo bem ou pela dor.", diz Eduardo Marinho em um de seus
inúmeros vídeos.
Oferecer, a uma espécie obstinada
em não aprender pelo bem, uma oportunidade de aprender pela dor, eis, no meu
entender, uma função do coronavírus. Função que pode ser identificada no belíssimo texto de Pedro Aihara publicado na edição
de 02 de abril de 2020 do jornal EL PAÍS e
espalhado por este blog pela postagem de 12 de abril de 2020. Um texto
intitulado Coronavírus escancarou a conta do nosso egoísmo.
Função que pode ser
identificada também pela simples leitura do primeiro dos três títulos de
notícias escolhidos para iniciar esta postagem: Coronavírus desvenda um Brasil invisível.
Títulos escolhidos pelo fato de conterem uma de duas palavras sobre as quais o
coronavírus joga luz: invisível e invisíveis. E ao jogar luz sobre elas,
ele propicia a oportunidade para espalhar um texto que há algum tempo eu
desejava espalhar. Um texto encontrado no livro A Arte de Pertencer – Os invisíveis do nosso século de autoria de
Fernando Moraes, publicado em 2015 pela editora Novas Ideias.
Um
texto de um ativista social e humanista. De alguém que cursou Ciências Sociais,
Filosofia, Teologia e Direito. Especialista em Elaboração e Gerenciamento
de Projetos Sociais e professor universitário. Que participou da elaboração de
Projetos de Desenvolvimento Comunitário para o Timor Leste, Paraguai, Venezuela
e em comunidades sertanejas do Nordeste brasileiro. Que foi Consultor Social da
OIKOS Portugal – Cooperação e Desenvolvimento em Angola (Luanda e Huíla). Que foi
consultor voluntário da Adra (Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos
Assistenciais) na Bahia e na Amazônia, para projetos sociais e de formação de
lideranças no Sertão. Ou seja, um texto elaborado por alguém que, no meu
entender, está muito qualificado para falar sobre o tema nele focalizado.
"Os
"invisíveis" do novo século
A invisibilidade social é historicamente retratada nas
sociedades humanas, e tem sido um grande desafio no século que vivemos. Cada
vez mais as pessoas se fecham em seus mundos, distanciam-se do que é comum,
criam e recriam ambientes específicos para seu transitar, já definindo quem
desejam encontrar e quem não querem ver pela frente, quem faz parte desse
mundinho nos altos muros e quem representa uma ameaça a sua zona de conforto.
Sempre que posso vou comprar pão numa padaria perto de
casa. Aliás, adoro padarias, gosto do ambiente e do tradicional pão na chapa
com o cafezinho. Bem acomodado em uma das mesas, fico observando o movimento.
Certa manhã, por volta das 7 horas, havia gente entrando e saindo a todo
momento. À porta do estabelecimento, uma senhora uniformizada entregava as
comandas aos clientes que chegavam. Naquela correria de início de dia, as
pessoas entravam rapidamente, pegavam a comanda e em sua maioria nem sequer
olhavam para a mulher. Aquilo ficou na minha memória por algum tempo.
Dias depois, voltei à padaria no mesmo horário. Mais uma
vez, lá estava a senhora à porta entregando as comandas. Quando me aproximei
para pegar a minha, cumprimentei-a com um alto e entusiasmado "Bom dia".
Ela levou um susto, respondeu meio atrapalhada e eu segui em frente, procurei
uma mesa e, para não perder o costume, pedi um café e um pão na chapa, sem o
miolo. Fiquei ali observando o vaivém do público e refletindo sobre o fato de
as pessoas não enxergarem mais as pessoas. Tudo ficou automatizado. Para
muitos, aquela senhora é apenas parte do cenário. As nossas urgências são
maiores do que um simples "Bom dia", "Como vai?",
"Tudo bem com você?". Lembremos que a mulher chegou a se assustar diante
do meu cumprimento, tão acostumada que está à invisibilidade naquela porta de
padaria.
Quando jovem, tive a felicidade de trabalhar com um
grande pensador e empreendedor, que tinha o dom de tocar a alma das pessoas com
seus ideais. Acredito que ele tenha sido uma das minhas grandes motivações na
área social. Luis Norberto Pascoal me ensinou pelo amor e pela dor, sempre
terno quando me inseria num processo educativo e austero quando exigia algo à
altura da minha capacidade. Ele me ensinou, num momento difícil, o valor do
caráter, ajudando a me tornar resiliente diante da vida.
Esse meu mestre sempre fazia questão de falar por meio do
imaginário. Exímio contador de histórias, ele uma vez descreveu, com
entusiasmo, a história do Fantasma da Ópera, pois inúmeras vezes havia
assistido ao famoso espetáculo em Nova York. Lembro-me de ter ouvido
atentamente o seu relato. O fantasma, por ter o rosto desfigurado, sentia-se
excluído e, para esconder seu problema, passou a usar uma máscara e a viver
escondido num porão de teatro.
Depois de explicar cada detalhe da história – e de eu
ficar imaginando como seria o espetáculo -, com sua grande habilidade para
fazer refletir, começou a fazer uma comparação desse famoso enredo com a vida
de milhões de pessoas que, assim como o Fantasma da Ópera, vivem oprimidas,
carregando consigo uma marca de deformação social, de exclusão e de apatia.
"Esses indivíduos são frustrados em seus sonhos, banidos
de seus valores; crescem ignorantes de seus direitos, vivendo em favelas,
sótãos, porões e debaixo de pontes. A diferença é que a mascara do fantasma de
hoje é o seu próprio rosto.
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Com sua grande habilidade para fazer refletir, Luis
Norberto Pascoal começou a fazer uma comparação do famoso enredo do Fantasma da Ópera com a vida de milhões
de pessoas que, assim como o fantasma, vivem oprimidas, carregando consigo uma
marca de deformação social, de exclusão e de apatia. Comparação apresentada a seguir.
"Por ter o rosto desfigurado, sentindo-se excluído e, para esconder seu problema, o Fantasma da Ópera passou a usar uma máscara e a viver escondido num porão de teatro."
"Por terem frustrados os seus sonhos, serem banidos de seus valores, crescerem ignorantes de seus direitos, esses indivíduos passaram a viver em favelas, sótãos, porões e debaixo de pontes."
Comparação
que leva Luis Norberto Pascoal a seguinte conclusão: a diferença entre o
Fantasma da Ópera e esses indivíduos é que a máscara desses fantasmas é o seu
próprio rosto. Rosto que, no meu entender, torna-os "invisíveis", e dessa
forma faz-me repetir aqui o título da segunda notícia reproduzida no início da
postagem. - 'Invisíveis'
precisam de atenção social permanente, dizem especialistas. Título que faz-me lembrar, imediatamente, a
seguinte afirmação do psiquiatra japonês Tamaki Saito (1961 - ....).
"Uma sociedade que abandona os fracos e só valoriza os fortes não é uma sociedade de verdade."
Ou seja, dentro da função de
oferecer oportunidades de aprendizado pela dor, além das possibilidades
trazidas pelo "escancarar a conta do nosso egoísmo" e pelo "desvendar
um Brasil invisível", identifico no coronavírus mais uma relevante possibilidade
por ele trazida: "desvendar uma sociedade fajuta".
Sim, "Aprender não é opcional. Opcional
é o jeito como se aprende. Afinal, a maior função da vida é aprender. Aprender por
bem ou por mal; pelo bem ou pela dor.".
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