Em maio
de 2018, durante a elaboração da postagem "A cura para todos
os males", ocorreu-me a seguinte indagação - Será que, em meio a
tantas datas comemorativas, existe um dia comemorativo do abraço? Indagação
para a qual fui buscar uma resposta no oráculo destes tempos. E foi assim que
encontrei no Google a informação de que no dia 22 de maio é comemorado o Dia
Mundial do Abraço. Feita a descoberta, pensei em dali em diante postar
mensagens alusivas a tal dia. Fiz isso em 2019 e
volto a fazê-lo neste ano. Ano em que, devido a medidas tomadas no sentido de
minimizar os efeitos de uma pandemia, esse dia não poderá ser devidamente
comemorado, porém, no meu entender, precisa ser lembrado. Portanto, com a
intenção de lembrá-lo segue uma reportagem de Fernanda Ezabella intitulada Califórnia
oferece sessões pagas com abraços e cafunés. Publicada na edição de 10 de
setembro de 2019 do jornal Folha de S.Paulo guardei-a para espalhá-la neste
dia.
Contra a solidão, Califórnia oferece sessões pagas com abraços e cafunés
'Festas do carinho' requerem consentimento e ajudam de solteiros a pessoas com traumas
VENICE
(CALIFÓRNIA) O sorridente
Fahad Alghamdi recebe os convidados na porta do estúdio. Ele rejeita meu aperto
de mão escondendo os braços nas costas e me devolve: "O que acha de um
abraço?" Como estamos no Cuddle Sanctuary (algo como santuário do
carinho), penso que é melhor entrar no espírito. Ficamos abraçados por poucos segundos.
Alghamdi, 33, frequenta
o espaço há seis meses, na praia de Venice, em Los Angeles. "Procurava um lugar
para uma conexão humana mais profunda", diz o programador da Arábia
Saudita, nos EUA faz cinco anos. "Os benefícios são muitos para minha
saúde mental. Aprendi a me comunicar melhor também. E adoro quando rola um
trenzinho de abraços."
"Cuddle
parties", ou festas de carinho, são eventos sociais para adultos que podem
envolver diversos tipos de abraços, alguns com nomes curiosos como
"coala" ou "colo do luxo", além de afagos, mãos dadas e
cafunés. A interação não deve ter conotação sexual e há regras detalhadas sobre
consentimento.
"É como um
workshop de comunicação avançada disfarçado de festa do pijama", define um
dos diretores da ONG americana Cuddle Party, pioneira do movimento há 15 anos,
ajudando a organizar eventos e treinar líderes em cinco países.
"Fornecemos um espaço seguro para carinho platônico num mundo privado de
contato."
Há ciência por
trás dos abraços. Uma boa sessão de chamego libera substâncias do bem-estar no
organismo que reduzem níveis de stress e depressão. Um em cada cinco americanos
diz se sentir solitário, e autoridades já alertam para uma epidemia da solidão
e suas consequências: isolamento social pode ser tão nocivo à saúde quanto
fumar 15 cigarros por dia.
No estúdio em
Venice, sentamos em círculo no chão coberto de almofadas e cobertores. Para os
novatos, há uma orientação de 15 minutos antes da sessão principal de quase
duas horas, da qual participam 16 pessoas, incluindo sete mulheres. O preço é
US$ 25 (ou US$ 200 para dez eventos ou mensalidade de US$ 60).
Quem lidera é a criadora do Cuddle Sanctuary, a
americana Jean Franzblau, 48, uma mulher baixinha cheia de energia e cabelos
levemente grisalhos. Nos finais de semana, ela costuma distribuir abraços de
graça na feira de orgânicos em Santa Mônica, praia vizinha a Venice.
"Peça e espere a resposta", ela explica sobre uma das regras de consentimento. "E peça sem
gesticular", continua. O primeiro exercício da noite é dizer não. Em
pares, cada um precisa pedir uma coisa e o outro, rejeitar.
Conversamos sobre o sentimento de rejeição. Alghamdi diz que aprendeu a
não se incomodar: prefere um abraço genuíno do que um ambíguo. Para Franzblau,
vivemos numa cultura em que o contato está relacionado a dramas e traumas.
Homens aprendem que o único toque possível é o sexual, e as mulheres aprendem a
se defender.
"Aqui é um ambiente seguro, o contato não é algo para ganhar
pontos. Não é um mercado de carne", explica Franzblau, cujo trabalho fora
do santuário é dar treinamentos de comunicação para empresas.
Outras regras práticas são: não usar perfumes e roupas com cheiro forte
de amaciante, manter-se sóbrio, sem contato em áreas íntimas e, se acontecer
uma ereção, não entrar em pânico. "É uma resposta natural e não há que se
envergonhar", explica o site do santuário. "Recomendamos mudar de
posição e mudar sua atenção para que a experiência seja platônica."
Na posição "olhar para as estrelas", fico deitada ao lado de
uma psicóloga loira sul-africana e só nossos ombros se encostam. Conversamos
por bons minutos e no final damos as mãos. Quando o exercício vira um grupo de
cinco e podemos tocar apenas do joelho para baixo, ela prefere não participar.
Piso no pé de vários estranhos, com consentimento. Rola uma camaradagem, damos
risadas e então vem a pergunta misteriosa:
"Você quer ser o coala da minha árvore?" O rapaz magrela
explica: um fica estirado no chão de braços abertos, como uma árvore, e o outro
abraça de um lado, como um coala. Vejo que Franzblau tem dois homens deitados
em seu colo, e os três conversam enquanto ela lhes faz cafuné. É a posição
"colo do luxo duplo".
Do movimento das festas de carinho, surgiram também terapeutas para
sessões particulares (a partir de US$ 60 por uma hora). Há sites que oferecem
treinamento online, como o Cuddlist, fundado em 2015. O site informa já ter
treinado mais de 1.300 terapeutas e mostra perfil de mais de cem profissionais.
"Nossa missão é educar o público sobre a necessidade saudável e
normal do contato platônico”, explica a cocriadora do Cuddlist, Madelon
Guinazzo. "Vejo epidemias de solidão, ansiedade e depressão como sintomas
dessa necessidade. E o carinho ajuda."
A maioria dos frequentadores dos eventos e dos clientes são solteiros e
homens. Há também pessoas com traumas e às vezes casais em que um parceiro tem
aversão a contato. Franzblau acredita que a razão da alta frequência masculina
é porque vivemos numa sociedade patriarcal.
"Sabemos qual é a profissão mais antiga do mundo. Eles estão
acostumados a pedir ajuda profissional para suas necessidades. Já para as
mulheres, o mais perto disso é a massagem", diz Franzblau.
Susan Lee, uma ruiva de olhos claros de 55 anos, frequenta as festas de
carinho há três anos e já liderou algumas só para mulheres. Ela conheceu a
Cuddle Party após indicação de uma amiga, na época em que havia terminado um
relacionamento de 12 anos.
"Contato
físico sempre foi importante para mim e sentia falta. Queria achar uma maneira
de atender minhas necessidades antes de voltar a sair com outras pessoas",
diz Lee, que é formada em ciência da computação e hoje trabalha como "life
coach".
São quase 21h30 quando Franzblau avisa que o evento está acabando.
Estou no meio de uma conchinha de cinco pessoas, quase tirando um cochilo. Um
jovem ao meu lado pede um carinho na barriga antes da sessão terminar. Todos se
levantam e damos um abraço coletivo.
"Você foi a melhor árvore que eu tive em muito, muito tempo",
elogia Alghamdi, pedindo permissão para um último abraço de despedida.
*************
Lida na
época de sua publicação, há quase 8,5 meses, a reportagem de Fernanda
Ezabella provocou-me muitas reflexões; espalhada
neste Dia Mundial do Abraço, durante
uma terrível pandemia, provoca-me muitas mais.
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