quinta-feira, 28 de maio de 2020

Reflexões provocadas por "Contra a solidão, Califórnia oferece sessões pagas com abraços e cafunés"

"Abraçar é encostar o coração no outro"
(Mensagem que encontrei em um stencil para pintura)
"Há ciência por trás dos abraços. Uma boa sessão de chamego libera substâncias do bem-estar no organismo que reduzem níveis de stress e depressão.", diz Fernanda Ezabella em reportagem intitulada "Contra a solidão, Califórnia oferece sessões pagas com abraços e cafunés".
E ao dizer que "há ciência por trás dos abraços", Fernanda leva-me a elaborar a seguinte paráfrase: "Há coincidência por trás de sua reportagem.", e eu explico. No outro lado da folha em que é apresentada a reportagem de Fernanda, há uma reportagem de Matheus Moreira intitulada "A cada 40 s, 1 pessoa tira a própria vida no mundo, diz OMS".
Abraços de um lado; suicídios do outro. De um lado, "liberação de substâncias do bem-estar no organismo que reduzem níveis de stress e depressão"; do outro, "extinção da própria vida.". A coincidência? Em ambos a questão de como lidar com a própria vida. Em um dos lados, melhorando-a; no outro tirando-a. Será que faz sentido afirmar que "liberar substâncias que reduzem níveis de stress e depressão" reduz também a probabilidade de pensar em cometer suicídio? Ou, em outras palavras, será que aumentar a possibilidade de abraçar diminui a possibilidade de pensar em se matar? Deixando-lhes esta indagação, seguem alguns trechos da reportagem de Fernanda Ezabella e algumas reflexões por eles provocadas.
"Nossa missão é educar o público sobre a necessidade saudável e normal do contato platônico”, explica a cocriadora do Cuddlist, Madelon Guinazzo. "Vejo epidemias de solidão, ansiedade e depressão como sintomas dessa necessidade. E o carinho ajuda."
"Fornecemos um espaço seguro para carinho platônico num mundo privado de contato.", diz um dos diretores da ONG americana Cuddle Party, pioneira do movimento há 15 anos.
"Para a americana Jean Franzblau, 48, criadora do Cuddle Sanctuary, 'vivemos numa cultura em que o contato está relacionado a dramas e traumas. Homens aprendem que o único toque possível é o sexual, e as mulheres aprendem a se defender'".
Necessidade saudável e normal do contato platônico. Necessidade cujos sintomas podem ser vistos em epidemias de solidão, ansiedade e depressão em um mundo privado de contato. Necessidade que o carinho platônico ajuda a suprir nesta cultura em que, equivocadamente, homens aprendem que o único toque possível é o sexual, e as mulheres aprendem a se defender.
"Homens aprendem que o único toque possível é o sexual, e as mulheres aprendem a se defender.", diz a americana Jean Franzblau em uma afirmação que uso aqui para estendê-la ao modo com muitos homens brasileiros abraçam homens. Para a maioria deles, a afirmação contida na epígrafe - "Abraçar é encostar o coração no outro" – não é válida, pois ao abraçarem-se eles o fazem, digamos, de lado, e não frente a frente. Mas será que o "aprendizado que o único toque possível é o sexual" restringe-se aos homens? O parágrafo abaixo tem a intenção de ajudá-los a responder esta indagação.
Sendo alguém que gosta muito de crianças, sempre fui bastante carinhoso com elas e elas comigo. Sabem o que isso me rendeu há algum tempo? Uma advertência feita pela minha esposa. Qual foi a advertência? Você tem que parar com essa mania de abraçar crianças e deixar-se abraçar por elas para não correr o risco de ser visto como pedófilo. Segundo ela, tal advertência já fora feita a outras pessoas. Que mundo é esse, gente?! Como é que se pode explicar a uma criança que queira lhe abraçar que ela não deve fazer isso para que você não seja visto como pedófilo? Por que privar uma criança da "necessidade saudável e normal do contato platônico". Sim, como diz Jean Franzblau, vivemos numa cultura em que o contato está relacionado a dramas e traumas. E tomem traumas!
Traumas causados pelo não suprimento da necessidade saudável e normal do contato platônico que poderia ser obtido por meio de um carinhoso abraço. Que raça complicada, hein! Uma raça estupidamente persistente que jamais desiste de causar males a si mesma. Será que está correta aquela conhecida afirmação de Albert Einstein? "Existem apenas duas coisas infinitas – o universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao universo."
Traumas que algum dia terão que ser superados para evitar mais ocorrências a serem incluídas em alguma estatística do tipo da que intitula a reportagem de Matheus Moreira citada no segundo parágrafo desta postagem - "A cada 40 s, 1 pessoa tira a própria vida no mundo, diz OMS".
"O sorridente Fahad Alghamdi recebe os convidados na porta do estúdio. Ele rejeita meu aperto de mão escondendo os braços nas costas e me devolve: 'O que acha de um abraço?'. Como estamos no Cuddle Sanctuary (algo como santuário do carinho), penso que é melhor entrar no espírito. Ficamos abraçados por poucos segundos.", diz Fernanda Ezabella, jornalista e correspondente do jornal Folha de S.Paulo em Los Angeles.
"Procurava um lugar para uma conexão humana mais profunda", diz o programador da Arábia Saudita, nos EUA faz cinco anos. "Os benefícios são muitos para minha saúde mental.", acrescenta Alghamdi, 33, que frequenta o Cuddle Sanctuary na praia de Venice, em Los Angeles, há seis meses.
Uma conexão humana mais profunda da qual resultam muitos benefícios para sua saúde mental, eis como Fahad Alghamdi enxerga a possibilidade da simples troca de um frio aperto de mão por um abraço, mesmo que seja por poucos segundos, e não um daqueles calorosos que Matheus Rocha considera A cura para todos os males.
"Vejo epidemias de solidão, ansiedade e depressão como sintomas da necessidade saudável e normal do contato platônico", diz a cocriadora do Cuddlist, Madelon Guinazzo.
Vejo uma pandemia causada pelo coronavírus como sintoma da necessidade saudável e normal de um abraço, digo eu, baseando-me em recentes notícias mostrando pessoas que recorreram a capas plásticas para poderem abraçar pessoas queridas sem o risco de contaminação.
Vejo uma pandemia escancarando a necessidade saudável e normal de um abraço. Necessidade cujo suprimento é tão imprescindível que pessoas dispõem-se até a pagar por ele, como mostra a reportagem de Fernanda Ezabella. Imprescindibilidade negligenciada por uma imensa maioria de pessoas fascinadas pela "vida virtual" oferecida pelo estupendo desenvolvimento tecnológico ao seu dispor. Desenvolvimento que, embora esteja sendo extremamente útil neste período de pandemia, no meu entender, jamais poderá substituir a necessidade saudável e normal do contato platônico; do contato proporcionado por um verdadeiro abraço.
O que eu não vejo? Quando é que a imensa maioria da autodenominada espécie inteligente do universo enxergará tal imprescindibilidade? Será que esta pandemia será suficiente para fazê-la enxergar? No meu entender, não. Vejo a data de validade da afirmação de Einstein como algo ainda distante.

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