"Abraçar é
encostar o coração no outro"
(Mensagem que encontrei em um stencil para
pintura)
"Há ciência por trás dos abraços. Uma boa sessão de chamego libera
substâncias do bem-estar no organismo que reduzem níveis de stress e
depressão.", diz Fernanda Ezabella em reportagem intitulada "Contra a solidão, Califórnia oferece sessões pagas com abraços e cafunés".
E ao dizer que
"há ciência por trás dos abraços", Fernanda leva-me a elaborar a
seguinte paráfrase: "Há coincidência por trás de sua reportagem.", e
eu explico. No outro lado da folha em que é apresentada a reportagem de
Fernanda, há uma reportagem de Matheus
Moreira intitulada "A cada 40
s, 1 pessoa tira a própria vida no mundo, diz OMS".
Abraços de um lado; suicídios do outro. De um lado, "liberação de substâncias
do bem-estar no organismo que reduzem níveis de stress e depressão"; do
outro, "extinção da própria vida.". A coincidência? Em ambos a
questão de como lidar com a própria vida. Em um dos lados, melhorando-a; no
outro tirando-a. Será que faz sentido afirmar que "liberar substâncias que
reduzem níveis de stress e depressão" reduz também a probabilidade de pensar
em cometer suicídio? Ou, em outras palavras, será que aumentar a possibilidade de
abraçar diminui a possibilidade de pensar em se matar? Deixando-lhes esta
indagação, seguem alguns trechos da reportagem de Fernanda Ezabella e algumas
reflexões por eles provocadas.
"Nossa missão é educar o público sobre a necessidade saudável e normal do contato platônico”, explica a cocriadora do Cuddlist, Madelon Guinazzo. "Vejo epidemias de solidão, ansiedade e depressão como sintomas dessa necessidade. E o carinho ajuda."
"Fornecemos um espaço seguro para carinho platônico num mundo privado de contato.", diz um dos diretores da ONG americana Cuddle Party, pioneira do movimento há 15 anos.
"Para a americana Jean Franzblau, 48, criadora do Cuddle Sanctuary, 'vivemos numa cultura em que o contato está relacionado a dramas e traumas. Homens aprendem que o único toque possível é o sexual, e as mulheres aprendem a se defender'".
Necessidade saudável e normal do contato platônico. Necessidade cujos
sintomas podem ser vistos em epidemias de solidão, ansiedade e depressão em um
mundo privado de contato. Necessidade que o carinho platônico ajuda a suprir
nesta cultura em que, equivocadamente, homens aprendem que o único toque possível é
o sexual, e as mulheres aprendem a se defender.
"Homens aprendem que o único toque possível é o sexual, e as
mulheres aprendem a se defender.", diz a americana Jean Franzblau em uma
afirmação que uso aqui para estendê-la ao modo com muitos homens brasileiros abraçam
homens. Para a maioria deles, a afirmação contida na epígrafe - "Abraçar é encostar o coração no outro" – não é válida, pois ao
abraçarem-se eles o fazem, digamos, de lado, e não frente a frente. Mas será
que o "aprendizado que o único toque possível é o sexual" restringe-se aos homens? O parágrafo abaixo tem a intenção de
ajudá-los a responder esta indagação.
Sendo alguém que gosta muito de crianças, sempre fui bastante carinhoso
com elas e elas comigo. Sabem o que isso me rendeu há algum tempo? Uma
advertência feita pela minha esposa. Qual foi a advertência? Você tem que parar
com essa mania de abraçar crianças e deixar-se abraçar por elas para não correr
o risco de ser visto como pedófilo. Segundo ela, tal advertência já fora feita
a outras pessoas. Que mundo é esse, gente?! Como é que se pode explicar a uma
criança que queira lhe abraçar que ela não deve fazer isso para que você não
seja visto como pedófilo? Por que privar uma criança da "necessidade
saudável e normal do contato platônico". Sim, como diz Jean Franzblau,
vivemos numa cultura em que o contato está relacionado a dramas e traumas. E
tomem traumas!
Traumas causados pelo não suprimento da necessidade saudável e normal
do contato platônico que poderia ser obtido por meio de um carinhoso abraço. Que
raça complicada, hein! Uma raça estupidamente persistente que jamais desiste de
causar males a si mesma. Será que está correta aquela conhecida afirmação de Albert
Einstein? "Existem apenas duas coisas infinitas – o universo e a estupidez
humana. E não tenho tanta certeza quanto ao universo."
Traumas que algum dia terão que ser superados para evitar mais ocorrências
a serem incluídas em alguma estatística do tipo da que intitula a reportagem de
Matheus Moreira
citada no segundo parágrafo desta postagem - "A cada 40 s, 1 pessoa tira a própria vida
no mundo, diz OMS".
"O sorridente Fahad Alghamdi recebe os convidados na porta do estúdio. Ele rejeita meu aperto de mão escondendo os braços nas costas e me devolve: 'O que acha de um abraço?'. Como estamos no Cuddle Sanctuary (algo como santuário do carinho), penso que é melhor entrar no espírito. Ficamos abraçados por poucos segundos.", diz Fernanda Ezabella, jornalista e correspondente do jornal Folha de S.Paulo em Los Angeles.
"Procurava um lugar para uma conexão humana mais profunda", diz o programador da Arábia Saudita, nos EUA faz cinco anos. "Os benefícios são muitos para minha saúde mental.", acrescenta Alghamdi, 33, que frequenta o Cuddle Sanctuary na praia de Venice, em Los Angeles, há seis meses.
Uma conexão humana mais profunda da qual resultam muitos
benefícios para sua saúde mental, eis como Fahad Alghamdi enxerga a
possibilidade da simples troca de um frio aperto de mão por um abraço, mesmo
que seja por poucos segundos, e não um daqueles calorosos que Matheus Rocha
considera A cura para todos
os males.
"Vejo epidemias de solidão, ansiedade e depressão como sintomas da necessidade saudável e normal do contato platônico", diz a cocriadora do Cuddlist, Madelon Guinazzo.
Vejo uma pandemia causada pelo coronavírus como sintoma da necessidade
saudável e normal de um abraço, digo eu, baseando-me em recentes notícias
mostrando pessoas que recorreram a capas plásticas para poderem abraçar pessoas
queridas sem o risco de contaminação.
Vejo uma pandemia escancarando a necessidade saudável e normal de um
abraço. Necessidade cujo suprimento é tão imprescindível que pessoas dispõem-se
até a pagar por ele, como mostra a reportagem de Fernanda Ezabella.
Imprescindibilidade negligenciada por uma imensa maioria de pessoas fascinadas
pela "vida virtual" oferecida pelo estupendo desenvolvimento
tecnológico ao seu dispor. Desenvolvimento que, embora esteja sendo extremamente
útil neste período de pandemia, no meu entender, jamais poderá substituir a
necessidade saudável e normal do contato platônico; do contato proporcionado
por um verdadeiro abraço.
O que eu não vejo? Quando é que a imensa maioria da autodenominada
espécie inteligente do universo enxergará tal imprescindibilidade? Será que
esta pandemia será suficiente para fazê-la enxergar? No meu entender, não. Vejo
a data de validade da afirmação de Einstein como algo ainda distante.
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