Não, esta postagem não traz respostas à indagação
contida na imagem usada para iniciá-la. Então, por que a reproduzo aqui? Porque
nela há também uma afirmação que, embora seja apresentada em letras menores,
chama mais minha atenção do que a indagação. Para superar o ódio é preciso entendê-lo, eis a frase que aparece
quase no topo dessa imagem que extraí da edição de 02 de novembro de 2019 do
jornal Folha de S.Paulo.
Por que a
afirmação - Para superar o ódio é preciso
entendê-lo – chama minha atenção? Porque a troca de uma única palavra
possibilita estender seu uso a uma série de outras coisas ruins que não
deveriam existir em algo que faça jus ao termo civilização. Coisas como
racismo, violência, desigualdades, injustiça social, fome, pobreza, terrorismo e
muitas outras que, podendo ser colocadas no lugar dos três pontinhos usados no
título da postagem, levaram-me a querer elaborá-la.
Enxergo - Para superar o (a) ... é preciso entendê-lo
(a) – como uma afirmação perfeita para explicar porque, na civilização (sic)
em que sobrevivemos, não se consegue superar as coisas ruins nela existentes, e
eu explico. Sendo composta por uma imensa maioria que tende a fugir de coisas que
requerem esforço, mesmo que lhes sejam prejudiciais, e por uma diminuta minoria
que se beneficia exatamente com as coisas que prejudicam a imensa maioria, fica difícil a superação das coisas ruins, pois para superá-las é preciso algo
que requer esforço: entendê-las. Beneficiada pelos males que afligem este planeta
(pois atendem aos seus sinistros propósitos), uma diminuta minoria composta
pelos que se consideram donos do mundo, atua, sem cessar, no sentido de desestimular
os prejudicados a tentarem entender como tais males são originados e mantidos. Do livro Um caminho
com o coração, de Jack Kornfield, onde é atribuída à Anne Wilson Schaef,
autora de When Society Becomes an Addict, extraí a seguinte passagem. (Os negritos são meus).
"O elemento mais bem-ajustado da nossa sociedade é a pessoa que não está morta nem viva, apenas entorpecida, enfim um morto-vivo, um zumbi. Quando morta, ela não é capaz de fazer o trabalho da sociedade. Quando plenamente viva, está sempre dizendo 'Não' a muitos dos processos da sociedade, ao racismo, à poluição ambiental, à ameaça nuclear, à corrida armamentista, recusando-se a beber água contaminada e a comer alimentos cancerígenos. Por isso, a sociedade tem o maior interesse em estimular aquelas coisas que tiram o nosso vigor, que nos mantêm ocupados com nossos dilemas e nos conservam ligeiramente entorpecidos e semelhantes a zumbis. Desse modo, nossa moderna sociedade de consumo funciona, ela própria, como um viciado."
Será que faz sentido imaginar
que pessoas entorpecidas sejam capazes de entender o que ocorre ao seu redor? A
postagem de 04 de novembro de 2016 é intitulada Desvio pelo Torpor. Do
livro Um caso de amor com a vida, de Regis de Morais, extraí a seguinte
passagem.
"Gurdjieff e seu discípulo Ouspensky saíram para caminhar pelas ruas de Paris. Após certo tempo caminhando praticamente em silêncio no meio da agitação, Ouspensky segurou o mestre fortemente pelo braço, dizendo-lhe: 'Senhor, tenho a estranha impressão de que estão todos dormindo, só nos dois caminhamos acordados!' O mestre observou que sua impressão era correta. Ambos transitavam entre seres sonambúlicos, ora andando apressados para nada, ora buscando agitadamente ninharias, ora em pesadelos de real sofrimento; mas estavam dormindo. Disse Gurdjieff: 'Você é excelente aluno. Observe que este estado de sonambulismo é de toda, ou quase toda a humanidade. O trabalho a que nos propomos deve ser exatamente o de provocarmos o despertamento dos nossos irmãos.'"
Será que faz sentido imaginar que seres
sonambúlicos sejam capazes de entender o que ocorre ao seu redor? A postagem
de 15 de março de 2015 é intitulada Despertamento. E ao
falar em pessoas entorpecidas, em seres sonambúlicos, não despertos, me vem à
mente outro tipo de indivíduos: os distraídos. E ao lembrar dos distraídos, o
método das recordações sucessivas me traz à mente algo que li na edição de 13
de dezembro de 2019, no jornal Folha de S.Paulo, na coluna de Claudia
Costin.
"Sim, cada vez se lê mais, mas ler em redes sociais – na maior parte das vezes, só o conteúdo expresso no tuíte, desprezando os textos a ele acoplados – não torna a casa em que vivem os jovens mais propícia a estimular a leitura que os prepara para os desafios do século 21. (...) Nunca tivemos tanta informação disponível e nunca foi tão difícil entender o que o texto diz nas entrelinhas, separar o fato de opinião e conectar o que foi lido com um repertório cultural mais amplo."
"A neurocientista Maryanne Wolf, em seu brilhante livro recentemente traduzido para o português, 'O Cérebro no Mundo Digital', mostra que a leitura, uma competência não inata em humanos, como é a fala, demanda passos sequenciais complexos para o seu aprendizado, o que não fazemos com seriedade, e que seu desenvolvimento ao longo da vida demanda um foco que o mundo digital, com suas distrações, vem retirando de nós."
"Um foco que o mundo digital, com suas
distrações, vem retirando de nós", diz Maryanne Wolf. E que, dessa
forma vem nos prejudicando, digo eu, pois, ao contrário do que diz uma bela canção da banda
Titãs, "O acaso não vai me proteger
enquanto eu andar distraído". Distrair-se é algo condenável? Em termos
absolutos, não, mas, se a distração for permanente, sim, pois como diz uma
afirmação atribuída a um mestre que por esta dimensão passou há aproximadamente
dois mil anos – "O sábado foi feito
para o homem e não o homem para o sábado."
"A leitura, uma competência não inata em
humanos, como é a fala, demanda passos sequenciais complexos para o seu
aprendizado", diz Claudia
Costin, em uma afirmação em que trocando "A leitura" por "O entendimento" deixa-a bastante adequada ao tema desta postagem.
Quanto aos passos sequenciais complexos demandados para o aprendizado do entendimento eu enxergo os
seguintes: desentorpecimento, despertamento, percepção, observação, interpretação,
questionamento, reflexão e absorção.
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