"Algumas pessoas nunca aprendem nada porque entendem tudo
muito depressa."
(Alexander
Pope [1688 - 1744], um dos maiores poetas ingleses)
Pouco tempo depois de ter publicado a postagem anterior vieram-me à mente algumas coisas que considero significativas
no que se refere à imprescindibilidade de entender. Sendo assim, optei por elaborar
esta para espalhá-las.
Há muito
tempo, quando eu cursava o ensino primário (hoje denominado ensino
fundamental), havia uma cena bastante comum em dias de prova. Alunos diziam à
professora que não tinham entendido o que era solicitado em determinada questão
e recebiam a seguinte resposta: entender o enunciado faz parte da questão.
Resposta que, felizmente, jamais esqueci. O tempo passou, a vida seguiu e a
atividade à qual dediquei minha vida profissional encarregou-se de mostrar-me
durante todo tempo a veracidade daquela resposta. Sim, entender a exposição que
explica ou demonstra uma questão que nos é proposta é imprescindível para se
chegar à solução.
Atuando na atividade de
desenvolvimento de sistemas, a questão que me era proposta era desenvolver um
sistema de informações que possibilitasse aos seus usuários realizarem suas
atividades cotidianas de uma forma mais segura e confortável. E para conseguir tal
coisa, a primeira tarefa desempenhada por um autêntico analista de sistemas
deveria ser entender as atividades dos futuros usuários, as informações inerentes
a tais atividades e suas relações com informações inerentes a outras atividades
com as quais elas interagissem. Por que usei o verbo dever no futuro do
pretérito? Porque, infelizmente, as coisas nem sempre acontecem assim, e para justificar
o "deveria", segue um episódio que
vivenciei no setor em que trabalhava.
Indagado sobre o estado em que se encontrava o projeto por ele coordenado, um colega respondeu, exatamente, assim: "O problema ainda não está entendido, mas como, pelo cronograma, já deveríamos estar desenvolvendo a solução, partimos para a solução."
Será que ao mudar de ensino primário
para ensino fundamental as professoras deixaram de ensinar aos alunos que –
entender o enunciado faz parte da questão? Ou será que estamos diante de uma
espécie de parábola do semeador? Uma parábola em que é dito que, tendo saído a
semear, grande parte das sementes lançadas pelo semeador caíram à beira do
caminho, em lugares pedregosos e entre os espinhos, ou seja, em lugares onde
seria impossível germinarem, crescerem e frutificarem. Será que embora as
professoras tenham continuado ensinando que – entender o enunciado faz parte da
questão – o que aconteceu foi que suas palavras caíram em ouvidos que assemelham-se
à beira do caminho, a lugares pedregosos e entre os espinhos? Ou seja, o fato é
que – entender que o enunciado faz parte da questão – parece ter sido perdido. A quem vocês atribuem tal perda: as professoras ou aos alunos?
"Após mais de três décadas atuando na
área de TI, pela primeira vez eu ouvia alguém "confessar" o uso daquela
abominável prática tão usada no desenvolvimento de sistemas de informações:
desenvolver soluções sem ter entendido o problema. Obedecendo cegamente a uma
coisa denominada cronograma, entre a apresentação de uma solução "certa"
em uma data "errada" ou de uma solução "errada" em certa
data (por eles estipulada), a imensa maioria dos profissionais de TI opta pela
segunda opção. Opção da qual resulta outra coisa também bastante comum e,
igualmente, abominável: o retrabalho. É impressionante a quantidade de vezes
que se trabalha com a finalidade de "tentar" corrigir o resultado de
trabalhos anteriores.
"Os problemas de hoje provêm das soluções de ontem.", eis uma afirmação lapidar de Peter Senge em A Quinta Disciplina, um dos melhores livros que já li. Uma afirmação inesquecível que explica perfeitamente a existência do retrabalho.
Alguma vez já lhes passou pela cabeça
pararem para pensar em quantas vezes ouviram alguém, que esteja lhes atendendo,
pronunciar a seguinte frase: "O sistema está com problemas.". Pois
é! Será que o fato de resultarem de soluções desenvolvidas sem o entendimento
do problema explica a infinidade de vezes em que a frase - "O sistema está com
problemas."
é pronunciada? Na condição de quem durante 3,5 décadas atuou como um autêntico
analista de sistemas, asseguro-lhes que sim.
Entender as informações inerentes às
atividades dos usuários, mas também suas relações com informações inerentes a
outras atividades com as quais elas interagem, eis uma condição imprescindível
para encontrar a solução para um problema proposto a um analista de sistemas.
Analogamente, entender não só as coisas facilmente visíveis, mas também suas relações
com outras coisas com as quais elas interagem, eis uma condição imprescindível
para encontrar a solução para todo e qualquer problema proposto a cada um de
nós como indivíduos ou a todos nós como coletividade por essa coisa denominada
vida.
Vocês já ouviram falar em raciocínio sistêmico? É a imprescindibilidade
desse raciocínio que está implícita nas duas primeiras frases do parágrafo
anterior. O raciocínio do qual precisamos para tornarmo-nos capazes de entender
qualquer coisa. É sobre ele que falam as postagens - O
Raciocínio Sistêmico (14.02.2011), Consequências
do desconhecimento do raciocínio sistêmico (16.02.2011), Considerações
finais sobre o raciocínio sistêmico (19.02.2011) - e o livro citado
três parágrafos acima, do qual extraí o próximo parágrafo.
"Desde a mais tenra idade, nos ensinam a dividir os problemas, a fragmentar o mundo, o que parece ter o dom de facilitar tarefas e questões complexas. Mas o preço que pagamos por isso é enorme, pois deixamos de ver as consequências de nossos atos e perdemos a noção de integração com o todo maior. (...) As técnicas e ideias apresentadas neste livro destroem a ilusão de que o mundo é composto por forças separadas, não relacionadas entre si."
"Destruir a ilusão de
que o mundo é composto por forças separadas, não relacionadas entre si; possibilitar-nos
ver as consequências de nossos atos e recuperar a noção de integração com o
todo maior", e dessa forma tornar-nos capazes de entender
o que acontece ao nosso redor, eis o primeiro dos inestimáveis benefícios proporcionado
pelo uso do raciocínio sistêmico.
Possibilitar-nos ver não só as
consequências de nossos atos, mas até mesmo as dos atos daqueles que nos
antecederam, pois, por mais incrível que pareça, todos os eventos ocorridos
estão interligados no tempo e no espaço. E ao fazer esta afirmação em uma
postagem intitulada Entender é preciso,
aquele método que me persegue (o das recordações sucessivas) leva-me a recordar
aqui uma postagem publicada há não muito tempo. "Como saber quem você é, se você não entende de onde veio?", eis o título da postagem
publicada em 16 de dezembro de 2019.
Se não se entender de onde se
veio torna impossível saber quem se é, será que não saber quem se é torna
impossível entender para onde se irá? No meu entender, sim, o que deveria
despertar em nós o interesse em saber quem somos.
Sim, Entender é preciso -, pois, como diz o título da postagem anterior
- Para superar o (a) ... é preciso
entendê-lo (a). Porém, considerando que a finalidade de entender deve ser
aprender e a agitação que assola esta insana civilização (sic), esforcemo-nos
para entender com calma, pois como disse Alexander Pope, "Algumas pessoas nunca
aprendem nada porque entendem tudo muito depressa".
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