terça-feira, 9 de junho de 2020

Entender é preciso

"Algumas pessoas nunca aprendem nada porque entendem tudo muito depressa."
(Alexander Pope [1688 - 1744], um dos maiores poetas ingleses)
Pouco tempo depois de ter publicado a postagem anterior vieram-me à mente algumas coisas que considero significativas no que se refere à imprescindibilidade de entender. Sendo assim, optei por elaborar esta para espalhá-las.
Há muito tempo, quando eu cursava o ensino primário (hoje denominado ensino fundamental), havia uma cena bastante comum em dias de prova. Alunos diziam à professora que não tinham entendido o que era solicitado em determinada questão e recebiam a seguinte resposta: entender o enunciado faz parte da questão. Resposta que, felizmente, jamais esqueci. O tempo passou, a vida seguiu e a atividade à qual dediquei minha vida profissional encarregou-se de mostrar-me durante todo tempo a veracidade daquela resposta. Sim, entender a exposição que explica ou demonstra uma questão que nos é proposta é imprescindível para se chegar à solução.
Atuando na atividade de desenvolvimento de sistemas, a questão que me era proposta era desenvolver um sistema de informações que possibilitasse aos seus usuários realizarem suas atividades cotidianas de uma forma mais segura e confortável. E para conseguir tal coisa, a primeira tarefa desempenhada por um autêntico analista de sistemas deveria ser entender as atividades dos futuros usuários, as informações inerentes a tais atividades e suas relações com informações inerentes a outras atividades com as quais elas interagissem. Por que usei o verbo dever no futuro do pretérito? Porque, infelizmente, as coisas nem sempre acontecem assim, e para justificar o "deveria", segue um episódio que vivenciei no setor em que trabalhava.
Indagado sobre o estado em que se encontrava o projeto por ele coordenado, um colega respondeu, exatamente, assim: "O problema ainda não está entendido, mas como, pelo cronograma, já deveríamos estar desenvolvendo a solução, partimos para a solução."
Será que ao mudar de ensino primário para ensino fundamental as professoras deixaram de ensinar aos alunos que – entender o enunciado faz parte da questão? Ou será que estamos diante de uma espécie de parábola do semeador? Uma parábola em que é dito que, tendo saído a semear, grande parte das sementes lançadas pelo semeador caíram à beira do caminho, em lugares pedregosos e entre os espinhos, ou seja, em lugares onde seria impossível germinarem, crescerem e frutificarem. Será que embora as professoras tenham continuado ensinando que – entender o enunciado faz parte da questão – o que aconteceu foi que suas palavras caíram em ouvidos que assemelham-se à beira do caminho, a lugares pedregosos e entre os espinhos? Ou seja, o fato é que – entender que o enunciado faz parte da questão – parece ter sido perdido. A quem vocês atribuem tal perda: as professoras ou aos alunos?
"Após mais de três décadas atuando na área de TI, pela primeira vez eu ouvia alguém "confessar" o uso daquela abominável prática tão usada no desenvolvimento de sistemas de informações: desenvolver soluções sem ter entendido o problema. Obedecendo cegamente a uma coisa denominada cronograma, entre a apresentação de uma solução "certa" em uma data "errada" ou de uma solução "errada" em certa data (por eles estipulada), a imensa maioria dos profissionais de TI opta pela segunda opção. Opção da qual resulta outra coisa também bastante comum e, igualmente, abominável: o retrabalho. É impressionante a quantidade de vezes que se trabalha com a finalidade de "tentar" corrigir o resultado de trabalhos anteriores.
"Os problemas de hoje provêm das soluções de ontem.", eis uma afirmação lapidar de Peter Senge em A Quinta Disciplina, um dos melhores livros que já li. Uma afirmação inesquecível que explica perfeitamente a existência do retrabalho.
Alguma vez já lhes passou pela cabeça pararem para pensar em quantas vezes ouviram alguém, que esteja lhes atendendo, pronunciar a seguinte frase: "O sistema está com problemas.". Pois é! Será que o fato de resultarem de soluções desenvolvidas sem o entendimento do problema explica a infinidade de vezes em que a frase - "O sistema está com problemas." é pronunciada? Na condição de quem durante 3,5 décadas atuou como um autêntico analista de sistemas, asseguro-lhes que sim.
Entender as informações inerentes às atividades dos usuários, mas também suas relações com informações inerentes a outras atividades com as quais elas interagem, eis uma condição imprescindível para encontrar a solução para um problema proposto a um analista de sistemas. Analogamente, entender não só as coisas facilmente visíveis, mas também suas relações com outras coisas com as quais elas interagem, eis uma condição imprescindível para encontrar a solução para todo e qualquer problema proposto a cada um de nós como indivíduos ou a todos nós como coletividade por essa coisa denominada vida.
Vocês já ouviram falar em raciocínio sistêmico? É a imprescindibilidade desse raciocínio que está implícita nas duas primeiras frases do parágrafo anterior. O raciocínio do qual precisamos para tornarmo-nos capazes de entender qualquer coisa. É sobre ele que falam as postagens - O Raciocínio Sistêmico (14.02.2011), Consequências do desconhecimento do raciocínio sistêmico (16.02.2011), Considerações finais sobre o raciocínio sistêmico (19.02.2011) - e o livro citado três parágrafos acima, do qual extraí o próximo parágrafo.
"Desde a mais tenra idade, nos ensinam a dividir os problemas, a fragmentar o mundo, o que parece ter o dom de facilitar tarefas e questões complexas. Mas o preço que pagamos por isso é enorme, pois deixamos de ver as consequências de nossos atos e perdemos a noção de integração com o todo maior. (...) As técnicas e ideias apresentadas neste livro destroem a ilusão de que o mundo é composto por forças separadas, não relacionadas entre si."
"Destruir a ilusão de que o mundo é composto por forças separadas, não relacionadas entre si; possibilitar-nos ver as consequências de nossos atos e recuperar a noção de integração com o todo maior", e dessa forma tornar-nos capazes de entender o que acontece ao nosso redor, eis o primeiro dos inestimáveis benefícios proporcionado pelo uso do raciocínio sistêmico.
Possibilitar-nos ver não só as consequências de nossos atos, mas até mesmo as dos atos daqueles que nos antecederam, pois, por mais incrível que pareça, todos os eventos ocorridos estão interligados no tempo e no espaço. E ao fazer esta afirmação em uma postagem intitulada Entender é preciso, aquele método que me persegue (o das recordações sucessivas) leva-me a recordar aqui uma postagem publicada há não muito tempo. "Como saber quem você é, se você não entende de onde veio?", eis o título da postagem publicada em 16 de dezembro de 2019.
Se não se entender de onde se veio torna impossível saber quem se é, será que não saber quem se é torna impossível entender para onde se irá? No meu entender, sim, o que deveria despertar em nós o interesse em saber quem somos.
Sim, Entender é preciso -, pois, como diz o título da postagem anterior - Para superar o (a) ... é preciso entendê-lo (a). Porém, considerando que a finalidade de entender deve ser aprender e a agitação que assola esta insana civilização (sic), esforcemo-nos para entender com calma, pois como disse Alexander Pope, "Algumas pessoas nunca aprendem nada porque entendem tudo muito depressa".

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