segunda-feira, 20 de março de 2023

Existem mulheres filósofas?

"Suas asas são cortadas, mas ainda assim ela é culpada por não saber como voar."

  (Simone de Beauvoir)
Elaborada para ser publicada como a mensagem alusiva ao Dia Internacional da Mulher deste ano, poucos dias antes da referida data, esta postagem foi trocada por outra. As explicações sobre o motivo da troca e de sua publicação no dia de hoje são apresentadas na postagem intitulada Dia Internacional da Mulher – 2023. A primeira explicação é apresentada no quarto parágrafo da postagem, a segunda, no último.
O texto apresentado a seguir foi obtido no livro "Filósofas – O legado das mulheres na história do pensamento mundial", de autoria de Natasha Hennemann e Fabiana Lessa, e é composto de trechos extraídos da Introdução. Introdução apresentada sob o título "O que esperar deste livro e de quem o escreveu."
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Uma pergunta que os alunos – e, principalmente, as alunas – fazem é: "Professora, existem mulheres filósofas?". Essa questão aparece porque, quando estudamos a história da filosofia na escola (e mesmo na universidade), a imensa maioria dos pensadores apresentados é formada por homens. Uma ou outra filósofa aparece e geralmente apenas na Idade Contemporânea, no século xx, Hannah Arendt ou Simone de Beauvoir. O questionamento feito pelas alunas é fundamental e altamente filosófico: onde estão as mulheres na história da filosofia? (E a pergunta pode ser expandida: onde estão os filósofos negros? E o pensamento asiático, africano, latino-americano?) Muitas vezes, na escola, não temos tempo de responder a contento e de ampliar esse tipo de discussão, já que o calendário letivo é cheio e corrido, deixando pouco espaço para debates paralelos ao conteúdo, e filosofia é uma matéria que tem poucas aulas por semana. Quem sabe com este livro consigamos responder melhor: sim, existem mulheres filósofas, e elas sempre existiram. A próxima pergunta deve ser: "Por que não ouvimos falar nelas?". Por uma série de motivos.
Primeiro, porque, na história de diversas sociedades, as mulheres foram relegadas a papéis praticamente fixos e, na maioria das vezes, restritos à vida doméstica, à família e à maternidade. Não era uma escolha, mas uma imposição, quase um destino inescapável. Em diversos contextos, mulheres foram proibidas de exercer funções políticas e intelectuais, e a filosofia estava aí inclusa. Imagine que aprender a ler e a escrever eram habilidades ao alcance de poucas pessoas (apenas muito recentemente a alfabetização tornou-se uma demanda universal), e, se às mulheres era negado o lugar da racionalidade, da política, da ciência e da filosofia, então para que elas deveriam aprender tudo isso: ler, escrever, pensar, calcular?
Mesmo com empecilhos sociais, algumas mulheres conseguiram se sobressair no campo da reflexão filosófica e foram influentes em seus contextos. Mas, neste ponto, esbarramos em outros obstáculos: muitas delas não deixaram obras escritas; outras podem ter escrito, mas essas obras não chegaram até nós (os escritos frágeis precisariam ter sobrevivido ao tempo, guerras, incêndios, viagens, enchentes e tantas outras intempéries); outras ainda influenciaram colegas e parentes homens, que levaram os créditos pelas ideias. Sendo assim, quanto mais antiga for a filósofa que se quer estudar, maior é a escassez de fontes que se tem sobre sua obra e seu pensamento. Mesmo sobre sua vida, geralmente sabemos pouco; conhecemos a maioria delas por meio dos escritos feitos por homens de sua época ou posteriormente. Chega a nós, então, uma imagem de que essas filósofas eram místicas, prostitutas, histéricas, musas, irrelevantes, loucas ou mártires. Quase nunca mulheres complexas, com pensamentos valiosos e falhas humanas. Sem falar das mulheres que ficaram anônimas, foram apagadas da história do pensamento ou desvalorizadas enquanto intelectuais. Elas eram esposas, mães, irmãs, professoras, colegas. Sábias e reflexivas, que não ganharam o status de filósofas e passaram "em branco" na história.
Por muito tempo, as mulheres foram objetos da filosofia, mas não sujeitos. Filósofos homens apresentaram suas opiniões a respeito do feminino, e muitas delas estavam longe de ser lisonjeiras: Aristóteles, por exemplo, classificava as mulheres como um ser incompleto; enquanto os homens, perfeitos, deveriam governar, as mulheres deveriam ser governadas (pois seriam inferiores). Rousseau defendia que a educação deveria ser diferente para meninos e meninas porque elas teriam uma natureza passiva, fraca e apta a funções domésticas; segundo ele, as mulheres deveriam obedecer a seus maridos e foram feitas "especialmente para agradar ao homem". Nietzsche chegou a afirmar que "a mulher não é sequer superficial", e Schopenhauer escreveu que toda a carga e as desvantagens estão do lado da mulher, enquanto ao homem cabe a força e a beleza.
Não queremos cair em uma perigosa "história única" de que a filosofia sempre foi, e só pode ser, exercida por homens europeus. Apesar da tendência centenária de desvalorização feminina nos círculos filosóficos, tem-se feito pesquisas nas universidades a fim de tentar recuperar o material que se tem a respeito das filósofas de todas as épocas. Agora, é necessário trazer este conhecimento a público, torná-lo acessível.
(...) Os pensamentos e ações das mulheres apresentadas neste livro (e de tantas outras) são ousados, surpreendentes e, muitas vezes, foram subestimados. Queremos que isso não aconteça mais. Queremos que as mulheres sejam ouvidas, lidas e estudadas, que suas ideias sejam levadas a sério, e que possamos construir juntos um mundo mais justo, respeitoso e plural, assim como pensou Cavendish em sua utopia no século XVII. Este livro pode ser um começo: conhecer a vida e as obras dessas filósofas nos ajuda a ampliar a reflexão, a pensar as coisas sob perspectivas diferentes e a nos sentirmos admirados com a multiplicidade de experiências e pensamentos que há por aí.
Que sua leitura seja uma viagem resplandecente e inspiradora como a escrita deste livro foi para nós. E que não haja mais dúvidas de que filosofia sempre foi, e continua sendo, coisa de mulher.
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"Sim, existem mulheres filósofas, e elas sempre existiram". Eis a resposta de Natasha Hennemann e Fabiana Lessa à pergunta - "Existem mulheres filósofas?", feita por seus alunos - e, principalmente, por suas alunas. Resposta por elas explicada no livro "Filósofas – O legado das mulheres na história do pensamento mundial". Explicação que leva-me a concluir que impedir a existência de mulheres filósofas é algo que os homens tentam desde remotas eras, e cuja não obtenção de êxito levou-os a tentarem outro impedimento: o da divulgação das obras das mulheres. Afinal, nesta insana sociedade em que sobrevivemos, uma maneira bastante usual de tentar negar a existência de alguma coisa é nada falar sobre ela.
No que tange à pretensa superioridade dos homens em relação às mulheres, há no livro de Natasha e Fabiana um trecho do prefácio, escrito por Renato Noguera, que, no meu entender, deveria dar o que pensar, principalmente, aos homens.
"Eu recordo que, em maio de 2022, durante um evento literário no Rio de Janeiro, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie disse que mulheres leem textos de mulheres e de homens; mas, os homens leem, em sua maioria, autores."
O resultado do comportamento citado por Chimamanda está aí, diante de nós: um mundo injusto, desrespeitoso e singular. Ou seja, um mundo ao contrário daquele que poderemos construir juntos se os homens passarem a querer o mesmo que dizem querer Natasha e Fabiana.
"Queremos que as mulheres sejam ouvidas, lidas e estudadas, que suas ideias sejam levadas a sério, e que possamos construir juntos um mundo mais justo, respeitoso e plural, assim como pensou Cavendish em sua utopia no século XVII. Este livro pode ser um começo: conhecer a vida e as obras dessas filósofas nos ajuda a ampliar a reflexão, a pensar as coisas sob perspectivas diferentes e a nos sentirmos admirados com a multiplicidade de experiências e pensamentos que há por aí."
"Que sua leitura seja uma viagem resplandecente e inspiradora como a escrita deste livro foi para nós. E que não haja mais dúvidas de que filosofia sempre foi, e continua sendo, coisa de mulher."
Embora não saiba quando, elaborar uma postagem espalhando o que é contado por Natasha e Fabiana sobre "como pensou Cavendish em sua utopia no século XVII" é algo que faz parte dos meus planos. Quanto a "não haver mais dúvidas de que filosofia sempre foi, e continua sendo, coisa de mulher", quero acrescentar aqui algumas coisas que entendo que "sempre foram, e continuarão sendo coisas de mulher": sociologia, psicologia, biologia, economia, pedagogia, enfim, toda e qualquer "ia" que hoje existe ou que algum dia venha a existir. Afinal, será que, na condição de coabitantes deste planeta, faz sentido não enxergar homens e mulheres como possuidores (as) dos mesmos direitos e da responsabilidade pelos mesmos deveres.

Sim, como diz o narrador da saga de Joseph Climber, "a vida é uma caixinha de surpresas". Uma caixinha de onde, recentemente, saiu uma surpresa que levou-me a trocar a publicação desta postagem por uma intitulada Dia Internacional da Mulher – 2023. E ainda a publicar antes desta uma que não deveria ser adiada por ser a de número 700 deste blog. Uma postagem com o seguinte título: "Septingentésima postagem ou 'Examinai tudo. Espalhai o que for bom.'". Será que esta postagem espalhando o instigante texto de Natasha e Fabiana pode ser considerada uma aplicação imediata da recomendação contida no título da postagem anterior - "Examinai tudo. Espalhai o que for bom"? O que vocês acham?

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