"Suas asas são cortadas, mas ainda assim
ela é culpada por não saber como voar."
Elaborada para ser publicada como a
mensagem alusiva ao Dia Internacional da
Mulher deste ano, poucos dias antes da referida data, esta postagem foi trocada
por outra. As explicações sobre o motivo da troca e de sua publicação no dia de
hoje são apresentadas na postagem intitulada Dia Internacional da Mulher – 2023. A primeira explicação é
apresentada no quarto parágrafo da postagem, a segunda, no último.
O texto apresentado a seguir foi obtido
no livro "Filósofas – O legado das
mulheres na história do pensamento mundial",
de autoria de Natasha Hennemann e Fabiana Lessa, e é composto de trechos extraídos
da Introdução. Introdução apresentada
sob o título "O que esperar deste livro e de quem o escreveu."
Uma pergunta que os alunos –
e, principalmente, as alunas – fazem é: "Professora, existem mulheres filósofas?". Essa questão aparece porque, quando
estudamos a história da filosofia na escola (e mesmo na universidade), a imensa
maioria dos pensadores apresentados é formada por homens. Uma ou outra filósofa
aparece e geralmente apenas na Idade Contemporânea, no século xx, Hannah Arendt
ou Simone de Beauvoir. O questionamento feito pelas alunas é fundamental e
altamente filosófico: onde estão as mulheres na história da filosofia? (E a
pergunta pode ser expandida: onde estão os filósofos negros? E o pensamento
asiático, africano, latino-americano?) Muitas vezes, na escola, não temos tempo
de responder a contento e de ampliar esse tipo de discussão, já que o
calendário letivo é cheio e corrido, deixando pouco espaço para debates
paralelos ao conteúdo, e filosofia é uma matéria que tem poucas aulas por
semana. Quem sabe com este livro consigamos responder melhor: sim, existem
mulheres filósofas, e elas sempre existiram. A próxima pergunta deve ser: "Por que não ouvimos falar nelas?".
Por uma série de motivos.
Primeiro, porque, na história
de diversas sociedades, as mulheres foram relegadas a papéis praticamente fixos
e, na maioria das vezes, restritos à vida doméstica, à família e à maternidade.
Não era uma escolha, mas uma imposição, quase um destino inescapável. Em
diversos contextos, mulheres foram proibidas de exercer funções políticas e
intelectuais, e a filosofia estava aí inclusa. Imagine que aprender a ler e a
escrever eram habilidades ao alcance de poucas pessoas (apenas muito recentemente
a alfabetização tornou-se uma demanda universal), e, se às mulheres era negado
o lugar da racionalidade, da política, da ciência e da filosofia, então para
que elas deveriam aprender tudo isso: ler, escrever, pensar, calcular?
Mesmo com empecilhos sociais,
algumas mulheres conseguiram se sobressair no campo da reflexão filosófica e
foram influentes em seus contextos. Mas, neste ponto, esbarramos em outros
obstáculos: muitas delas não deixaram obras escritas; outras podem ter escrito,
mas essas obras não chegaram até nós (os escritos frágeis precisariam ter
sobrevivido ao tempo, guerras, incêndios, viagens, enchentes e tantas outras
intempéries); outras ainda influenciaram colegas e parentes homens, que levaram
os créditos pelas ideias. Sendo assim, quanto mais antiga for a filósofa que se
quer estudar, maior é a escassez de fontes que se tem sobre sua obra e seu
pensamento. Mesmo sobre sua vida, geralmente sabemos pouco; conhecemos a
maioria delas por meio dos escritos feitos por homens de sua época ou
posteriormente. Chega a nós, então, uma imagem de que essas filósofas eram místicas,
prostitutas, histéricas, musas, irrelevantes, loucas ou mártires. Quase nunca
mulheres complexas, com pensamentos valiosos e falhas humanas. Sem falar das
mulheres que ficaram anônimas, foram apagadas da história do pensamento ou
desvalorizadas enquanto intelectuais. Elas eram esposas, mães, irmãs,
professoras, colegas. Sábias e reflexivas, que não ganharam o status de
filósofas e passaram "em
branco" na história.
Por muito tempo, as mulheres
foram objetos da filosofia, mas não sujeitos. Filósofos homens apresentaram
suas opiniões a respeito do feminino, e muitas delas estavam longe de ser
lisonjeiras: Aristóteles, por exemplo, classificava as mulheres como um ser
incompleto; enquanto os homens, perfeitos, deveriam governar, as mulheres
deveriam ser governadas (pois seriam inferiores). Rousseau defendia que a
educação deveria ser diferente para meninos e meninas porque elas teriam uma
natureza passiva, fraca e apta a funções domésticas; segundo ele, as mulheres
deveriam obedecer a seus maridos e foram feitas "especialmente para agradar ao homem". Nietzsche chegou a afirmar que "a
mulher não é sequer superficial", e Schopenhauer escreveu que toda a carga
e as desvantagens estão do lado da mulher, enquanto ao homem cabe a força e a
beleza.
Não queremos cair em uma
perigosa "história única" de que a filosofia
sempre foi, e só pode ser, exercida por homens europeus. Apesar da tendência
centenária de desvalorização feminina nos círculos filosóficos, tem-se feito
pesquisas nas universidades a fim de tentar recuperar o material que se tem a
respeito das filósofas de todas as épocas. Agora, é necessário trazer este
conhecimento a público, torná-lo acessível.
(...) Os pensamentos e ações
das mulheres apresentadas neste livro (e de tantas outras) são ousados,
surpreendentes e, muitas vezes, foram subestimados. Queremos que isso não
aconteça mais. Queremos que as mulheres sejam ouvidas, lidas e estudadas, que
suas ideias sejam levadas a sério, e que possamos construir juntos um mundo
mais justo, respeitoso e plural, assim como pensou Cavendish em sua utopia no
século XVII. Este livro pode ser um começo: conhecer a vida e as obras dessas
filósofas nos ajuda a ampliar a reflexão, a pensar as coisas sob perspectivas
diferentes e a nos sentirmos admirados com a multiplicidade de experiências e
pensamentos que há por aí.
Que sua leitura seja uma
viagem resplandecente e inspiradora como a escrita deste livro foi para nós. E
que não haja mais dúvidas de que filosofia sempre foi, e continua sendo, coisa
de mulher.
"Sim,
existem mulheres filósofas, e elas sempre existiram". Eis a
resposta de Natasha
Hennemann e Fabiana Lessa à pergunta - "Existem
mulheres filósofas?",
feita por seus alunos - e,
principalmente, por suas alunas. Resposta por elas explicada no livro "Filósofas – O legado das mulheres na história do pensamento mundial". Explicação que leva-me a concluir que
impedir a existência de mulheres filósofas é algo que os homens tentam desde remotas
eras, e cuja não obtenção de êxito levou-os a tentarem outro impedimento: o da divulgação
das obras das mulheres. Afinal, nesta insana sociedade em que sobrevivemos, uma
maneira bastante usual de tentar negar a existência de alguma coisa é nada falar
sobre ela.
No que tange à pretensa superioridade dos homens em
relação às mulheres, há no livro de Natasha e Fabiana um trecho do prefácio, escrito
por Renato Noguera,
que, no meu entender, deveria dar o que pensar, principalmente, aos homens.
"Eu recordo
que, em maio de 2022, durante um evento literário no Rio de Janeiro, a
escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie disse que mulheres leem textos de
mulheres e de homens; mas, os homens leem, em sua maioria, autores."
O resultado do comportamento citado por Chimamanda está
aí, diante de nós: um mundo injusto, desrespeitoso e singular. Ou seja, um
mundo ao contrário daquele que poderemos construir juntos se os homens passarem
a querer o mesmo que dizem querer Natasha e Fabiana.
"Queremos
que as mulheres sejam ouvidas, lidas e estudadas, que suas ideias sejam levadas
a sério, e que possamos construir juntos um mundo mais justo, respeitoso e plural,
assim como pensou Cavendish em sua utopia no século XVII. Este livro pode ser
um começo: conhecer a vida e as obras dessas filósofas nos ajuda a ampliar a
reflexão, a pensar as coisas sob perspectivas diferentes e a nos sentirmos
admirados com a multiplicidade de experiências e pensamentos que há por aí."
"Que sua
leitura seja uma viagem resplandecente e inspiradora como a escrita deste livro
foi para nós. E que não haja mais dúvidas de que filosofia sempre foi, e
continua sendo, coisa de mulher."
Embora não saiba quando, elaborar
uma postagem espalhando o que é contado por Natasha e Fabiana sobre "como
pensou Cavendish em sua utopia no século XVII" é algo que faz parte dos
meus planos. Quanto a "não haver mais dúvidas de que filosofia
sempre foi, e continua sendo, coisa de mulher", quero acrescentar aqui algumas coisas que
entendo que "sempre foram,
e continuarão sendo coisas de mulher": sociologia, psicologia, biologia, economia, pedagogia, enfim, toda e
qualquer "ia" que hoje existe ou que algum dia venha a existir.
Afinal, será que, na condição de coabitantes deste planeta, faz sentido não
enxergar homens e mulheres como possuidores (as) dos mesmos direitos e da
responsabilidade pelos mesmos deveres.
Sim, como diz o narrador da saga de Joseph
Climber, "a vida é uma caixinha de surpresas". Uma caixinha de onde,
recentemente, saiu uma surpresa que levou-me a trocar a publicação desta
postagem por uma intitulada Dia
Internacional da Mulher – 2023. E ainda a publicar antes desta uma que não
deveria ser adiada por ser a de número 700 deste blog. Uma postagem com o
seguinte título: "Septingentésima
postagem ou 'Examinai tudo. Espalhai o que for bom.'". Será que esta postagem
espalhando o instigante texto de Natasha e Fabiana pode ser considerada
uma aplicação imediata da recomendação contida no título da postagem
anterior - "Examinai tudo. Espalhai o que for bom"? O que vocês
acham?
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