"A liberdade só será possível quando você estiver tão inteiro que também possa enfrentar a responsabilidade de ser livre"
(Autor não identificado)
Após "Existem mulheres filósofas?", segue mais uma postagem indagativa: "Existem homens
livres?". Indagação mais difícil de responder do
que a anterior, pois as dificuldades já começam pelo entendimento do que seja ser
livre. Segundo historiadores, desde a Grécia antiga, a liberdade é um dos
conceitos mais debatidos, e menos entendidos. Cada época, cada lugar, cada
grupo deu à palavra liberdade um sentido diferente, e até hoje continua-se discutindo
o que seja liberdade.
Para
muitos, ser livre é poder fazer tudo o que bem (ou seria mal?) entende sem dar
satisfação alguma sobre suas palavras, suas ações, e até mesmo suas omissões, a
quem quer que seja sem temer ter que suportar consequências que não seriam de
seu agrado.
Uma visão da qual gosto muito é de Washington Pêpe. "A visão de liberdade de algumas pessoas diz: Você pode fazer tudo que quiser. Mas se você fizer tudo que quiser já não é livre, é escravo da sua liberdade. Liberdade sem limites não é liberdade, é escravidão."
Para
Fernando Pessoa, segundo algo dito em um livro de sua autoria cujo título considero muito instigante
- Livro do Desassossego, liberdade é
a possibilidade do isolamento. O próximo parágrafo reproduz um trecho do
referido livro.
"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a , necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre."
Sim, a
liberdade é algo que desassossega, pois o fato de sermos seres não dotados de
autosuficiência nos torna, em variados graus, dependentes uns dos outros, ou
seja, incapazes de viver sem nos relacionarmos com os demais e,
consequentemente, sem poder deles nos isolar. E desassossegando-nos a liberdade
torna-se algo a ser evitado. Evitado por jamais dever ser desassociada da
responsabilidade pelo que, em nome dela, se fizer. E responsabilidade é algo do
qual muita gente foge, e que assim agindo respalda a forma como Jean Paul
Sartre enxerga a liberdade.
Para Sartre, segundo palavras de Leandro Karnal em um
vídeo encontrável no endereço https://www.youtube.com/watch?v=xrXIuNO1ZDY (até o momento da publicação desta postagem), liberdade é
algo que todos temos, mas como ela provoca angústia ficamos atribuindo nossa
falta de iniciativa ou falta de liberdade a fatores externos que Sartre chama
de má fé. Eu seria livre se não fosse casado, eu seria livre se não morasse
nesse lugar. Tudo isso Sartre chama de má fé.
No primeiro parágrafo desta postagem é
dito que, desde a Grécia antiga, a liberdade é um dos conceitos mais debatidos,
e menos entendidos. Neste, é dito que, desde não muito tempo depois, uma afirmação
sobre liberdade, atribuída a um mestre que por esta dimensão passou há 1990,
foi apropriada exatamente por alguns dos maiores inimigos da liberdade. Qual é
a afirmação: Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará. Quem dela se apropriou? Inicialmente, aqueles que,
por terem em alguma religião organizada a sua profissão, necessitam manter seus
seguidores sob um regime de dependência dos ensinos (sic) por eles ministrados.
Dependência e liberdade, eis duas coisas simplesmente incompatíveis. Posteriormente,
aqueles políticos que usam alguma religião organizada para organizar políticas autoritárias,
ou seja, desprovidas de liberdade. Durante os cinco anos mais recentes, Conhecereis a verdade e ela vos libertará foi
uma frase exaustivamente repetida neste país. O estranho era ver uma afirmação cuja
finalidade é alertar sobre a imprescindibilidade de se conhecer a verdade sair
da boca de espalhadores de fake news.
Para quem ficou chocado com o que acaba
de ler sobre religião sugiro a leitura da postagem "O que é religião?", publicada em 08 de abril de 2011.
Para quem quiser entender qual foi a verdadeira finalidade da vinda a esta
dimensão do mestre a quem é atribuída a afirmação Conhecereis a verdade e ela vos libertará, sugiro a leitura do
livro Jesus Militante – Evangelho e
projeto político do Reino de Deus, de autoria de Frei Betto, publicado em
2022 pela editora Vozes. Foi dele que extraí os dois próximos parágrafos.
"Jesus não veio fundar uma religião (o cristianismo) nem uma igreja (a cristã). Veio resgatar o projeto original de Deus para toda a humanidade, fundado no amor e na partilha.""Jesus veio manifestar a gratuidade do amor e do perdão de Deus. Veio incluir os excluídos, abençoar os amaldiçoados, dar vida onde havia sinais de morte, desmistificar o direito de propriedade e valorizar a socialização dos bens gerados pela natureza e produzidos pelo trabalho humano. Veio nos propor um novo projeto de sociedade, ao qual denominava Reino de Deus (em oposição ao reino de César), baseado em dois pilares: nas relações pessoais, o amor; nas relações sociais, a partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano."
Se, conforme é dito no primeiro parágrafo, cada época, cada
lugar, cada grupo deu à palavra liberdade um sentido diferente, entendo que
isso tenha alguma coisa a ver com o fato de cada época, cada lugar, cada grupo apresentar
diferentes componentes na relação entre senhores e escravos. Inicialmente
composta de seres humanos, a partir do estupendo desenvolvimento tecnológico atingido
por esta civilização (sic), tal relação passou a ter em um dos lados (o dos
senhores) não mais um ser humano, e sim um componente desenvolvido pela
tecnologia. Choca-os esta afirmação? Pelo sim pelo não (embora não estejamos falando
sobre depilação), considero bastante interessante a leitura dos quatro próximos
parágrafos.
"BlackBerry foi uma linha de smartphones e
tablets criada pela empresa canadense BlackBerry (antiga Research in Motion)."
O que a informação acima tem a ver com uma postagem que indaga se existem
homens livres? O fato de BlackBerry
ser o nome do grilhão usado, nos Estados Unidos, para atar os pés dos negros
como forma de impedir sua fuga, durante o período da escravidão.
Uma empresa desenvolvedora de tecnologia que, sabe-se lá com que
intenção, dá a si mesma e ao seu produto o nome de uma peça usada para
escravizar pessoas em épocas passadas. Como conciliar tal fato com a propagação
da ilusória ideia que a tecnologia é neutra e que veio para libertar o homem?
Iludir-se achando que somos livres, eis um estupendo equívoco cometido pela
imensa maioria de uma pretensiosa espécie inteligente do universo. Equívoco do
qual Roberto Crema (antropólogo, psicólogo do Colégio
Internacional de Terapeutas e reitor da UNIPAZ – Universidade Internacional da
Paz) se deu conta durante uma experiência
por ele vivida e narrada em um extraordinário livro intitulado Eu Maior – Uma reflexão sobre o
autoconhecimento e a busca da felicidade, organizado e editado por Fernando
Schultz. Segue a narrativa.
"A minha história é a história de alguém que sempre se sentiu um prisioneiro. Quando eu tinha 11 anos, meus pais me colocaram num reformatório por engano. Oficialmente, o local era um colégio interno, mas alguns adolescentes estavam lá presos, por terem cometido crimes. Lá fiquei durante um ano e pude me aprofundar nessa vivência de ser um prisioneiro. A experiência me fascinou de tal forma que, anos mais tarde, já adulto, eu quis fazer serviços voluntários na Papuda, que é um presídio em Brasília. Foi lá que me dei conta de que a grande diferença entre os presos da Papuda e o resto de nós é que lá eles sabem que são prisioneiros, enquanto aqui nos iludimos achando que somos livres. É mais fácil arrebentar as paredes de uma Papuda do que conseguir transcender os grilhões que nos prendem à ignorância de nós mesmos! Em última instância, como bem dizem os orientais, a prisão é maya, a ilusão. É você não saber quem é, de onde vem nem para onde vai. E, como dizem os bons navegantes, nenhum vento é favorável para aquele que não sabe aonde quer chegar. Já a liberdade é precisamente a pessoa tomar consciência e assumir a autoria da própria existência. Não é uma tarefa fácil, mas creio que é a nossa tarefa, capaz de trazer felicidade e dar sentido às nossas vidas."
Escravizados pelo vício em toda e qualquer bugiganga produzida
pela tecnologia e por dívidas contraídas para conseguir comprá-las, e crentes
que, apenas pelo fato de não estarmos encarcerados em um presídio, somos
criaturas livres. É ou não uma ilusão?
Escravizados pela insuficiência financeira que tira a uma
imensa quantidade de indivíduos a possibilidade de uma vida digna ou pela
abundância financeira que igualmente tira a uma pequena quantidade de
indivíduos a possibilidade de uma vida digna. Será que existe alguma dignidade
em passar pela vida almejando ter cada vez mais em detrimento de quem tem cada
vez menos? É ou não uma ilusão?
Roberto Crema é uma das duas pessoas mais sábias com quem
me foi dada a oportunidade de interagir presencialmente durante esta passagem
por esta dimensão. Sendo assim, uma coisa que não consigo é sentir-me livre
para discordar quando ele diz que a grande diferença entre os presos de um
presídio e o resto de nós é que lá eles sabem que são prisioneiros, enquanto
aqui nos iludimos achando que somos livres. E vocês, que imagino que não
estejam encarcerados (as) em um presídio e / ou nunca tenham interagido
presencialmente com Roberto Crema, qual é a resposta de vocês à indagação que
intitula a postagem?
Nenhum comentário:
Postar um comentário