sexta-feira, 8 de abril de 2011

O que é religião?

Com a finalidade de evitar mal-entendidos, começo dizendo que não me incluo entre os que julgam que religião não se discute. Aliás, na minha opinião, tudo é discutível, inclusive o que acabei de afirmar. O problema é que a maioria (sempre ela!) equivocadamente confunde discussão com desentendimento e não entende que a finalidade de discussões é a ampliação do conhecimento dos participantes e não a imposição de seus diferentes pontos de vista. Discussão é algo paradoxal, pois nela o maior proveito é tirado por quem aprende com a opinião do outro e não por quem tenta – a qualquer custo – impor a sua. Ou seja, o vencedor é o que parece ter sido derrotado.

Considero que entender o que é religião é fundamental para vivermos em harmonia. E harmonia é algo essencial tanto para desfiles de escolas de samba quanto para o transcorrer da vida. Sob o pretexto de terem entendido melhor as “palavras” de Deus, criam-se inúmeras seitas que não se aceitam entre si e vivem em um clima de animosidade. Os “fiéis” chegam a matarem-se uns aos outros por divergências religiosas. Nossa! Entenderam nada!

Portanto, religião é algo que me desperta enorme interesse e sobre o qual gosto muito de ler. E de tudo o que li considero o melhor conceito de religião algo que encontrei no maravilhoso livro O Profeta, de Gibran Khalil Gibran.

O livro narra o dia em que um profeta retorna à ilha onde nascera, depois de ter passado doze anos em uma cidade. Ao ver a aproximação do navio que o levaria de volta, uma mulher chamada Almitra saiu do santuário. E ela era vidente. E ele a encarou com infinita ternura, pois fora ela a primeira a procurá-lo e nele crer no dia de sua chegada à cidade. E ela o saudou dizendo:

“Profeta de Deus em procura do infinito, quantas vezes sondaste as distâncias à espera de teu navio.
E agora teu navio chegou, e tu deves partir.
Profunda é tua nostalgia pela pátria de tuas recordações e a morada de teus maiores desejos; e nosso amor não te quererá prender, nem nossas necessidades te reterão.
Uma coisa, porém pedimos-te: antes de nos deixares, fala-nos e dá-nos algo de tua verdade.
E nós a transmitiremos a nossos filhos, e eles a transmitirão aos seus filhos, e ela não perecerá.
Na tua soledade, vigiaste por nossos dias e, na tua vigília, escutaste os gemidos e os risos de nosso sono.
Agora revela-nos a nós próprios, e conta-nos o que te foi revelado, do que existe entre o nascimento e a morte.
E ele respondeu:
‘Povo de Orphalese, de que poderia falar-vos senão do que está agora se movendo dentro de vossas almas?’”

Então, Almitra disse: ‘Fala-nos do Amor’. E depois de ouvi-lo, ela pede-lhe que fale do matrimônio. E a seguir uma mulher que carregava seu filho nos braços disse: ‘Fala-nos dos Filhos’. Este foi o texto que me levou a conhecer o livro. É belíssimo! E seguiu-se uma série de pedidos para que ele falasse de vários assuntos: dádiva, comer e beber, trabalho, alegria e tristeza, habitações, roupas, compras e vendas, crime e castigo, leis, liberdade, razão e paixão, dor, conhecimento de si próprio, ensino, amizade, conversação, tempo, bem e mal, prece, prazer, beleza, e morte.

“E quando já era noite, um velho sacerdote disse: ‘Fala-nos da religião’.
E ele disse:
‘Tenho eu falado de outra coisa hoje?
Não é a religião todas as nossas ações e reflexões?
E tudo o que não é ação nem reflexão, mas aquele espanto e aquela surpresa sempre brotando na alma, mesmo quando as mãos talham a pedra ou manejam o tear?
Quem pode separar sua fé de suas ações, ou sua crença de seus afazeres?
Quem pode espalhar suas horas perante si, dizendo: ‘Esta é para Deus, e essa é para mim; esta é para minha alma, e essa é para meu corpo?’
Todas vossas horas são asas que adejam através do espaço, passando de um Eu a outro.
Aquele que veste sua moralidade como veste seus melhores trajes, melhor seria que andasse desnudo.
O vento e o sol não cavarão buracos na sua pele.
E aquele que traça sua conduta pela ética, encarcera seu pássaro cantor numa gaiola.
A mais livre canção não chega através de barras e arames.
E aquele para quem a adoração é uma janela a abrir, mas também a fechar, não visitou ainda o santuário de sua alma, cujas janelas permanecem abertas de aurora a aurora.

Vossa vida cotidiana é vosso templo e vossa religião.
Todas as vezes que penetrais nela, levai convosco todo o vosso ser.
Levai o arado, a forja, o macete e a lira, todas as coisas que modelastes por necessidade ou por prazer.
Pois nos vossos sonhos, não podeis elevar-vos acima de vossas realizações nem cair abaixo de vossos fracassos.
E levai convosco todos os homens.
Pois na vossa adoração, não podeis voar acima de suas esperanças nem aviltar-vos abaixo de seu desespero.
E se quereis conhecer a Deus, não procureis transformar-vos em decifradores de enigmas.
Olhai, antes, à vossa volta e encontrá-Lo-eis a brincar com vossos filhos.
E erguei os olhos para o espaço e vê-Lo-eis caminhando nas nuvens, estendendo Seus braços no relâmpago e descendo na chuva,
E o vereis sorrindo nas flores e agitando as mãos nas árvores’”

Repito: as palavras de Khalil Gibran, na minha opinião, oferecem o melhor conceito de religião, mas o assunto prosseguirá na próxima postagem.

Um comentário:

Rodrigo Leão disse...

Para quem tiver interesse em ler O Profeta, fica aí o link que achei na internet:

http://www.clube-positivo.com/biblioteca/pdf/profeta.pdf

Parabéns pelo texto Guedes. Abração.
Rodrigo Leão