sábado, 8 de abril de 2023

O que é que eu ganho com isso?

 "O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha"

  (Marco Aurélio [121 - 180], o imperador filósofo)
Após duas postagens indagativas, este blog apresenta mais uma. A ideia de elaborá-la surgiu no momento em que, passando próximo a um televisor que estava sintonizado na atual novela das 18 horas, ouvi uma personagem fazer a seguinte indagação: o que é que eu ganho com isso? Interessante é que a proposta que a provocou eu não ouvi, porém a indagação sim, e daí para a ideia de elaborar esta postagem a reação foi imediata. E se a provocação refere-se a algo singular (ganhos individuais), a vontade de refletir sobre ela deve-se a algo plural, pois envolve mais de um motivo.
O primeiro motivo? Enxergo a "prática" de tal indagação como um fator impeditivo da construção de um mundo que preste. Afinal, na condição de seres cuja simples preservação da existência depende de existirem outros seres que com eles interajam para que juntamente consigam lidar, de uma forma minimamente tolerável, com essa coisa que a gente chama de vida, será que faz sentido imaginar ser possível construir uma autêntica coletividade (algo plural) buscando ganhos individuais (algo singular)?
O segundo motivo? O fato de tal indagação evidenciar a prática de algo deplorável que a imensa maioria dos integrantes deste planeta, hipocritamente, enxerga nos outros, mas não neles mesmos. Vocês já ouviram falar em corrupção? Vocês sabem o que é corrupção? Será que fazer algo proposto por alguém apenas para desse alguém receber em troca algum ganho particular pode ser considerado uma ato de corrupção? Há quem considere que sim.
Há algumas décadas, li uma matéria jornalística que divulgava um seminário que seria realizado na unidade da Pontifícia Universidade Católica (PUC) situada no Rio de Janeiro cujo tema seria corrupção. Para quem não sabe, e também para quem sabe, diferentemente da ideia defendida e espalhada por um considerável contingente de indivíduos neste país, corrupção não é algo surgido no Brasil a partir de janeiro de 2003, e sim algo que deve ter surgido no mundo a partir do momento em que o primeiro indivíduo percebeu que era possível "se dar bem" independentemente de como "se dariam" os demais.
Após tentar esclarecer quando teria surgido a corrupção, voltando à referida matéria jornalística, segue algo que nela chamou minha atenção. Segundo o autor ou a autora (não lembro seu nome) da matéria, corrupção é algo que se aprende em casa, pois o simples ato de oferecer a um filho um presente em troca da aprovação escolar deveria ser enxergado como um ato de corrupção. Afinal, atuar para ser aprovado é algo que um estudante deve fazer sem que seja necessário oferecer-lhe qualquer "propina". Isso faz sentido para vocês? O quadrinho reproduzido a seguir foi extraído do livro ARMANDINHO dez, de autoria de Alexandre Beck, publicado em 2018.
 

A resposta à indagação do pai de Armandinho, no meu entender, é dada no parágrafo que antecede a reprodução do educativo quadrinho.
Com a intenção de ajudar nas reflexões sobre essa história de não reconhecer em nós algo que enxergamos nos outros, citada no quarto parágrafo acima, segue uma piada contada por Jurandyr Czaczkes, (1938 – 2023), um antigo compositor, músico e humorista brasileiro, mais conhecido como Juca Chaves em um de seus shows, e que é, mais ou menos, assim:
"Durante uma viagem de avião, um homem vira-se para a atraente mulher que viaja a seu lado e lhe faz a seguinte pergunta:
- Por um milhão de dólares, você faria amor comigo?
Animada com a proposta, ela responde:
- Bem! Por um milhão de dólares!
Diante de tal reação, o homem faz a segunda pergunta:
- E por cem cruzeiros? (moeda vigente na época em que a piada foi feita)
Então, demonstrando indignação, ela responde:
- Você está pensando que eu sou uma prostituta?
Ao que ele responde:
- Isso já ficou definido na resposta à primeira pergunta. Agora, nós estamos apenas discutindo o preço."
Fazendo uma analogia entre a atitude da personagem da novela, infelizmente reproduzida pela imensa maioria dos integrantes da dita espécie inteligente do universo, e a da personagem da piada recontada acima, será que faz sentido afirmar que ser ou não corrupto é algo que já fica definido a partir da primeira vez em que o indivíduo fez a indagação que intitula esta postagem, e que daí em diante, tudo se resume à discussão do preço ou do que será usado como propina? Ou seja, se pensarmos bem, para a imensa maioria dos integrantes deste planeta no qual a cada dia é maior o desejo que cada um tem de se dar bem em cima dos outros, fica cada dia mais difícil não estar incluído em um dos dois, ou até mesmo nos dois (considerando momentos e posições diferentes) seguintes grupos: o dos corruptos e o dos corruptores.
Será que faz sentido afirmar que esse mundo insano em que sobrevivemos foi construído, e é mantido pela "prática" da indagação o que é que eu ganho com isso? Será que algum dia a pretensa espécie inteligente do universo conseguirá livrar-se da equivocada prática de passar a vida buscando ganhos individuais e finalmente assimilará aquela afirmação atribuída a Marco Aurélio, o imperador filósofo que por aqui passou há dezenove séculos. Qual é a afirmação? "O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha". Repetindo algo dito na primeira postagem deste blog (Porque criei um blog?), "creio que a maioria dos problemas atuais resulta da não assimilação desta afirmação".
Sim, como diz o narrador da saga de Joseph Climber, "a vida é uma caixinha de surpresas". Uma caixinha de surpresas que pode fazer com que uma simples passagem diante de um televisor origine uma postagem cuja intenção é levar os integrantes da pretensa espécie inteligente do universo a refletirem sobre o tipo de ganhos que eles deveriam almejar nesse percurso que a gente chama de vida. Aqueles ganhos que beneficiando a todos contribuirão para a construção de algo que algum dia consiga fazer jus ao termo civilização ou aqueles que beneficiando apenas a si mesmos contribuirão para tornar cada vez maior o grau da barbárie em que estamos imersos, e que só não enxerga quem com ela lucra. Sim, por mais absurdo que possa parecer, neste planeta em que o lucro ocupa um dos andares mais altos entre as suas divindades (talvez o mais alto), o que nele há de pior é exatamente o que há de mais lucrativo.
Intitulada Pontos de vista, crenças e tipos de raciocínio, a postagem publicada em 24 de junho de 2011 (faz tempo, hein!) focaliza a lucratividade produzida pela comercialização de tudo o que há de pior nesta sociedade (sic).

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