"O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha"
(Marco Aurélio [121 - 180], o imperador filósofo)
Após duas postagens indagativas, este
blog apresenta mais uma. A ideia de elaborá-la surgiu no momento em que, passando
próximo a um televisor que estava sintonizado na atual novela das 18 horas, ouvi
uma personagem fazer a seguinte indagação: o
que é que eu ganho com isso? Interessante é que a proposta que a provocou eu
não ouvi, porém a indagação sim, e daí para a ideia de elaborar esta postagem a
reação foi imediata. E se a provocação refere-se a algo singular (ganhos
individuais), a vontade de refletir sobre ela deve-se a algo plural, pois
envolve mais de um motivo.
O primeiro motivo? Enxergo a "prática" de tal indagação como um fator
impeditivo da construção de um mundo que preste. Afinal, na condição de seres
cuja simples preservação da existência depende de existirem outros seres que com
eles interajam para que juntamente consigam lidar, de uma forma minimamente
tolerável, com essa coisa que a gente chama de vida, será que faz sentido
imaginar ser possível construir uma autêntica coletividade (algo plural)
buscando ganhos individuais (algo singular)?
O segundo motivo? O fato de tal
indagação evidenciar a prática de algo deplorável que a imensa maioria dos
integrantes deste planeta, hipocritamente, enxerga nos outros, mas não neles
mesmos. Vocês já ouviram falar em corrupção? Vocês sabem o que é corrupção?
Será que fazer algo proposto por alguém apenas para desse alguém receber em
troca algum ganho particular pode ser considerado uma ato de corrupção? Há quem
considere que sim.
Há algumas décadas, li uma matéria
jornalística que divulgava um seminário que seria realizado na unidade da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) situada no Rio de Janeiro cujo tema
seria corrupção. Para quem não sabe, e também para quem sabe, diferentemente da
ideia defendida e espalhada por um considerável contingente de indivíduos neste
país, corrupção não é algo surgido no Brasil a partir de janeiro de 2003, e sim
algo que deve ter surgido no mundo a partir do momento em que o primeiro
indivíduo percebeu que era possível "se dar bem" independentemente
de como "se dariam" os demais.
Após tentar esclarecer quando
teria surgido a corrupção, voltando à referida matéria jornalística, segue algo
que nela chamou minha atenção. Segundo o autor ou a autora (não lembro seu
nome) da matéria, corrupção é algo que se aprende em casa, pois o simples ato
de oferecer a um filho um presente em troca da aprovação escolar deveria ser
enxergado como um ato de corrupção. Afinal, atuar para ser aprovado é algo que
um estudante deve fazer sem que seja necessário oferecer-lhe qualquer "propina". Isso faz sentido para vocês? O
quadrinho reproduzido a seguir foi extraído do livro ARMANDINHO dez, de autoria
de Alexandre Beck, publicado em 2018.
A resposta à indagação do pai de
Armandinho, no meu entender, é dada no parágrafo que antecede a reprodução do
educativo quadrinho.
Com a intenção de ajudar nas
reflexões sobre essa história de não reconhecer em nós algo que enxergamos nos
outros, citada no quarto parágrafo acima, segue uma
piada contada por Jurandyr Czaczkes, (1938 – 2023), um antigo compositor,
músico e humorista brasileiro, mais conhecido como Juca Chaves em um de seus
shows, e que é, mais ou menos, assim:
"Durante uma viagem de avião, um homem vira-se para a atraente mulher que viaja a seu lado e lhe faz a seguinte pergunta:- Por um milhão de dólares, você faria amor comigo?Animada com a proposta, ela responde:- Bem! Por um milhão de dólares!Diante de tal reação, o homem faz a segunda pergunta:- E por cem cruzeiros? (moeda vigente na época em que a piada foi feita)Então, demonstrando indignação, ela responde:- Você está pensando que eu sou uma prostituta?Ao que ele responde:- Isso já ficou definido na resposta à primeira pergunta. Agora, nós estamos apenas discutindo o preço."
Fazendo uma analogia entre a
atitude da personagem da novela, infelizmente reproduzida pela imensa maioria
dos integrantes da dita espécie inteligente do universo, e a da personagem da
piada recontada acima, será que faz sentido afirmar que ser ou não corrupto é
algo que já fica definido a partir da primeira vez em que o indivíduo fez a
indagação que intitula esta postagem, e que daí em diante, tudo se resume à discussão
do preço ou do que será usado como propina? Ou seja, se pensarmos bem, para a
imensa maioria dos integrantes deste planeta no qual a cada dia é maior o
desejo que cada um tem de se dar bem em cima dos outros, fica cada dia mais difícil
não estar incluído em um dos dois, ou até mesmo nos dois (considerando momentos
e posições diferentes) seguintes grupos: o dos corruptos e o dos corruptores.
Será que faz
sentido afirmar que esse mundo insano em que sobrevivemos foi construído, e é
mantido pela "prática" da indagação o que é que eu ganho com isso? Será que algum dia a pretensa
espécie inteligente do universo conseguirá livrar-se da equivocada prática de
passar a vida buscando ganhos individuais e finalmente assimilará aquela
afirmação atribuída a Marco Aurélio, o imperador filósofo que por aqui passou
há dezenove séculos. Qual é a afirmação? "O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha". Repetindo
algo dito na primeira postagem deste blog (Porque criei um blog?), "creio que a maioria dos problemas atuais resulta
da não assimilação desta afirmação".
Sim,
como diz o narrador da saga de Joseph Climber, "a vida é uma caixinha de
surpresas". Uma caixinha de surpresas que pode fazer com que uma simples
passagem diante de um televisor origine uma postagem cuja intenção é levar os
integrantes da pretensa espécie inteligente do universo a refletirem sobre o
tipo de ganhos que eles deveriam almejar nesse percurso que a gente chama de
vida. Aqueles ganhos que beneficiando a todos contribuirão para a construção de
algo que algum dia consiga fazer jus ao termo civilização ou aqueles que
beneficiando apenas a si mesmos contribuirão para tornar cada vez maior o grau
da barbárie em que estamos imersos, e que só não enxerga quem com ela lucra.
Sim, por mais absurdo que possa parecer, neste planeta em que o lucro ocupa um
dos andares mais altos entre as suas divindades (talvez o mais alto), o que
nele há de pior é exatamente o que há de mais lucrativo.
Intitulada
Pontos de vista, crenças e tipos de
raciocínio, a postagem publicada em 24 de junho de 2011 (faz tempo, hein!) focaliza
a lucratividade produzida pela comercialização de tudo o que há de pior nesta
sociedade (sic).
Nenhum comentário:
Postar um comentário