quarta-feira, 6 de julho de 2022

Reflexões provocadas por "Transcendendo as ilusões" (final)

Continuação de quinta-feira
"Para ir além da ilusão, precisamos primeiramente entender o mundo por ela criado. O mundo no qual vivemos é um mundo que não conhece a compaixão, que está se tornando cada vez mais violento, brutal e competitivo. Existem aqueles que dizem que a competição é o caminho, que precisamos ser competitivos para progredir. Isso mostrar apenas o quão pouco entendemos. Ensinar às crianças nas escolas a serem competitivas é um crime contra a humanidade, pois a competição mata o espírito cooperativo.", diz Clemice Petter, em seu instigante texto.
Sim, "Existem aqueles que dizem que a competição é o caminho, que precisamos ser competitivos para progredir.", mas, felizmente, existem também aqueles que dizem que a competição é um caminho equivocado. Alguns deles são citados nos próximos cinco parágrafos.
"Todo mundo fala sobre a paz, mas ninguém educa para a paz. Pessoas são treinadas para a competição, e a competição é o começo de uma guerra." (Paul Lipnizky)
"As pessoas querem redescobrir a sensação de viver numa comunidade verdadeira. Estamos fartos de solidão, independência e competição." (Jean Vanier [1928 - 2019], filósofo e teólogo canadense)
"Não existe competição sadia. A competição é um fenômeno cultural e humano e não constituinte do biológico." (Humberto Maturana, [1928 – 2021], doutor em alguns ramos da biologia)
"A competitividade humana simplesmente não é necessária para a sobrevivência do homem; no máximo, é uma ameaça a ela." (Terry Orlick, [1945 – 2021], líder de renome mundial nos campos aplicados da psicologia do esporte).

"Apesar do mau uso de suas teorias, Charles Darwin afirmou claramente que, para a raça humana, o valor mais alto de sobrevivência está no senso moral e na cooperação – e não na competição." (Terry Orlick [1945 – 2021], no livro Vencendo a competição)

Segundo informação obtida em https://www-hpmcgarry-ca.translate.goog/memorials/terrance-orlick/4699993/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc, Terry Orlick faleceu pacificamente cercado por suas duas filhas mais novas em 17 de agosto de 2021 em Ottawa.

Ao dizer que "a competição mata o espírito cooperativo.", Clemice leva-me a trazer para estas reflexões a seguinte passagem do livro Vencendo a competição.

"Darwin ficou amargurado por suas teorias terem sido distorcidas e terem ajudado a perpetuar o mito da vitória-a-qualquer-custo e a ideia de que os 'perdedores' merecem ser esmagados. Entretanto, apesar do mau uso de suas teorias, Charles Darwin afirmou claramente que, para a raça humana, o valor mais alto de sobrevivência está no senso moral e na cooperação – e não na competição."
Distorcer teorias ou delas fazer mau uso com a intenção de obter vantagens pessoais em detrimento do coletivo, eis duas deploráveis práticas de alguns espécimes da autodenominada espécie inteligente do universo. Elaborar uma postagem focalizando o mau uso das teorias de Freud por seu sobrinho Edward Bernays é algo que ainda pretendo fazer.
"Charles Darwin afirmou claramente que, para a raça humana, o valor mais alto de sobrevivência está no senso moral e na cooperação – e não na competição." Quem e com quais intenções distorceu a afirmação de Charles Darwin?
"Precisamos questionar o que chamamos de progresso e civilização", eis um alerta feito por Clemice Petter. Com a intenção de auxiliar em tal questionamento, seguem duas considerações sobre progresso e civilização que considero bastante interessantes.
"A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem." (Alexis Carrel (1873-1944), cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo francês que, em 1912, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia)
"Defino civilização, em termos gerais, como progresso tanto espiritual quanto material em todas as esferas de atividade, acompanhado por um desenvolvimento ético dos indivíduos e da humanidade." (Albert Schweitzer [1875 – 1965], Prêmio Nobel da Paz em 1952)
Progresso e civilização, eis duas coisas em relações às quais existem muitas ilusões!
"O fato é que não sabemos nos relacionar, como vivermos juntos em harmonia e cooperação. Divisão e competição têm sido o modo de vida dos seres humanos neste planeta.", diz Clemice Petter.
Viver é relacionar-se diz o título de um livro de Vimala Thakar (1921 – 2009), ativista social indiana e professora espiritual. Juntando o que dizem Clemice e Vimala, a conclusão que chego é que ainda não sabemos viver. Sim, como diz Martin Luther King, "Aprendemos a voar como os pássaros; a nadar como os peixes; mas ainda não aprendemos a conviver como irmãos." E acreditar que sem tal aprendizado, algum dia, este mundo em que sobrevivemos será algo que preste é, no meu entender, mais uma estúpida ilusão. Para encerrar, nesta postagem, o inesgotável assunto viver e conviver, segue uma belíssima afirmação do inesquecível poeta, jornalista e escritor Mario Quintana (1906 – 1994): "A arte de viver é simplesmente a arte de conviver… simplesmente, disse eu? Mas como é difícil."
"A ilusão da separatividade, que nos dividiu em eu e você, meus país e seu país, é o que está destruindo a casa em que vivemos – a Terra. (...) Pensamos que somos inteligentes e civilizados, mas a realidade mostra o contrário; somos bárbaros, como éramos há dois mil anos ou mais. (...) Para transformar a sociedade, precisamos transformar a nós mesmos; isso é muito óbvio. Não podemos ter uma sociedade diferente com o mesmo tipo de mentalidade que criou essa desordem.", diz Clemice Petter.
Sim, é a divisão em eu e você; em meus direitos e seus direitos (que nunca são os mesmos) que destrói qualquer lugar em que se vive. Concordo plenamente que para transformar a sociedade, precisamos transformar a nós mesmos, pois, como é dito do Quem sou eu (espaço onde é apresentado o perfil do autor do blog), sou "Alguém que acredita que a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes.". Sobre a última frase do parágrafo acima, reproduzo aqui as seguintes palavras de Albert Einstein: "Não podemos resolver nossos problemas usando o mesmo tipo de pensamento que os criou. Portanto, é imprescindível uma nova maneira de pensar. É preciso entender que uma nova maneira de pensar não é pensar coisas novas: é pensar de outra maneira."
"Os Instrutores disseram que o 'eu' é a ilusão primária. Intelectualmente sabemos disso, mas não conseguimos entender ou ver. Não conseguimos entender que esse 'eu' seja criação da mente, e, enquanto não entendermos os modos e meios da mente, não conseguiremos ver as ilusões que são os seus subprodutos.", diz Clemice.
"Ir além da ilusão é por fim ao 'eu', o local de origem de toda a miséria e degeneração humana.", eis a frase final do instigante texto de Clemice Petter.
Charles Darwin suspeitava que o homem nasceu na África. Minha suspeita é que é de lá que também virão ensinamentos que possibilitem ao homem continuar existindo neste planeta. Menos atingida pelo estonteante desenvolvimento tecnológico que está tornando as pessoas mais semelhantes a máquinas do que a seres humanos, a África parece-me ainda preservar saberes ancestrais que enxergo como capazes de proporcionar-nos alguma chance de ainda conseguirmos concretizar o que Clemice Petter diz na última frase de seu instigante texto: "Ir além da ilusão é por fim ao 'eu', o local de origem de toda a miséria e degeneração humana."
Como exemplos de saberes ancestrais africanos que considero profundos, e que facilmente me vêm à lembrança, cito o ubuntu, cujo significado é: "Sou quem sou porque somos todos nós" e um provérbio que diz o seguinte: "É preciso toda a aldeia para educar uma criança."
A postagem publicada em 17 de novembro de 2015 é intitulada Ubuntu. Intitulada Existe amor pelo coletivo, a próxima postagem espalhará um texto no qual Renato Noguera, doutor em filosofia, docente no Departamento de Educação e Sociedade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, se apoia em saberes ancestrais para acordar em nós o sentido de comunidade e pertencimento.

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