Continuação de sexta-feira
"Será que, além de outros, a próxima ainda tocará
nesse tema?", eis uma indagação feita no último parágrafo da postagem anterior. Sim, esta postagem ainda falará sobre tecnologia. Afinal, como disse
Francisco Bosco, na edição mais recente do programa Papo de Segunda, "A tecnologia faz parecer que o único jogo
possível é o jogo que ela joga." E, desprovida de qualquer senso crítico,
a imensa maioria da espécie inteligente do universo foi atraída pelo "canto
da sereia" entoado pela tecnologia e por ela ficou
fascinada.
Em artigo
publicado na edição de 10 de maio de 2015 do jornal O Estado de S. Paulo sob o título O avanço da
tecnologia, Rania Al-Abdullah, (1970 - ....), rainha da Jordânia, faz uma
interessante indagação que ela mesma responde. "Qual é o benefício
oferecido por essas tecnologias se elas não podem ser compartilhadas e
desfrutadas por todos – especialmente pelas pessoas ou nações que mais
necessitam delas? Nada mais que uma ilusão de progresso."
"Nada
mais que uma ilusão de progresso.", eis como a rainha da Jordânia enxerga O
avanço da tecnologia. Afinal, como
considerar progresso algo que não pode ser desfrutado por todos - especialmente
pelos que mais necessitam dele. E após a visão de uma rainha, passemos a de um
sábio líder indígena. O próximo parágrafo foi extraído de um livro que
sob o título A vida não é útil reúne
cinco textos adaptados de palestras, entrevistas e lives realizadas entre novembro de 2017 e junho de 2020, ocasiões em
que o líder indígena Ailton Krenak teve oportunidade de demonstrar um pouco de
sua sabedoria.
"O planeta está nos dizendo: 'Vocês piraram, se esqueceram quem são e agora estão perdidos achando que conquistaram algo com os brinquedos de vocês'. Pois a verdade é que tudo que a técnica nos deu foram brinquedos. O mais sofisticado que conseguimos é esse que bota gente no espaço; e também o mais caro. É um brinquedo que só dá para uns trinta, quarenta caras brincarem. E, claro, tem uns bilionários querendo brincar disso. O que me faz pensar que essa humanidade imaginária, além de ter uma tremenda infantilidade espiritual, não consegue tecer críticas sobre a sua história. História que, na maioria das vezes, é uma vergonha."
"Pois a verdade é que tudo que a
técnica nos deu foram brinquedos.", diz Ailton Krenak. Brinquedos que nos
foram dados (ou pior, vendidos) para distrair-nos, tirando-nos a possibilidade
de focarmos em nossos reais problemas e, consequentemente, impedir-nos de tentar
solucioná-los. Segundo a filósofa e escritora Márcia Tiburi, "A diversão é
uma droga, ela nos livra de pensar." O próximo parágrafo traz mais um
trecho do referido livro.
"A ciência e a tecnologia acham que a humanidade não só pode incidir impunemente sobre o planeta como será a última espécie sobrevivente e a única a decolar daqui quando tudo for pelo ralo."
Ao refletir
sobre o que é dito no parágrafo acima, chego às seguintes indagações. Como
classificar o que "a ciência e a tecnologia acham? Como ilusão, ingenuidade
ou estupidez? E ao associar "ciência e tecnologia" o
parágrafo acima leva-me a trazer para estas reflexões mais um trecho do
primoroso texto de Clemice Petter.
"A ciência avançou tremendamente no último século, mas foi incapaz de resolver os nossos mais básicos problemas; pelo contrário, eles estão aumentando. Vivemos na era da informação – jamais anteriormente na história da humanidade tivemos tanto conhecimento – e, contudo, estamos enfrentando a maior de todas as crises. Sabemos muito, mas entendemos tão pouco... O conhecimento não está ajudando o ser humano a despertar a natureza humana – gentileza, compaixão e responsabilidade -, que permanece oculta."
Após dizer que "vivendo na era da informação temos uma quantidade de conhecimento jamais vista na história da
humanidade", Clemice Petter diz: "sabemos muito, mas entendemos, tão pouco...". E ao
dizer isso ela faz-me lembrar das
seguintes palavras do físico norte americano Murray Gell-Mann (1929 – 2019) ao
falar sobre o assunto informação
versus conhecimento e entendimento. Os grifos são meus.
"A 'explosão da informação', sobre a qual muito se comenta e escreve, é também, em grande medida, a explosão da informação errada e mal organizada (...) A revolução digital apenas agravou os problemas."
"A explosão da informação errada e mal organizada", diz Murray
Gell-Mann. E da informação muitas vezes mal intencionada, da informação mentirosa,
acrescento eu. "A ciência avançou tremendamente no último século, mas foi
incapaz de resolver os nossos mais básicos problemas; pelo contrário, eles
estão aumentando.", diz Clemice. "A revolução digital apenas agravou os
problemas.", diz Murray. "Sabemos
muito, mas entendemos tão pouco... O conhecimento não está ajudando o ser
humano a despertar a natureza humana – gentileza, compaixão e responsabilidade
-, que permanece oculta.", diz Clemice. Ocultação que entendo como
explicada pela própria Clemice quando diz que "tecnologia é basicamente o conhecimento do processo
mecânico das coisas." Afinal, será que faz sentido esperar
que o conhecimento de processos mecânicos de coisas
seja capaz de despertar características humanas em pessoas? E tome ilusões!
"Diante do que é dito acima, entendo que - acreditar que "os nossos mais básicos problemas" poderão,
algum dia, ser solucionados pela tecnologia - seja mais uma grande ilusão. Até
porque, como diz Charlie Chaplin, em um filme intitulado O Grande Ditador: "Não sois máquinas! Homens é que
sois!" E ao falar em máquinas e em homens, é
inevitável trazer para estas reflexões uma das mais significativas afirmações
que encontrei nesta vida. "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas;
mas, sim o do homem." (Alexis Carrel (1873-1944), cirurgião, fisiologista,
biólogo e sociólogo francês que, em 1912, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e
Fisiologia). Diante da afirmação de Alexis Carrel e da constatação
do fascínio dos homens pela tecnologia, é inevitável trazer também para estas
reflexões a seguinte afirmação
de Erich Fromm (1900-1980), psicanalista,
filósofo e sociólogo alemão: "O
mal do passado foi os homens se tornarem escravos. O perigo do futuro é que
eles se tornem robôs."
Nossa! Duas postagens que se propõem a espalhar reflexões
provocadas por "Transcendendo as ilusões" inteiramente tomadas pelo
tema tecnologia! Para encerrar esse tema, segue um trecho de uma reportagem
de Fernando Scheller publicada na edição de 22 de junho de 2016 do jornal O
Estado de S. Paulo. Intitulada "O desafio da tecnologia é ser
útil", a reportagem é calcada em opiniões da antropóloga digital Amber
Case, o trecho dela selecionado é o seguinte:
"Ao participar do Lions Innovation, evento do Cannes Lions – Festival Internacional de Criatividade dedicado à tecnologia, a antropóloga digital Amber Case – eleita como uma das mulheres mais influentes do setor pela revista 'Fast Company', fez a seguinte afirmação: 'A quantidade ideal de tecnologia na vida de uma pessoa é a mínima necessária'.".
Não, não se trata de demonizar a
tecnologia, e sim de aprender a lidar com ela. Meu
relacionamento com a tecnologia está em conformidade com a afirmação de Amber
Case. A intenção é terminar estas reflexões na próxima quarta-feira. O texto de
Clemice Petter é provocante demais! A intenção de transcender as ilusões
provoca muitas reflexões!
Termina na próxima quarta-feira
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