terça-feira, 26 de julho de 2022

Reflexões provocadas por "Existe amor pelo coletivo" (I)

"A boa sociedade não é uma dádiva, mas trata-se de um processo de construção coletivo."

  (do livro MAGIA & GESTÃO, de Geraldo R. Caravantes e Wesley E. Bjur)
Após a "intromissão" da postagem alusiva ao Dia do Amigo na sequência das postagens, seguem algumas reflexões provocadas pela postagem intitulada Existe amor pelo coletivo. Interessante é que o tema trazido pela intromissão tem tudo a ver com estas reflexões. "Com gratidão e reverência, ele (Renato Noguera) traz ao centro do debate ideias e saberes sobre como podemos viver melhor juntos.", diz Raphaela de Campos Mello em Existe amor pelo coletivo. No meu entender, "trazer ao centro do debate ideias e saberes sobre como podemos viver melhor juntos" tem tudo a ver com a ideia de provocar o desejo de cooperar para diminuir "a eterna dificuldade de se viver em sociedade". Feito este preâmbulo, vamos às reflexões.
"O individualismo é muito antigo. Tem uma ideia de self-made man, daquela pessoa que se faz por si só, como se ela não tivesse alguém, um grupo, uma história, uma ancestralidade, um meio social. Reside aí certa ilusão de uma narrativa heroica, de uma pessoa que sozinha consegue atingir um alvo.", diz Renato Noguera.
E ao falar em "ilusão de uma narrativa heroica, de uma pessoa que sozinha consegue atingir um alvo", Renato Noguera faz-me lembrar de um poema de Bertolt Brecht publicado em 1935 sob o título Perguntas de um trabalhador que lê. Poema do qual reproduzo apenas algumas perguntas para não alongar demais a postagem.
Perguntas de um trabalhador que lê
Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas? Nos livros estão nomes de reis; Os reis carregaram as pedras?
E Babilônia, tantas vezes destruída, Quem a reconstruía sempre? Em que casas da dourada Lima viviam aqueles que a construíram?
A grande Roma está cheia de arcos-do-triunfo: Quem os erigiu?
O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho?
César ocupou a Gália. Não estava com ele nem mesmo um cozinheiro?
A cada página uma vitória. Quem preparava os banquetes?
A cada dez anos um grande homem. Quem pagava as despesas?
Tantas histórias, Tantas questões
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"Tantas histórias, Tantas questões". Questões que precisam ser resolvidas, histórias que precisam ser compreendidas, pois, "Sem essa compreensão, perde-se a consciência do lugar de cada um no contexto geral e louva-se a meritocracia. (...) Eu sou fruto de uma história familiar que me possibilitou que eu fizesse alguns esforços individuais, mas dentro de um contexto.", diz Renato Noguera. Sim, por mais brilhante que alguém seja jamais conseguirá fazer algo relevante (para o bem ou para o mal) sozinho. Não, Hitler não fez o que fez sozinho, e sim com a cooperação de milhões de apoiadores; de indivíduos semelhantes a ele.
"É preciso haver um tipo de sentimento infantil. Se a gente entra numa 'adultidade', enquanto um processo de alteração do nosso caráter inventivo da vida se fecha e passa a acreditar que existem poucos recursos, então achamos que a Terra só pode ser habitada por poucos. Por isso, tem de haver muros para proteger os poucos que são os puros e têm direitos porque nasceram com eles ou porque, sendo muito bem armados, lutaram por eles. A lógica do muro se baseia no pressuposto de que eu só posso amar o meu grupo, com o resto eu entro em conflito. Mas não se trata disso. A gente não precisa amar todos os grupos humanos e ter concordâncias com eles, mas tem de compartilhar o espaço porque o ecossistema é um só.", diz Renato Noguera.
E ao dizer que "é preciso haver um tipo de sentimento infantil", Renato Noguera faz-me lembrar de uma inesquecível frase do extraordinário Antoine de Saint-Exupéry: "Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. Pena que sejam poucas as que se lembram disso." Sim, é uma pena, pois, no meu entender, adultos que se lembram de que um dia foram crianças dificilmente sairiam por aí construindo muros. Sim, "a gente não precisa amar todos os grupos humanos e ter concordâncias com eles, mas tem de compartilhar o espaço porque o ecossistema é um só."

"Precisamos fazer projetos políticos. Os modelos do quilombo e da aldeia, por exemplo, não são paraísos, mas são ecossistemas equilibrados. Na cidade existem pessoas desabrigadas. Numa aldeia não faz sentido haver uma pessoa que não tenha uma rede onde ela possa se deitar. No quilombo havia negros, indígenas e pessoas brancas que coabitavam de modo colaborativo, com produção coletiva. Então, nós precisamos utilizar essas duas estruturas para implementá-las na cidade.", diz Renato Noguera.
Sim, precisamos fazer projetos políticos, porém antes disso precisamos entender corretamente o que é política. "A política é a expressão dos interesses vitais das classes e suas relações recíprocas", eis uma definição que encontrei em um antigo livro de Oswaldo Soares intitulado Pequeno Dicionário Burguês – Proletário, e que considero bastante aceitável. "Expressão dos interesses vitais das classes e suas relações recíprocas", eis o que é a política, segundo Oswaldo Soares. "Algumas pessoas estão numa chave sistemática de exploração de outras.", eis uma sinistra relação entre pessoas de classes diferentes citada por Renato Noguera. Sim, como diz Renato Noguera, "Vamos ter que discutir isso".
Sim, "Vamos ter que discutir isso" se ainda almejarmos que um dia este planeta torne-se um lugar em que vigore um bem-estar coletivo, mesmo que nesse dia não estejamos mais nesta dimensão e, consequentemente, dele não consigamos usufruir. Afinal, a maioria de nós tem descendentes que dizem amar, não é mesmo?
"Os modelos do quilombo e da aldeia, por exemplo, não são paraísos, mas são ecossistemas equilibrados. Na cidade existem pessoas desabrigadas. Numa aldeia não faz sentido haver uma pessoa que não tenha uma rede onde ela possa se deitar. (...) Então, nós precisamos utilizar essas duas estruturas para implementá-las na cidade.", diz Renato Noguera.
Ou seja, existem coisas que não fazem sentido numa aldeia, mas que fazem sentido na cidade. Coisas que levam-me a lembrar de uma frase que há no topo da capa do DVD de um filme intitulado Instinto: "Nada é mais selvagem que a civilização". Então, por mais absurdo que isso possa lhes parecer, concordo com Renato Noguera quando ele diz que "nós precisamos utilizar essas duas estruturas (os modelos do quilombo da aldeia) para implementá-las na cidade.".
 
 
Termina na próxima segunda-feira

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