terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Uma pequena história sobre economia de tempo

"A única coisa a fazer é decidir como usar o tempo que nos foi dado".

(Uma frase "preciosa" da trilogia O Senhor dos Anéis)

O que é economizar tempo? Pelo que se lê na história reproduzida a seguir, é deixar de fazer alguma coisa para usar o tempo que seria "gasto" com ela para fazer outra(s) coisa(s). Desde quando teria a pretensa espécie inteligente do universo iniciado seu interesse pela economia de tempo? Possivelmente, desde o  momento em que percebeu que as vinte e quatro horas de um dia tornaram-se insuficientes para satisfazer a quantidade (a cada dia maior) de necessidades por ela inventadas. Para quem ainda dispuser de algum tempo para ler algo que lhe dê o que pensar, segue uma passagem do extraordinário livro O Pequeno Príncipe, de autoria de Antoine de Saint-Exupéry.
Uma pequena história sobre economia de tempo
- "Boa tarde", disse o Pequeno Príncipe.
- "Boa tarde", disse o comerciante, que negociava pílulas muito eficientes em debelar a sede; tomando-se uma pílula por semana perde-se toda e qualquer necessidade de beber.
- "Por que vendes essas pílulas?", perguntou o Pequeno Príncipe.
- "Isso representa grande economia de tempo", disse o comerciante.
- "Os especialistas fizeram os cálculos: poupam-se cinquenta e três minutos por semana."
- "E o que se faz com esses cinquenta e três minutos?"
- "Ora, cada um faz o que quer ..."
- "Se eu tivesse cinquenta e três minutos de sobra, eu iria calmamente até um poço..."
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"Pílulas que tomando-se uma por semana perde-se toda e qualquer necessidade de beber, economizando cinquenta e três minutos por semana com os quais cada um faz o que quer", diz o comerciante.
Ou seja, pílulas que pretendem liberar as pessoas de ter que atender a uma necessidade natural, e imprescindível ao bom funcionamento do organismo, para usarem o tempo que seria gasto com ela atendendo a alguma necessidade artificial, e comercial, inventada por uma espécie autodenominada a inteligente do universo. Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem. E haja perdão, pois a estupidez não para por aí, como evidencia o que é dito nos três próximos parágrafos, extraídos do livro 24/7 Capitalismo Tardio e os Fins do Sono, de autoria de Jonathan Crary, publicado em 2014.
"Por iniciativa da Darpa (Defense Advanced Research Projects Agency) – divisão de pesquisas avançadas do Pentágono -, diversos laboratórios estão conduzindo testes experimentais de técnicas de privação de sono, recorrendo a substâncias neuroquímicas, terapia genética e estimulação magnética transcraniana. O objetivo de curto prazo consiste em desenvolver métodos que permitam um combatente ficar pelo menos sete dias sem dormir, e, no longo prazo, a ideia é duplicar esse período, preservando níveis altos de desempenho mental e físico. Os atuais meios de indução à insônia têm apresentado preocupantes déficits cognitivos e psíquicos (a diminuição da atenção, por exemplo), como ocorreu com o uso difundido de anfetaminas em grande parte das guerras do século XX, e, mais recentemente, de medicamentos como o Provigil (modafinil). Agora, em vez de investigar formas de estimular a vigília, a ciência pretende reduzir a necessidade de sono do corpo."
"A história mostra que inovações relacionadas à guerra são inevitavelmente assimiladas na esfera social mais ampla, e o soldado sem sono seria o precursor do trabalhador ou do consumidor sem sono. Produtos contra o sono, após agressiva campanha de marketing das empresas farmacêuticas, iriam se tornar uma opção de estilo de vida - e depois, para muitos, uma necessidade."
"Mercados atuando em regime de 24/7 – 24 horas por sete dias na semana – e infraestrutura global para o trabalho e o consumo contínuos existem há algum tempo, mas agora é o homem que está sendo usado como cobaia para o perfeito funcionamento da engrenagem."
"Agora, em vez de investigar formas de estimular a vigília, a ciência pretende reduzir a necessidade de sono do corpo.", diz Jonathan Crary.
"Reduzir a necessidade de sono do corpo", ou seja, reduzir uma necessidade natural de seres humanos para que eles possam atender necessidades artificiais, para torná-los semelhantes a máquinas, eis o que "a ciência pretende". Alegando ter a pretensão de criar uma máquina que se assemelhe a seres humanos, parece-me que o que "a ciência pretende" é tornar seres humanos semelhantes a máquinas.
E nessa história de natural versus artificial, creio que cabe aqui a seguinte indagação. A abundância cada vez maior de coisas inteligentes (telefones, televisões, carros, casas etc) desenvolvidas com inteligência artificial poderá resultar na escassez de inteligência natural nos seres humanos devido à falta de uso desta? Afinal, como diz a antiga Lei do uso e desuso, quanto mais um órgão é usado, mais ele se desenvolverá; quanto menos for usado, menos se desenvolverá, atrofiando-se e tendendo a desaparecer.
Se, alegando o fato de o desenvolvimento não ser ilimitado, alguém quiser invalidar tal lei, solicito que reveja sua opinião considerando a estupenda quantidade de indivíduos que frequentam academias em busca do fortalecimento pelo uso e em fuga do enfraquecimento pelo desuso.
Economia de tempo! Eis o chamariz usado pela tecnologia ao oferecer-nos o tempo liberado pela automatização de tarefas cotidianas e, com o passar do tempo, apossar-se de todo o nosso tempo, tornando-nos inteiramente dependentes dela. E o que é pior: felicíssimos da vida, pois quanto mais tecnologia usamos, mais à frente de nosso tempo nos consideramos. Trabalhar durante todo o tempo, graças (sic) à tecnologia, e ficar feliz com tal condição, pois o pior seria ficar sem trabalhar. Trabalhar para viver em vez de viver para trabalhar, eis algo que parece não passar pela nossa cabeça. Escravos resignados, sem disposição para libertar-se. Será que existe condição pior?
E para encerrar esta postagem que focaliza suspeitos ganhos de tempo, para quem interessar-se por economia de tempo, segue uma sugestão de leitura imperdível: Perca Tempo – É no lento que a vida acontece, um livro de Ciro Marcondes Filho, publicado em 2005, pela editora Paulus. Um livro que ainda poderá servir de fonte para alguma postagem neste blog.
A única coisa a fazer, eis o título da postagem publicada em 1º de abril de 2011. "A única coisa a fazer é decidir como usar o tempo que nos foi dado".  

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