segunda-feira, 13 de maio de 2019

A doença da ganância

Cumprindo o prometido em Reflexões provocadas por "Leonardo da Vinci, Jesus e Judas", segue um texto intitulado A doença da ganância. Publicado na edição de MAR / ABR 2019 da revista SOPHIA, o texto é atribuído a Jan Nicolaas Kind, membro da Sociedade Teosófica e editor chefe da revista Theosophy Forward.
A doença da ganância
'Nós somos aldeões que preferem viver na rivalidade tribal, desenhando divisões surreais chamadas fronteiras, em vez de entender que as linhas que traçamos são inexistentes'
A doença mais devastadora do mundo é a ganância. Esse vírus infectou o nosso comportamento e o nosso pensamento, influenciou a maneira como lidamos com os outros, o meio ambiente, a política, a educação, a religião, nossa conduta sexual. Estamos dispostos até mesmo a ir à guerra por causa da ganância.
Dinheiro e ganância são forças poderosas que se transformam em influências corruptoras nas pessoas. O dinheiro é visto como sinônimo de poder, e as pessoas ricas são vistas como mais poderosas e com mais autoridade sobre os pobres. O caos é gerado quando a violência irrompe para que uma pessoa obtenha o que deseja. Aqueles que têm uma autoridade maior são capazes de abusar de seu poder e se safar das consequências.
A ganância é uma das sete falhas básicas de caráter, traços de uma personalidade sombria. Todos nós temos potencial para tendências gananciosas; no entanto, para algumas pessoas com um medo especialmente forte de sofrer privações, a ganância pode se tornar um problema sério.
Uma pessoa pode ficar totalmente obcecada em procurar o que "necessita", tentando se apossar da única coisa que eliminará o sentimento profundamente enraizado de não ter o suficiente. Essa coisa pode ser dinheiro, poder, sexo, comida, atenção, conhecimento... Pode ser algo concreto ou abstrato, real ou simbólico. Porém, será algo muito específico, onde todo o complexo da ganância e da necessidade se torna obsessão. Quando isso acontece, a vida se transforma num esforço interminável para adquirir o máximo possível.
Isso deveria ser motivo de preocupação de todos nós. Observamos que aqueles que têm invariavelmente dominam aqueles que não têm. Políticos gananciosos enganam eleitores com falsas promessas. Os poderosos mercados de ações dominam o mundo. Apenas uns poucos que se encontram no topo controlam a vasta população mundial – isto é desigualdade de A a Z. Quando olhamos para a nossa história relativamente recente (os últimos dois mil anos), concluímos que, apesar de todos os nossos avanços tecnológicos e materiais, ainda nos comportamos como perdulários tolos e egoístas.
A Terra se transformou numa aldeia global. Nós somos os aldeões que aparentemente preferem viver na rivalidade tribal, desenhando divisões surreais chamadas fronteiras, em vez de entender que as linhas que traçamos são inexistentes. Quando os astronautas orbitam o planeta, não conseguem ver evidências físicas de qualquer divisão. Nós dividimos porque somos gananciosos: esta é a minha terra, não a sua; esta é minha religião, não a sua; esta é a minha convicção, obviamente melhor que a sua; esta é a minha inteligência, superior à sua.
É surpreendente que não tenhamos aprendido com o nosso passado, enquanto os mesmos problemas dolorosos se repetem de novo e de novo. Por sermos gananciosos, perdemos a noção de quem realmente somos. Onde estávamos antes de nos desencaminharmos e começarmos a traçar linhas?
Se olharmos o período em que estamos neste planeta, somos eternos migrantes, mudando de um lugar para outro. Mas, por causa da possessividade, as pessoas pensam que possuem a terra onde temporariamente vivem. Para que os apropriadores de terras se tornem "proprietários de terras", incontáveis povos indígenas foram dizimados.
Como representantes da vida una, não possuímos nada. Nós pertencemos às terras da mãe Terra, somos parte dela. É contra as leis que regem a natureza construir muros para manter "os outros" de fora. Os outros, desde que começamos a caminhar pelo planeta, estão em busca de um futuro melhor, um ambiente mais justo e uma liberdade abrangente.
Muralhas nunca trouxeram soluções duradouras. Por volta de 122 d.C., os romanos começaram a construir a Muralha de Adriano, uma fortificação para proteger a província romana da Britânia de invasões de bárbaros. Mas não funcionou. A Grande Muralha da China foi construída para proteger os chineses dos ataques do norte. Mesmo assim os mongóis, em 1211, simplesmente a rodearam e invadiram partes do território, infligindo uma terrível derrota ao imperador e seus exércitos.
"Muralhas nunca trouxeram soluções duradouras. A Muralha da China foi construída para proteger dos ataques do norte. Mesmo assim, os mongóis simplesmente a rodearam e invadiram."
Todos sabemos o que aconteceu em 1989 com o Muro de Berlim. Os muros que os israelenses construíram durante a Segunda Intifada até agora têm dificultado o processo de paz. Barreiras podem piorar as coisas. Quando uma parede é construída e uma solução permanente é adiada, seus construtores correm o risco de que a correção temporária agrave o problema.
Sabemos, teosoficamente, que estamos todos interligados. Artifícios baseados em uma mentalidade separatista servem apenas para retardar nosso crescimento. A ganância não une; em vez disso, causa guerras, fome, destruição e corrupção. Mas não é por isso que estamos aqui. Há, sem dúvida, outro propósito para o nosso ser, especialmente quando se pensa nessa profunda interconectividade. Apesar de nossas noções enganosas e destrutivas de separação, estamos respirando as coisas que Leonardo da Vinci, Jesus, Gandhi e Buda fizeram.
É claro que é hora de acabar com a ganância. Precisamos estar dispostos a compartilhar com os outros, mesmo que seja apenas um pouco. O dinheiro não deve controlar nossas vidas. Precisamos dominar nossos desejos, admirar nossas bênçãos, aproveitar o que fazemos e seguir nossas paixões. Precisamos colocar em prática o primeiro objetivo da Sociedade Teosofia, formando um núcleo de fraternidade universal. Blavatsky deixou isso bem claro: um núcleo capaz de estabelecer os exemplos corretos.
Uma amiga minha em Atenas, na Grécia, adotou, junto com seu marido, uma menina refugiada de uma região muito conturbada. A criança não apenas perdeu sua família como testemunhou a decapitação de sua mãe por fanáticos religiosos. Traumatizada, chegou à costa grega em um barco e foi levada por duas pessoas amáveis que, apesar dos graves problemas econômicos enfrentados pela Grécia, estavam dispostas a abrir seus corações e portas, oferecendo-lhe um merecido futuro.
Em um mundo com tanto sofrimento e dor, é essencial irradiar bondade, compartilhar e demonstrar compaixão, banindo para sempre a ganância de nossas vidas. Vamos dar o exemplo.
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"A doença mais devastadora do mundo é a ganância. Esse vírus infectou o nosso comportamento e o nosso pensamento, influenciou a maneira como lidamos com os outros, o meio ambiente, a política, a educação, a religião, nossa conduta sexual. (...) Todos nós temos potencial para tendências gananciosas..."
Será que as afirmações de Jan Nicolaas Kind apresentadas no parágrafo anterior são suficientes para provocar em todos nós a vontade de refletir sobre tudo o que é dito em seu elucidativo texto?

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