Cumprindo o prometido
em Reflexões provocadas por "Leonardo da
Vinci, Jesus e Judas", segue um texto intitulado A doença da
ganância. Publicado na
edição de MAR
/ ABR
2019 da revista SOPHIA, o texto é atribuído a Jan
Nicolaas Kind, membro da Sociedade Teosófica e editor chefe da revista Theosophy Forward.
A doença da ganância
'Nós somos aldeões que preferem
viver na rivalidade tribal, desenhando divisões surreais chamadas fronteiras,
em vez de entender que as linhas que traçamos são inexistentes'
A doença mais devastadora do mundo é a
ganância. Esse vírus infectou o nosso comportamento e o nosso pensamento,
influenciou a maneira como lidamos com os outros, o meio ambiente, a política,
a educação, a religião, nossa conduta sexual. Estamos dispostos até mesmo a ir
à guerra por causa da ganância.
Dinheiro e ganância são forças poderosas
que se transformam em influências corruptoras nas pessoas. O dinheiro é visto
como sinônimo de poder, e as pessoas ricas são vistas como mais poderosas e com
mais autoridade sobre os pobres. O caos é gerado quando a violência irrompe
para que uma pessoa obtenha o que deseja. Aqueles que têm uma autoridade maior
são capazes de abusar de seu poder e se safar das consequências.
A ganância é uma das sete falhas básicas
de caráter, traços de uma personalidade sombria. Todos nós temos potencial para
tendências gananciosas; no entanto, para algumas pessoas com um medo
especialmente forte de sofrer privações, a ganância pode se tornar um problema
sério.
Uma pessoa pode ficar totalmente
obcecada em procurar o que "necessita", tentando se apossar da única coisa que eliminará o sentimento
profundamente enraizado de não ter o suficiente. Essa coisa pode ser dinheiro,
poder, sexo, comida, atenção, conhecimento... Pode ser algo concreto ou
abstrato, real ou simbólico. Porém, será algo muito específico, onde todo o
complexo da ganância e da necessidade se torna obsessão. Quando isso acontece,
a vida se transforma num esforço interminável para adquirir o máximo possível.
Isso deveria ser motivo de preocupação
de todos nós. Observamos que aqueles que têm invariavelmente dominam aqueles
que não têm. Políticos gananciosos enganam eleitores com falsas promessas. Os
poderosos mercados de ações dominam o mundo. Apenas uns poucos que se encontram
no topo controlam a vasta população mundial – isto é desigualdade de A a Z.
Quando olhamos para a nossa história relativamente recente (os últimos dois mil
anos), concluímos que, apesar de todos os nossos avanços tecnológicos e
materiais, ainda nos comportamos como perdulários tolos e egoístas.
A Terra se transformou numa aldeia
global. Nós somos os aldeões que aparentemente preferem viver na rivalidade
tribal, desenhando divisões surreais chamadas fronteiras, em vez de entender que
as linhas que traçamos são inexistentes. Quando os astronautas orbitam o
planeta, não conseguem ver evidências físicas de qualquer divisão. Nós
dividimos porque somos gananciosos: esta é a minha terra, não a sua; esta é minha
religião, não a sua; esta é a minha convicção, obviamente melhor que a sua;
esta é a minha inteligência, superior à sua.
É surpreendente que não tenhamos
aprendido com o nosso passado, enquanto os mesmos problemas dolorosos se
repetem de novo e de novo. Por sermos gananciosos, perdemos a noção de quem
realmente somos. Onde estávamos antes de nos desencaminharmos e começarmos a
traçar linhas?
Se olharmos o período em que estamos
neste planeta, somos eternos migrantes, mudando de um lugar para outro. Mas,
por causa da possessividade, as pessoas pensam que possuem a terra onde
temporariamente vivem. Para que os apropriadores de terras se tornem "proprietários de
terras", incontáveis povos
indígenas foram dizimados.
Como representantes da vida una, não
possuímos nada. Nós pertencemos às terras da mãe Terra, somos parte dela. É
contra as leis que regem a natureza construir muros para manter "os outros" de fora. Os outros, desde que
começamos a caminhar pelo planeta, estão em busca de um futuro melhor, um
ambiente mais justo e uma liberdade abrangente.
Muralhas nunca trouxeram soluções
duradouras. Por volta de 122 d.C., os romanos começaram a construir a Muralha
de Adriano, uma fortificação para proteger a província romana da Britânia de
invasões de bárbaros. Mas não funcionou. A Grande Muralha da China foi
construída para proteger os chineses dos ataques do norte. Mesmo assim os
mongóis, em 1211, simplesmente a rodearam e invadiram partes do território,
infligindo uma terrível derrota ao imperador e seus exércitos.
"Muralhas nunca
trouxeram soluções duradouras. A Muralha da China foi construída para proteger
dos ataques do norte. Mesmo assim, os mongóis simplesmente a rodearam e
invadiram."
Todos sabemos o que aconteceu em 1989 com
o Muro de Berlim. Os muros que os israelenses construíram durante a Segunda
Intifada até agora têm dificultado o processo de paz. Barreiras podem piorar as
coisas. Quando uma parede é construída e uma solução permanente é adiada, seus
construtores correm o risco de que a correção temporária agrave o problema.
Sabemos, teosoficamente, que estamos
todos interligados. Artifícios baseados em uma mentalidade separatista servem
apenas para retardar nosso crescimento. A ganância não une; em vez disso, causa
guerras, fome, destruição e corrupção. Mas não é por isso que estamos aqui. Há,
sem dúvida, outro propósito para o nosso ser, especialmente quando se pensa
nessa profunda interconectividade. Apesar de nossas noções enganosas e
destrutivas de separação, estamos respirando as coisas que Leonardo da Vinci,
Jesus, Gandhi e Buda fizeram.
É claro que é hora de acabar com a
ganância. Precisamos estar dispostos a compartilhar com os outros, mesmo que
seja apenas um pouco. O dinheiro não deve controlar nossas vidas. Precisamos
dominar nossos desejos, admirar nossas bênçãos, aproveitar o que fazemos e
seguir nossas paixões. Precisamos colocar em prática o primeiro objetivo da
Sociedade Teosofia, formando um núcleo de fraternidade universal. Blavatsky
deixou isso bem claro: um núcleo capaz de estabelecer os exemplos corretos.
Uma amiga minha em Atenas, na Grécia,
adotou, junto com seu marido, uma menina refugiada de uma região muito
conturbada. A criança não apenas perdeu sua família como testemunhou a
decapitação de sua mãe por fanáticos religiosos. Traumatizada, chegou à costa
grega em um barco e foi levada por duas pessoas amáveis que, apesar dos graves
problemas econômicos enfrentados pela Grécia, estavam dispostas a abrir seus
corações e portas, oferecendo-lhe um merecido futuro.
Em um mundo com tanto sofrimento e dor,
é essencial irradiar bondade, compartilhar e demonstrar compaixão, banindo para
sempre a ganância de nossas vidas. Vamos dar o exemplo.
*************
"A doença mais devastadora do mundo é a ganância. Esse vírus infectou o nosso comportamento e o nosso pensamento, influenciou a maneira como lidamos com os outros, o meio ambiente, a política, a educação, a religião, nossa conduta sexual. (...) Todos nós temos potencial para tendências gananciosas..."
Será que as afirmações de Jan Nicolaas Kind apresentadas no parágrafo anterior são
suficientes para provocar em todos nós a vontade de refletir sobre tudo o que é
dito em seu elucidativo texto?
Nenhum comentário:
Postar um comentário