quarta-feira, 20 de março de 2019

E não sobrou ninguém...

Quando os nazistas vieram buscar os comunistas, eu não me importei, porque, afinal, eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu não me importei, porque, afinal, eu não era um social-democrata.
Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu não me importei, porque, afinal, eu não era um sindicalista.
Quando eles buscaram os judeus, eu não me importei, porque, afinal, eu não era um judeu.
Quando eles vieram me buscar, já não havia alguém para se importar com isso.
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Nestes tempos em que, originais ou parafraseados, textos são atribuídos a vários autores, já vi o texto acima ser atribuído a Bertolt Brecht (1898 – 1956), um dramaturgo, poeta e encenador alemão e a Vladimir Mayakovsky (1893 – 1930), um dramaturgo, poeta e teórico russo. Na postagem Reflexões provocadas por "A uberização da vida", publicada em 23 de fevereiro de 2017, eu mesmo usei uma versão parafraseada atribuindo-a a Bertolt Brecht. De lá para cá, após algumas pesquisas, cheguei à conclusão de que o texto é de outro autor.
Sendo assim, embora sem a pretensão de assegurar-lhes a verdadeira autoria, creio que o mais provável é que o referido texto seja de Martin Niemöller (1892 — 1984), um pastor luterano alemão, e que sua publicação teria ocorrido em 1933. Dito isto, se alguém souber esclarecer melhor a autoria de tal texto, por favor, comunique-me, ok? Ainda segundo as minhas pesquisas, largamente adaptado e parafraseado, no Brasil ele é conhecido como "E não sobrou ninguém...".
Por que resolvi espalhar esse texto? Porque, independentemente de quem seja seu autor, 86 anos após sua publicação ele continua assustadoramente atual nestes tempos de recrudescimento da perseguição a grupos cujas visões de mundo divirjam da visão daqueles que arvoram-se em donos do mundo. Além do mais, como já constatado, ele presta-se a excelentes versões parafraseadas onde outros grupos de perseguidos podem ser evidenciados.
"Não importar-se com tratamentos malévolos aplicados a outros, por imaginar que jamais serão aplicados contra elas, eis um comportamento adotado por uma enorme quantidade de pessoas e ao qual é dado o nome indiferença. Indiferença, eis o que Elie Wiesel (1928 – 2016), um escritor judeu que recebeu o Nobel da Paz de 1986, considera a verdadeira personificação do mal, e sobre a qual ele expressou a seguinte opinião.
"O oposto do amor não é nenhum ódio, é a indiferença. O oposto de arte não é a feiúra, é a indiferença. O oposto de fé não é nenhuma heresia, é a indiferença. E o oposto da vida não é a morte, é a indiferença."
E tome divergências em relação a autores! "O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença.", eis uma afirmação que já vi atribuída a Érico Veríssimo (1905 – 1975), escritor brasileiro, pai de Luis Fernando Veríssimo (1936 - ....), escritor, cartunista, tradutor, roteirista de televisão, autor de teatro e ... Mas deixemos de lado as divergências em relação a autores, e passemos a algumas reflexões sobre o que Elie Wiesel considera a verdadeira personificação do mal.
E para iniciar as reflexões, segue um exemplo de consequências advindas da indiferença. "Em cada ladrãozinho prepotente que inferniza nossas vidas está um pouco de nossa indiferença, que nada fez pelas crianças que eles um dia foram...", diz Padre Zezinho scj em seu livro Pensando como Jesus pensou. Nada fazer por quem estiver em condições em que não gostaríamos de estar, eis a origem de todos os males que infernizam nossas vidas, pois esse nada fazer nada mais é do que contribuir para perpetuar males para os quais nossa contribuição deveria ser no sentido de extingui-los.
E ao falar na necessidade de extinguir tais males, vem-me à mente a história de Aquiles e seu famoso calcanhar? Por que lembrei dessa história? Porque uma lição que dela pode-se tirar é a de que ninguém é invulnerável aos males deste mundo. Sendo assim, creio que a única maneira de conseguirmos anular a probabilidade de sermos atingido por qualquer mal que ande por aí infernizando a vida de outras pessoas, seja atuar no sentido de extingui-lo. Em outras palavras, passar a nos importarmos com as coisas ruins praticadas contra os outros é algo imprescindível, pois nos tornarmos vítimas de tais práticas costuma ser uma simples questão de tempo.
Sim, uma simples questão de tempo! E ao dizer isto, vem-me à mente a seguinte afirmação de Martin Luther King, feita na "Carta da Prisão de Birminghan", em 16 de abril de 1963: "A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça a justiça em todo lugar.". E tome método das recordações sucessivas! "Pode haver momentos em que somos impotentes para evitar a injustiça, mas nunca deve haver um momento em que devemos deixar de protestar.", disse Elie Wiesel, aquele para quem "Indiferença é a personificação do mal." Será que é difícil perceber na afirmação de Luther King uma clara manifestação de indiferença? Indiferença em relação à injustiça praticada contra outras pessoas. Será que toda e qualquer prática malévola contra algum grupo pode ser vista como uma ameaça ao bem viver de todos os grupos?
Por que consentir que os cidadãos se eduquem pessimamente e que seus costumes se vão corrompendo pouco a pouco desde seus mais tenros anos para castigá-los quando, já homens, cometerem delitos que se faziam esperar desde sua infância, que outra coisa é senão criar ladrões para depois castigá-los.", indagou Thomas Morus (1478 – 1535), estadista, escritor e homem de leis, em 1516. Faz tempo, hein! Será que é difícil enxergar nas palavras de Morus um questionamento à indiferença diante da educação que se dava, e ainda se dá, aos cidadãos (sic)?
Certa vez, em uma conversa com um amigo, ao dizer-lhe que determinados coisas das quais ele se queixava já ocorriam em governos anteriores àquele em que estávamos, ouvi dele algo mais ou menos assim: "Mas naquele tempo, pra mim, estava bom". Escutado isto, o que restou-me foi por em prática aquela sábia recomendação atribuída a Confúcio. "Se encontrais uma pessoa a quem vale a pena falar e não lhe falais, perdeis a pessoa; se encontrais uma pessoa a quem não vale a pena falar, e lhe falais, perdeis, isto é, desperdiçais as vossas palavras. Sábio é o que não perde pessoas, nem palavras." Com pessoas que não se importam com o que acontece de ruim com os outros, falar é desperdiçar palavras.
Com a esperança de não ter desperdiçado palavras com esta postagem, começo aqui a encerrá-la citando uma afirmação de Otto von Bismarck, o Chanceler de Ferro, feita em 1888: "Os povos inteligentes aprendem da experiência alheia; os medíocres aprendem por sua própria experiência; os ineptos simplesmente não aprendem." Troque-se povos por grupos ou por indivíduos e, no meu entender, a afirmação continua válida.
Experiências alheias mostrando-nos a estupidez da indiferença, eis uma coisa que, no meu entender, não nos falta. Aprender com elas, eis o que nos falta fazer, e que teremos que fazer nestes tempos. Nestes tempos em que, tomando, ou pior, recebendo eleitoralmente, as rédeas do governo de vários países, o lado sombrio da força ameaça de forma inteiramente despudorada submeter à sua malévola vontade todos aqueles cuja visão de mundo vá de encontro a sua. Nestes tempos aos quais Dumbledore, o mago barbudo do filme Harry Potter e o Cálice de Fogo, assim se refere: "Tempos difíceis estão por vir. Em breve, teremos que escolher entre o que é certo e o que é fácil." Ou seja, escolher entre importar-se com as práticas malévolas praticadas contra os outros e a indiferença de cada um de nós diante de tais práticas.
"Nos perderemos entre monstros da nossa própria criação", diz um trecho da belíssima canção Será, da banda Legião Urbana. Monstros criados pela indiferença com que nos portamos diante de males que ainda não nos atingiram, e que, estupidamente, imaginamos que jamais nos atingirão. Será que só conseguiremos enxergar tais monstros quando sobrar ninguém...? Tomara que não!

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