Sob o título "Meu tempo é já", a postagem
publicada no dia 13 de agosto chama atenção para "a aceleração intensa na
vida contemporânea". Após a publicação de uma postagem contendo reflexões provocadas por ela, em conformidade com a prática de encadear postagens que
tenham alguma relação, segue uma cuja intenção é chamar atenção para a
imprescindibilidade de descobrirmos algo que nos possibilite enfrentar essa
praga que assola esta civilização (sic). Algo que, felizmente, descobri em um excelente
livro de Leila Ferreira intitulado A arte
de ser leve em um capítulo intitulado
Desaceleração.
Publicado no inverno de 2010, a quem passar pela
cabeça a vontade de insinuar que após oito anos a ideia de desaceleração nele defendida pode estar obsoleta, digo que a edição
de setembro de 2018 da revista Vida
Simples traz em sua capa o seguinte destaque: - Desacelere –
Entenda como reduzir o passo das coisas, descartar os excessos e assim ter uma
rotina com mais satisfação e propósito naquilo que faz.
Ou seja, segundo a referida revista, o livro
de Leila Ferreira continua atualíssimo. E, segundo o mantenedor deste blog,
lê-lo do início ao fim é algo que vale a pena fazer. Como informação que
considero interessante, digo-lhes que a minha vontade de espalhar a prática da desaceleração, usando uma compilação de
trechos de textos do livro de Leila Ferreira, antecedeu a publicação da revista
citada. Com a intenção de não desanimar leitores
de pouco fôlego, mais uma vez recorro ao método Jack: vamos por partes. Sendo
assim, segue a primeira de duas postagens nas quais dividi a compilação.
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Ilha de Páscoa, um dos
lugares mais remotos do planeta: depois de um ano de trabalho estressante,
minha amiga Juliana fez as malas e foi conhecer a terra misteriosa dos gigantes
de pedra (os moai), que pertence ao Chile, mas fica a quase 4 mil quilômetros
da costa chilena. Era a primeira grande parada de uma viagem de férias que
duraria vinte dias e, assim que desembarcou, ela fez o check-in às pressas e, mais apressada ainda, saiu em direção à
praia. Já estava entardecendo, e Juliana tinha decidido que seu primeiro
programa na ilha seria ver o pôr do sol. No meio do caminho (e há sempre um
meio do caminho), ela se deu conta de que estava correndo. Suada e com a
respiração ofegante, parou e se perguntou: "Estou correndo para quê?".
Foi nesse momento que a ficha caiu. No meio do oceano Pacífico, com quatro dias
pela frente para conhecer a Ilha de Páscoa, e sem qualquer compromisso na
agenda, ela estava se comportando como havia feito o ano todo: com pressa,
ansiedade e estresse. "Fiquei com medo de perder o pôr do sol, como se
fosse uma consulta médica ou uma reunião da empresa.".
Era assim que o
canadense Carl Honoré vivia, com uma pressa crônica e um senso de urgência que
mantinha inclusive nos momentos de lazer, até que decidiu mudar radicalmente
seu estilo de vida e acabou escrevendo Devagar,
espécie de livro de cabeceira para os que querem modificar sua relação com o
tempo.
Desacelerar, para
Carl, não equivale a voltar ao passado nem adotar o ritmo dos caracóis e das lesmas.
É ter pressa quando faz sentido ter pressa e tirar o pé do acelerador em outras
situações. "A velocidade vicia", diz o canadense, "e estamos
viciados nela. Na nossa cultura fast
forward, palavras como lento e devagar estão virando palavrões.
Carl sabe o quanto é
difícil desacelerar: foi multado por excesso de velocidade quando estava a
caminho de uma entrevista para seu livro Devagar.
Havia ido à Itália pesquisar dois movimentos internacionais que nasceram no
país: o slow food e o cittá slow. O primeiro defende a
ecogastronomia: o comer bem associado ao respeito pelo meio ambiente. Estimula as
refeições calmas com a família e os amigos, o uso de alimentos locais e
sazonais, as receitas passadas de geração em geração – como o nome sugere (slow quer dizer lento ou devagar), é o
contrário dos rituais de fast food,
em que se engole um hambúrguer de procedência duvidosa no balcão da lanchonete,
no carro ou na mesa de trabalho.
O outro movimento, cittá slow (cidade lenta), nasceu quando
Bra (sede do slow food) e mais três
cidades italianas assinaram uma declaração em que manifestavam sua intenção de
transformar em cidades-refúgio para os que não aguentam o ritmo enlouquecido da
vida moderna. Outras cidades aderiram e o movimento ultrapassou as fronteiras
da Itália. Para receber o certificado de cittá
slow é preciso ter menos de 50 mil habitantes e cumprir uma série de
exigências, entre elas, diminuir o barulho e o trânsito, aumentar o número de
áreas verdes e de ruas para pedestres, preservar as construções históricas,
ajudar os produtores e os comerciantes locais a vender seus produtos, defender
as tradições locais e estimular o clima de hospitalidade. Bra tem seguido à
risca sua própria cartilha. Fechou o trânsito de algumas ruas de seu centro
histórico, proibiu a instalação de grandes supermercados e de anúncios
luminosos, e passou a privilegiar pequenos estabelecimentos familiares que
vendem tecidos artesanais e comidas típicas. Nas cantinas das escolas e dos
hospitais, os cardápios são à base de pratos tradicionais feitos com produtos
orgânicos.
As cidades slow – e não há como pensar nelas sem
sentir vontade de fazer as malas e ir "correndo" para lá – não são
contra os avanços tecnológicos nem querem se transformar em museus. Carl Honoré
diz que se algo for considerado bom para a qualidade de vida dos moradores será
aceito. E dá um exemplo: em Orvieto, cidade medieval entre Roma e Florença e
uma das fundadoras do cittá slow, os
bondinhos quase centenários – uma de suas marcas registradas – foram
substituídos por uma versão moderna, operada com a ajuda de computadores. E o
fato de o movimento cittá slow usar
um website para promover sua filosofia de bem viver também mostra, segundo
Honoré, que a modernidade e a tradição podem conviver de forma equilibrada em "cidades
lentas".
"Mas não é
preciso morar numa cittá slow para
desacelerar", afirma o canadense. Ele alega que muita gente que se sente
atraída pela ideia de adotar uma vida mais calma acha que tem que abandonar a
carreira, deixar a cidade e cultivar verduras no campo. O slow é basicamente um estado de espírito, diz Carl, e dá para viver
de forma menos frenética em qualquer lugar. Concordo em parte. Já morei em Belo
Horizonte, em São Paulo, em Brasília, na Cidade do México, em Londres e agora
estou em Araxá, que tem menos de 100 mil habitantes. Mas acho que Carl
Honoré toca num ponto importante: quando as pessoas são viciadas na pressa, não
adianta trocar a cidade grande por um sítio ou por uma casinha naquela vila de pescadores.
E o contrário também vale: há de fato quem consiga sentir calma na hora do rush em São Paulo ou Nova Delhi. Nosso
ritmo interno é que precisa desacelerar.
Isso me faz lembrar
algo curioso. Tive um programa de TV por onde passaram mais de 1.600
entrevistados, e talvez o mais apressado (e estressado) deles tenha sido um
monge com quem conversei num mosteiro budista. No cenário deslumbrante de uma
serra, em meio ao verde e ao silêncio, o monge quase acabou comigo e com a
minha equipe porque estávamos "demorando muito" para montar a iluminação
e ligar os microfones. Poucas vezes na vida vi alguém tão impaciente e tão ríspido.
A pressa e a ansiedade daquele monge (que, aparentemente, não tinha qualquer
compromisso urgente depois da entrevista) me convenceram de que tudo –
absolutamente tudo - nesta vida é relativo. Pode-se viver num ambiente sereno,
adotando todas as práticas que em tese proporcionam calma e equilíbrio, e ainda
assim ser uma pessoa afobada, para não usar outros (e piores) adjetivos.
Continua na próxima terça-feira
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