Continuação de quarta-feira
Segundo o autor de Devagar, estamos vivendo na era da
raiva, graças à velocidade. A pressa e a obsessão com a ideia de economizar
tempo nos deixam furiosos quando alguém se interpõe em nosso caminho e
atrapalha nosso ritmo. Isso pode acontecer nas estradas, nas relações pessoais,
na academia de ginástica, nas férias – ou até mesmo nos mosteiros budistas,
atrevo-me a acrescentar. Estamos cada vez mais impacientes, porque não podemos
perder tempo. E, além de não suportarmos pessoas lentas, computadores lentos ou
o motorista na nossa frente que reduziu porque está procurando o nome da rua, estamos
perdendo dois hábitos saudáveis. Um deles é ficar sem fazer nada – o dolce far niente dos italianos. Ficar à
toa, sem qualquer aparelho eletrônico nas mãos, deixando o corpo e a cabeça
descansar é coisa que rarissimamente se faz hoje.
Em seu livro, Carl
Honoré pergunta: "Quando foi a última vez que vimos alguém simplesmente
olhando pela janela de um trem? Todo mundo está ocupado lendo jornal, jogando
videogames, ouvindo música no iPod, trabalhando no laptop ou falando no celular".
Ele alega que, na era das mil distrações e dos milhares de estímulos, não
conseguimos mais ficar sozinhos com nossos pensamentos. Sentimos tédio ou, mais
que isso, entramos em pânico e procuramos qualquer coisa que faça o tempo
passar. Aquele mesmo tempo que nunca achamos que temos.
O outro hábito que
perdemos, segundo o canadense, deixo para o texto seguinte, diz Leila Ferreira,
iniciando o último parágrafo do texto intitulado Velório Drive-Through que termina assim:
Agora deu vontade de
parar de escrever e ficar sem fazer nada, só olhando pela janela desta casa de mais de cem anos, em Cascais, sentindo o sossego absoluto da avenida
da Castelhana – que, na verdade, é uma ruazinha onde raramente passa alguém – e
contemplando as nuvens que se deslocam sem pressa em direção ao mar. Hora de
desacelerar. Sorry, laptop.
Carl Honoré me contou
que uma mulher com quem conversou descreveu o processo de desaceleração que
estava vivendo como "passar de um filme em preto e branco para outro em
tecnicolor". As pessoas descobrem seu tempo giusto, como na música, e passam a trabalhar, a se divertir e a
viver melhor, alega. Conseguem ser mais criativas e se relacionar melhor com as
outras pessoas e com elas mesmas. Mas, para que isso aconteça, têm de
reaprender algo que está ficando esquecido: fazer uma coisa de cada vez –
aquele segundo hábito saudável que não cheguei a especificar no texto anterior.
Responder à pergunta
do colega de trabalho ao mesmo tempo em que lê uma mensagem no celular, atende o
telefone fixo e confere e-mails pode parecer muito inteligente, muito eficaz e
muito moderno, segundo Carl Honoré, mas na maioria das vezes fazer duas coisas
(ou mais) ao mesmo tempo significa fazer duas coisas (ou mais) não muito bem. A
expressão que se usa hoje é multitarefa. O profissional multitarefa toma
decisões, administra conflitos, redige relatórios, checa suas mensagens, fala
com o escritório em outra cidade – tudo ao mesmo tempo – e por isso é considerado
um exemplo de eficiência. Até que alguém critica o conteúdo do relatório que
ele redigiu ou os conflitos que ele achava que havia administrado reaparecem.
Carl Honoré lembra que
as últimas pesquisas neurocientíficas indicam o que a maioria de nós já suspeitava:
o cérebro não é dos melhores em matéria de multitarefa. "É claro que
conseguimos desempenhar algumas tarefas simples ou rotineiras ao mesmo tempo,
mas quando precisamos que o cérebro se envolva de fato naquilo que estamos
fazendo é necessário focar em uma atividade de cada vez. Muito do que
consideramos multitarefa não passa de um malabarismo de atividades feitas em
sequência", diz. "E as pesquisas mostram que esse vaivém, esse passar
de uma coisa para outra, é extremamente improdutivo: às vezes, gastamos com uma
atividade mais que o dobro do tempo caso fosse feita sozinha."
Rever essa prática de
fazer tudo ao mesmo tempo (no trabalho e em casa) não é simples. "Mas dá
para mudar", garante Carl Honoré.
E para explicar porque
não é simples, interrompo aqui as palavras de Honoré e recorro a um trecho de
outra passagem do livro. Um trecho em que é citado o americano James Gleick,
outro estudioso da doença da pressa, nome dado por especialistas em
comportamento à nossa incapacidade de parar. Gleick alega que uma das causas
desse ritmo frenético, que nos impede de nos envolver com o que estamos
fazendo, é que ter pressa virou sinal de status. Quem vive correndo dá a
impressão de ser uma pessoa importante, requisitada, cheia de compromissos.
Quanto menos tempo se tem, mais prestígio. Talvez por isso haja tanto jogo de
cena. Não basta ser ocupado: é preciso mostrar que não se tem tempo. O fato é
que, somando a pressa genuína com a pressa posada, não sobra espaço para os
momentos sem pressa.
Quando a máxima "tempo
é dinheiro" se aplica (99% do tempo), a pressa é particularmente
valorizada. Não é à toa que estamos todos exaustos. O cansaço é tão grande que
tem gente pagando para cochilar depois do almoço (ou depois da barra de cereal
que substitui o almoço): no centro do Rio de Janeiro já existe um espaço onde
se pode dormir por alguns minutos e voltar renovado ao trabalho. Aquele cochilo
que acontecia em casa, depois do arroz com feijão e bife acebolado, agora é
desfrutado em uma cabine, numa poltrona desenvolvida pela NASA, e os
astronautas do asfalto pagam de dezoito a 28 reais por cochilos que vão de
vinte a quarenta minutos – o sono cronometrado e o taxímetro rodando.
E retornando ao ponto
em que Carl Honoré diz que "Rever essa prática de fazer tudo ao mesmo
tempo (no trabalho e em casa) não é simples. 'Mas dá para mudar'", eu
trago o seguinte trecho:
"Quando
entendemos que o cérebro tem limites, fica mais fácil. Algumas empresas começam
a estimular seus funcionários a se concentrar em uma atividade de cada vez e a
se defender das interrupções eletrônicas sempre que possível.". O processo
é gradativo. "Somos viciados em adrenalina, e a saída desse ritmo
frenético tem que acontecer aos poucos. Por exemplo, podemos começar dedicando
uma hora por dia a uma tarefa que exija mais esforço intelectual e durante essa
hora manter os equipamentos eletrônicos desligados. Ou podemos experimentar
passar uma tarde por semana executando nossas tarefas em sequência, em vez de
fazer várias coisas ao mesmo tempo, e depois avaliar o quanto o trabalho
rendeu." Carl Honoré afirma que ele próprio diminuiu muito a sua rotina multitarefa,
e sente que ficou bem mais criativo e eficiente no trabalho, além de ter
passado a viver de forma mais prazerosa por se envolver mais em tudo que faz.
Ele divide sua vida em
antes e depois de adotar a filosofia slow.
"Hoje, tenho um dia cheio e estimulante, mas sem correria. É uma questão
de encontrar o ponto de equilíbrio." O primeiro passo para mudar foi se
conscientizar de que estar preso a essa cultura fast forward fazia mal a ele. Precisou, então, tomar providências
concretas: "A primeira delas foi diminuir o número de compromissos para
que sobrasse mais tempo para coisas importantes. Parei de usar relógio e
comecei a fazer pausas durante o meu dia de trabalho para relaxar, meditar um
pouco. Tenho desligado o celular e me desligado dos e-mails sempre que
possível. A tecnologia não é algo bom nem ruim – é neutra, depende do uso que
se faz dela, e nossa tendência é utilizá-la mal. Também aprendi a dizer não:
recebo muitos convites e propostas para escrever, fazer palestras, dar
consultoria – a tentação de aceitar tudo é grande, mas aí estaria pregando uma
coisa e fazendo outra. Então, escolho o que acho mais relevante para manter a
minha vida equilibrada".
Fechando a nossa
conversa, pergunto a Carl Honoré que epitáfio escreveria na época em que vivia
correndo e agora que aprendeu a pisar no freio. Ele responde que o primeiro
seria: "Ele viveu (e morreu) com pressa". O de hoje, "O tempo
foi seu aliado". Nada a acrescentar.
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Nada a acrescentar,
diz Leila Ferreira. Mas muito a pensar, digo eu; muito a refletir sobre o que
foi dito nesta postagem e na anterior.
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