Comentários no blog ninguém fez, mas por
e-mail recebi algumas manifestações, principalmente após a segunda das
postagens intituladas Desaceleração,
dentre elas uma coincidentemente iniciada com as palavras do texto de Leila
Ferreira que eu escolhera para começar estas reflexões. Os grifos são da
remetente do e-mail.
Quando a máxima "tempo é dinheiro" se aplica (99% do tempo), a pressa é particularmente valorizada. Não é à toa que estamos todos exaustos. O cansaço é tão grande que tem gente pagando para cochilar depois do almoço (ou depois da barra de cereal que substitui o almoço): no centro do Rio de Janeiro já existe um espaço onde se pode dormir por alguns minutos e voltar renovado ao trabalho.Queria que tivesse na Bahia .......Tô bem assim fazendo tudo ao mesmo tempo o tempo todo ......."Algumas empresas começam a estimular seus funcionários a se concentrar em uma atividade de cada vez e a se defender das interrupções eletrônicas sempre que possível.". O processo é gradativo.
Não vejo o dia da PETROBRAS implantar isso.Primeiro texto seu que consigo ler este ano acredita?
Ao dizer "Tô bem assim fazendo tudo ao mesmo tempo o tempo todo" a remetente do e-mail faz uma declaração que, no meu entender, é aplicável
à imensa maioria dos integrantes da autodenominada espécie inteligente do
universo. E
quanto à indagação feita na frase "Primeiro texto seu que consigo ler este ano acredita?", respondi-lhe que acredito. Afinal, ao se fazer tudo ao mesmo
tempo o tempo todo, uma coisa que deixa de ser feita é buscar tempo para ler coisas
que provoquem reflexões. E falando em reflexões,
seguem algumas provocadas por Desaceleração.
"Quando a máxima 'tempo é dinheiro' se aplica (99% do tempo), a pressa é
particularmente valorizada. Não é à toa que estamos todos exaustos.", diz
a jornalista e escritora Leila Ferreira, fazendo-me lembrar as seguintes
palavras de Eliane Brum, outra jornalista e escritora: "Estamos
exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é
que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a
condição humana dessa época.".
Dessa época em que,
segundo James Gleick, outro estudioso da pressa, "uma das causas desse ritmo frenético, que nos impede de nos
envolver com o que estamos fazendo, é que ter pressa virou sinal de status.
Quem vive correndo dá a impressão de ser uma pessoa importante, requisitada,
cheia de compromissos. Quanto menos tempo se tem, mais prestígio. Talvez por
isso haja tanto jogo de cena. Não basta ser ocupado: é preciso mostrar que não
se tem tempo. O fato é que, somando a pressa genuína com a pressa posada, não
sobra espaço para os momentos sem pressa."
Momentos sem pressa
que possibilitem a prática de dois hábitos saudáveis que perdemos. O primeiro -
ficar sem fazer nada – o dolce far niente
dos italianos. Ficar à toa, sem qualquer aparelho eletrônico nas mãos, deixando
o corpo e a cabeça descansar. O segundo - fazer uma coisa de cada vez, evitando
assim fazer coisas não muito bem e, consequentemente, ter que fazê-las mais de
uma vez.
Carl Honoré lembra que
as últimas pesquisas neurocientíficas indicam o que a maioria de nós já
suspeitava: o cérebro não é dos melhores em matéria de multitarefa. "É
claro que conseguimos desempenhar algumas tarefas simples ou rotineiras ao
mesmo tempo, mas quando precisamos que o cérebro se envolva de fato naquilo que
estamos fazendo é necessário focar em uma atividade de cada vez. Em seu livro, ele
pergunta: "Quando foi a última vez que vimos alguém simplesmente olhando
pela janela de um trem? Todo mundo está ocupado lendo jornal, jogando
videogames, ouvindo música no iPod, trabalhando no laptop ou falando no celular".
Ele alega que, na era das mil distrações e dos milhares de estímulos, não
conseguimos mais ficar sozinhos com nossos pensamentos. Sentimos tédio ou, mais
que isso, entramos em pânico e procuramos qualquer coisa que faça o tempo
passar. Aquele mesmo tempo que nunca achamos que temos.
E ao falar em sentir
tédio, Carl Honoré me faz lembrar algo dito por Mário Sérgio Cortella a partir
do minuto 6:30 em um vídeo no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=ff7l2PeDtws).
"O tédio é
decisivo para você poder inventar. Hoje você tem o que fazer o tempo todo. Isso
é péssimo. A ciência, a religião, a filosofia, a arte nascem do tédio. Elas não
nascem da ocupação. Gente ocupada não faz outra coisa a não ser aquilo que já
está fazendo. As redes sociais hoje com o mundo da tecnologia ocupam de maneira
constante. E ao ocupar de maneira constante você nunca fica sem ter o que
fazer."
Ficar sem ter o que fazer! Eis uma benção que
esta apressada civilização na qual sobrevivemos enxerga como um problema. "Eu
não sei ficar parada; dá um nervoso"! Eis, textualmente, uma confissão que
ouvi de uma participante de um trabalho voluntário do qual faço parte. Dá
nervoso ficar parada! Que reação sinistra, hein! Uma reação sinistra,
infelizmente, bastante comum entre a maioria dos integrantes de uma espécie que,
abominando coisas que a ajudariam a tornar-se melhor e endeusando coisas que atuam
exatamente no sentido contrário, segue por essa coisa denominada vida
pretensiosamente acreditando ser ela a espécie inteligente do universo.
"Carl Honoré me
contou que uma mulher com quem conversou descreveu o processo de desaceleração
que estava vivendo como "passar de um filme em preto e branco para outro
em tecnicolor". As pessoas descobrem seu tempo giusto, como na música, e passam a trabalhar, a se divertir e a
viver melhor, alega. Conseguem ser mais criativas e se relacionar melhor com as
outras pessoas e com elas mesmas.", diz Leila Ferreira.
Serem mais criativas e se relacionarem melhor com as
outras pessoas e com elas mesmas! Será que é adotando esse comportamento,
oriundo da adoção do processo de desaceleração citado no parágrafo anterior,
que as pessoas, finalmente, conseguirão criar algo que faça jus ao termo
civilização? Será que é fácil adotar tal comportamento? No meu entender, não. E
ao responder à indagação anterior, imediatamente, me vem à mente uma
inesquecível frase pronunciada pelo protagonista do filme Patch Adams – O amor é contagioso. Qual é a frase? "Tudo o que
vale a pena fazer é difícil." Frase na qual incluo o processo de
desaceleração.
Sendo assim, para
ajudá-los a enfrentarem as dificuldades na adoção de tal processo, segue uma
sugestão de leitura. Perca tempo – É no
lento que a vida acontece, eis o título de um maravilhoso livro de Ciro
Marcondes Filho publicado em 2005, época em que tive oportunidade de dá-lo como
presente a alguns amigos que por ele se interessaram quando o ofereci no bojo
de um e-mail enviado para a minha lista de destinatários. Um livro com um
título bastante provocativo, não? Um livro que provocará (em quem ousar perder
tempo lendo-o) mais reflexões sobre o processo de desaceleração.
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