"Estamos
exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é
que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a
condição humana dessa época."
(Eliane Brum [1966 - ....],
jornalista, escritora e documentarista brasileira)
Para quem mantém um blog onde já publicou uma
infinidade de postagens do tipo "Reflexões provocadas por", encontrar
uma reportagem onde é dito que "A aceleração intensa na vida contemporânea
já seria, assim, uma ameaça concreta à reflexão." é uma verdadeira
provocação a chamar atenção para o assunto nela tratado. Sendo assim, segue a
reportagem de Bolívar Torres e Jan Niklas publicada na edição de 30 de junho de
2018 do jornal O Globo.
Meu
tempo é já
Conectados sem descanso, estamos percorrendo a vida num
trem-bala. Por quê? É preciso correr tanto? Não pira, respira!
Não, tempo não é dinheiro. Mas vale muito. E, na era dos
smartphones sempre conectados, corremos o risco de ver a vida passar... pela
tela. Apenas pare – e leia
A sensação é de estar
num trem-bala.
Um olho na reunião,
outro no WhatsApp, o email que pisca na tela, a notificação que apita. E é tudo
para hoje, para já, para ontem. Se não se pode conter o progresso, então não há
nada a fazer contra a aceleração. Será?
- O discurso atual é,
sim, de que precisamos nos adaptar a um fenômeno que seria irreversível – diz o
francês Christophe Bouton, professor de Filosofia da Universidade de Bordeaux
Montaigne e autor do livro "Le temps de l'urgence" ("O tempo da
urgência", em tradução livre).
Para ele, vigora hoje
uma crença de que urgência e desenvolvimento estão ligados:
- Daí a angústia
quando não conseguimos acompanhar essa aceleração. No capitalismo, o tempo é
racionalizado ao extremo, e um segundo ganho pode fazer diferença. Então, primeiro,
otimizamos o tempo no trabalho. Depois, trazemos essa otimização para fora
dele. E nos sentimos culpados até se não usamos ao máximo nosso tempo livre.
A urgência como modelo
de gestão do tempo é um conceito que remonta ao fim do século XVIII. Mas, de
tão absorvido no nosso cotidiano, parece ter virado algo inerente ao ser
humano. E tudo piorou com computadores e smartphones, que facilitaram a invasão
das esferas. Por emails, redes sociais, aplicativos, o trabalho chega à nossa
casa, os amigos pipocam no escritório, a família nos encontra em qualquer
lugar.
Eis aí um dos grandes
paradoxos da tecnologia: ao simplificar tarefas, ela nos prometeu liberdade.
Mas estamos todos produzindo mais e mais no mesmo tempo. Entramos no ritmo
acelerado das máquinas, como argumenta a filósofa e professora titular da
Escola de Comunicação da UFRJ Maria Cristina Franco Ferraz. Até nossos corpos,
ela diz, estão se tornando cada vez mais "compatíveis" com os modos
de produção.
Autora do livro
"Ruminações: cultura letrada e dispersão hiperconectada", ela chama
atenção para os efeitos que o estilo de vida contemporâneo, crescentemente
online, non-stop e hiperconectado, têm sobre a experiência humana.
- Isso achata a medida
do tempo – diz Maria Cristina. – Há uma espécie de fragmentação excessiva do
nosso desejo e atenção, que pouco consegue pousar sobre as coisas. Se estamos
sempre online, estamos sempre capturados.
A aceleração intensa
na vida contemporânea já seria, assim, uma ameaça concreta à reflexão. É como
se fôssemos uma locomotiva em disparada sem pausas para pensar no que estamos
fazendo, diz o antropólogo Orlando Calheiros. Ao estudar os aikewara, grupo
indígena que habita a região sudeste do Pará, ele percebeu um contraste
evidente entre eles e nós: quando novas tecnologias são incorporadas às rotinas
dos índios e aceleram seu trabalho, eles não usam o tempo que ganham para
produzir mais tarefas.
- Eles o preenchem com
ócio e com aquilo que faz a vida valer a pena – lembra Calheiros. – Uma vez
garantido o sustento da família, produzem música, pintura, festa, coisas que
são características da sua mito-filosofia e que lhes permitem especular sobre o
universo e o cosmos.
Mas de onde vem toda
essa rapidez? Professor do Departamento de História da UniRio, Rodrigo Turin vê
a aceleração do tempo como um fenômeno central das sociedades contemporâneas.
Autor do livro "Tessituras do tempo", o historiador acredita que a
confluência das tecnologias digitais e do capital financeiro globalizado
acelerou nossas vidas de tal maneira que afetou a política, a economia, o
trabalho e mesmo nossas subjetividades.
- Essa onde se reflete
até no vocabulário. "Flexibilidade", "eficiência",
"excelência" passaram a expressar nossa experiência – diz Turin. – É
uma temporalidade sem finalidade, um movimento sem direção determinada.
Nossas diferentes
percepções do tempo sempre intrigaram pensadores e cientistas. "Se ninguém
me pergunta o que é o tempo, eu sei o que é. Mas se desejo explicar o que é
para alguém que me pergunta, não sei responder", escreveu o teólogo Santo
Agostinho, antigo estudioso do assunto. Há, no entanto, várias maneiras de o
medir de forma objetiva.
A rotação e a
translação da Terra, a oscilação de átomos estáveis, como quartzo, rubídio etc.
Ou, em laboratório, com a frequência de luz de lasers – explica Horácio
Dottori, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
Objetivo ou subjetivo,
o tempo é o que se faz dele. O importante, alertam estudiosos e artistas, é que
isso seja fruto de escolhas. O trem-bala pode até seguir a toda, mas com
consciência. Ou confirmamos a impressão que os aikewara têm de nós.
- Para eles, somos
zumbis que não saem do computador e só conseguem fazer a mesma coisa – diz
Calheiros.
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"A aceleração
intensa na vida contemporânea já seria, assim, uma ameaça concreta à reflexão",
diz o antropólogo Orlando Calheiros. E ao dizer isso o antropólogo me faz
lembrar uma afirmação atribuída a um famoso filósofo que esteve nesta dimensão entre os anos 469 a.C
e 399 a.C,
onde a.C não significa antes do Celular, compreendido?
Será que a afirmação atribuída
ao famoso filósofo é capaz de provocar reflexões? E a reportagem que provocou
esta postagem?
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