terça-feira, 7 de agosto de 2018

Reflexões provocadas por "Radicais livres" e por "Outras formas de compartilhar"

"- Quem quer assegurar que a internet sirva de fato à Humanidade está hoje preocupado com o que vê no mundo digital, – diz o físico inglês Tim Berners-Lee, 63 anos.", segundo a excelente reportagem de Rosane Serro. Mas quem é Tim Berners-Lee? Simplesmente, o criador da World Wide Web. Um criador que, "na edição de julho de 2018 da revista 'Vanity Fair', afirmou que está 'devastado' com os rumos de sua invenção." Porém, a "devastação" com o rumo de suas invenções não se restringe a Berners-Lee, conforme se pode constatar no parágrafo abaixo, também extraído da referida reportagem.
"Quando a internet comercial ainda engatinhava, um grupo de pensadores – cientistas, filósofos, sociólogos, profissionais liberais – se dedicou a imaginar e construir o ciberespaço, a então nova fronteira da Humanidade. (...) Só que hoje, pouco mais de 30 anos depois, os protagonistas desse círculo estão fazendo um apelo desesperado para que a sociedade se desconecte, sob pena de extinguir o que nos resta de humano."
"Sob pena de extinguir o que nos resta de humano." Sinistro, não!
"Cientista, compositor e escritor, Jaron Lanier, de 58 anos, foi o criador do conceito de Realidade Virtual.". E hoje, o que faz ele? "Leva aos quatro cantos do mundo uma campanha de alerta contra o que chama de 'os impérios de modificação de comportamento', como classificou em sua palestra no TED Talks, em maio. Ele não tem Twitter, Reddit ou Facebook e acaba de lançar o chamado às armas 'Ten arguments for deleting your social media accounts right now' ("Dez argumentos para deletar agora sua conta nas redes sociais", em tradução livre). "Lanier alega que nas redes sociais o cidadão perde seu livre arbítrio e se submete ao mecanismo viciante dos likes: 'Eles alimentam esses sentimentos, e você fica preso num loop', diz ele, em afirmação citada na reportagem que provocou estas reflexões.
"Cientista da computação, escritor e ativista do Software Livre, o americano Richard Stallman, 65, discorda da proposta de desconexão total. Com uma forte ressalva. O uso que ele faz é bem peculiar. Stallman não tem celular, não entra em redes sociais, e aboliu aplicativos e programas que utilizam software proprietário. Argumenta que eles são desenhados pelas corporações justamente para manipular e controlar dados dos usuários."
"- As empresas que desenvolvem esses programas têm controle total sobre o que as pessoas fazem. Se quiserem, elas podem espionar usuários, restringi-los ou manipulá-los. Estamos indefesos, impotentes perante a vontade das corporações – afirma Stallman." "Em seu libelo em favor das liberdades individuais, ele duvida que as empresas desistam de seus lucros para racionalizar o que estão fazendo. Ele aponta uma saída simples e objetiva:"
"- Depende de nós. Precisamos nos recusar a usar programas e plataformas abusivas. A maneira de acabar com o poder das empresas sobre os usuários é insistir em que eles usem software livre. Assim, eles próprios controlariam os programas e poderiam alterá-los. Quando seus amigos disserem que não querem mais usar Facebook, WhatsApp, Skype ou qualquer outro sistema de comunicação viciante, por favor, faça um esforço e coopere. Não descarte a amizade, encontre outras formas de dividir com eles informações sobre eventos sociais – diz Stallman."
Para aqueles que costumam interagir comigo, neste ponto da postagem, julgo conveniente fazer a seguinte declaração: jamais conversei com Richard Stallman. Ou seja, o que ele defende nas duas últimas frases do parágrafo acima nada tem a ver com algo que eu a ele tenha solicitado dizer. Compreendido?
"Tristan Harris, 33, ex-designer de Ética do Google, para onde trabalhou até 2016, se tornou uma espécie de mascote para o time dos radicais livres, ao fundar o Centro de Tecnologia Humana. Ele aposta em quatro soluções: as empresas precisam redesenhar suas interfaces para minimizar nosso tempo de tela; os governos têm de pressionar as empresas de tecnologia para adotarem modelos de negócios humanitários; consumidores se defrontarem com a tarefa de assumir o controle de suas vidas digitais através de uma conscientização; e os funcionários das empresas de tecnologia devem se capacitar para construir soluções que melhorem a sociedade." (o grifo é meu)
E das quatro soluções em que Harris aposta, a única na qual enxergo possibilidade de êxito é aquela que no parágrafo acima apresenta uma palavra grifada. Quanto às outras três, compartilho com vocês três indagações sobre o que seja mais provável ocorrer entre o par de possibilidades apresentado em cada um dos três próximos parágrafos.
A aposta de Harris "que as empresas redesenharão suas interfaces para minimizar nosso tempo de tela" ou a descrença de Stallman "em relação às empresas desistirem de seus lucros para racionalizar o que estejam fazendo"?
A aposta de Harris "que os governos pressionarão as empresas de tecnologia para adotarem modelos de negócios humanitários" ou a crença "que nesta civilização (sic) cuja maioria de seus integrantes vive segundo o lema – topa tudo por dinheiro –, quando devidamente "estimulados", os governantes jamais exercerão a pressão almejada por Harris"?
A aposta de Harris "que os funcionários das empresas de tecnologia se capacitarão para construir soluções que melhorem a sociedade" ou a aposta dos funcionários "em capacitarem-se exclusivamente para a preservação de sua empregabilidade, pois neste aglomerado individualista em que sobrevivem capacitar-se para a construção de soluções que melhorem uma coisa denominada sociedade é algo que para eles não faz sentido"?
Ou seja, das quatro apostas de Harris, a única da qual creio que se pode esperar algo que preste é a que se refere aos "consumidores se defrontarem com a tarefa de assumir o controle de suas vidas digitais através de uma conscientização". E em conformidade com a ideia de conscientização, seguem mais alguns trechos da excelente reportagem de Rosane Serro.
"Para a professora da UFRJ e teórica da Comunicação Raquel Paiva, a conscientização só poderia ocorrer se (ou quando) o usuário brasileiro perceber que está se relacionando mais com máquinas do que com pessoas." (o grifo é meu)
"Sérgio Branco, diretor e fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, voltado para a promoção de práticas de regulação na área, concorda que as pessoas ainda não se conscientizaram do perigo, especialmente, porque, ele diz, 'vive-se a ilusão de que tudo é gratuito'." (o grifo é meu)
"- Jamais será um ato puramente inocente fornecer dados em troca de conteúdo, porque não temos controle sobre o que as empresas farão com eles – alerta o advogado ao citar um caso exibido pelo documentário 'As vítimas do Facebook' (lançado pelos diretores canadenses Geoff D’Eon e Jay Dahl em 2011)."
"- Uma mulher diagnosticada com depressão severa recebeu como indicação médica sair de férias. Levou a mãe a um cruzeiro no Caribe e postou fotos no Facebook. Seu plano de saúde, que monitorava os dados, viu a foto e cancelou o serviço. A alegação? Quem está em depressão profunda não viaja para o Caribe de férias e muito menos celebra a alegria no universo digital."
E após ser citado nos dois parágrafos acima, Geoff D'Eon retorna nos dois abaixo.
"O documentarista canadense Geoff D'Eon, diretor de 'As vítimas do Facebook"' diz simpatizar com a crítica dura dos digerati, mas faz ponderação pertinente:
- A desconexão em massa, na prática, não vai acontecer. (...) É muito tarde para um caminho de volta. Talvez a saída seja pensar melhor no que postar, ser mais consciente e cauteloso em relação ao que e com quem dividimos nossa vida online." (o grifo é meu)
"Cientista da computação, escritor e ativista do Software Livre, o americano Richard Stallman, 65, discorda da proposta de desconexão total. "Documentarista e diretor de 'As vítimas do Facebook, o canadense Geoff D'Eon, pondera que 'A desconexão em massa, na prática, não vai acontecer'."
Concordando com Stallman e com D'Eon, creio que nem desconexão total nem desconexão em massa sejam coisas passíveis de concretização. Sendo assim, considerando a impossibilidade de desconexão, considero a primeira frase do texto Outras formas de compartilhar perfeita para ser usada como a última destas já longas reflexões.
"Se o ciberespaço hoje aparenta ser um lugar ameaçador, a solução para voltarmos a habitar um local seguro e livre pode ser resumida em uma única palavra: conscientização." (o grifo é meu)

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