"- Quem quer assegurar que a internet
sirva de fato à Humanidade está hoje preocupado com o que vê no mundo digital, –
diz o físico inglês Tim Berners-Lee, 63 anos.", segundo a excelente reportagem de Rosane Serro. Mas quem é Tim Berners-Lee? Simplesmente, o criador da World
Wide Web. Um criador que, "na edição de julho de 2018 da revista 'Vanity
Fair', afirmou que está 'devastado' com os rumos de sua invenção." Porém,
a "devastação" com o rumo de suas invenções não se restringe a
Berners-Lee, conforme se pode constatar no parágrafo abaixo, também extraído da
referida reportagem.
"Quando a
internet comercial ainda engatinhava, um grupo de pensadores – cientistas,
filósofos, sociólogos, profissionais liberais – se dedicou a imaginar e
construir o ciberespaço, a então nova fronteira da Humanidade. (...) Só que
hoje, pouco mais de 30 anos depois, os protagonistas desse círculo estão
fazendo um apelo desesperado para que a sociedade se desconecte, sob pena de
extinguir o que nos resta de humano."
"Sob pena de
extinguir o que nos resta de humano." Sinistro, não!
"Cientista,
compositor e escritor, Jaron Lanier, de 58 anos, foi o criador do conceito de
Realidade Virtual.". E hoje, o que faz ele? "Leva aos quatro cantos do
mundo uma campanha de alerta contra o que chama de 'os impérios de modificação
de comportamento', como classificou em sua palestra no TED Talks, em maio. Ele
não tem Twitter, Reddit ou Facebook e acaba de lançar o chamado às armas 'Ten
arguments for deleting your social media accounts right now' ("Dez
argumentos para deletar agora sua conta nas redes sociais", em tradução
livre). "Lanier alega que nas redes sociais o cidadão perde seu livre
arbítrio e se submete ao mecanismo viciante dos likes: 'Eles alimentam esses
sentimentos, e você fica preso num loop', diz ele, em afirmação citada na reportagem
que provocou estas reflexões.
"Cientista da
computação, escritor e ativista do Software Livre, o americano Richard
Stallman, 65, discorda da proposta de desconexão total. Com uma forte ressalva.
O uso que ele faz é bem peculiar. Stallman não tem celular, não entra em redes
sociais, e aboliu aplicativos e programas que utilizam software proprietário.
Argumenta que eles são desenhados pelas corporações justamente para manipular e
controlar dados dos usuários."
"- As empresas
que desenvolvem esses programas têm controle total sobre o que as pessoas
fazem. Se quiserem, elas podem espionar usuários, restringi-los ou
manipulá-los. Estamos indefesos, impotentes perante a vontade das corporações –
afirma Stallman." "Em seu libelo em favor das liberdades individuais,
ele duvida que as empresas desistam de seus lucros para racionalizar o que
estão fazendo. Ele aponta uma saída simples e objetiva:"
"- Depende de
nós. Precisamos nos recusar a usar programas e plataformas abusivas. A maneira
de acabar com o poder das empresas sobre os usuários é insistir em que eles
usem software livre. Assim, eles próprios controlariam os programas e poderiam
alterá-los. Quando seus amigos disserem que não querem mais usar Facebook,
WhatsApp, Skype ou qualquer outro sistema de comunicação viciante, por favor,
faça um esforço e coopere. Não descarte a amizade, encontre outras formas de
dividir com eles informações sobre eventos sociais – diz Stallman."
Para aqueles que
costumam interagir comigo, neste ponto da postagem, julgo conveniente fazer a
seguinte declaração: jamais conversei com Richard Stallman. Ou seja, o que ele
defende nas duas últimas frases do parágrafo acima nada tem a ver com algo que
eu a ele tenha solicitado dizer. Compreendido?
"Tristan Harris,
33, ex-designer de Ética do Google, para onde trabalhou até 2016, se tornou uma
espécie de mascote para o time dos radicais livres, ao fundar o Centro de
Tecnologia Humana. Ele aposta em quatro soluções: as empresas precisam
redesenhar suas interfaces para minimizar nosso tempo de tela; os governos têm
de pressionar as empresas de tecnologia para adotarem modelos de negócios
humanitários; consumidores se defrontarem com a tarefa de assumir o controle de
suas vidas digitais através de uma conscientização; e os funcionários
das empresas de tecnologia devem se capacitar para construir soluções que
melhorem a sociedade." (o grifo é meu)
E das quatro soluções
em que Harris aposta, a única na qual enxergo possibilidade de êxito é aquela
que no parágrafo acima apresenta uma palavra grifada. Quanto às outras três,
compartilho com vocês três indagações sobre o que seja mais provável ocorrer
entre o par de possibilidades apresentado em cada um dos três próximos
parágrafos.
A aposta de Harris "que
as empresas redesenharão suas interfaces para minimizar nosso tempo de tela"
ou a descrença de Stallman "em relação às empresas desistirem de seus lucros
para racionalizar o que estejam fazendo"?
A aposta de Harris "que
os governos pressionarão as empresas de tecnologia para adotarem modelos de
negócios humanitários" ou a crença "que nesta civilização (sic) cuja maioria
de seus integrantes vive segundo o lema – topa tudo por dinheiro –, quando devidamente
"estimulados", os governantes jamais exercerão a pressão almejada por
Harris"?
A aposta de Harris "que
os funcionários das empresas de tecnologia se capacitarão para construir
soluções que melhorem a sociedade" ou a aposta dos funcionários "em capacitarem-se
exclusivamente para a preservação de sua empregabilidade, pois neste aglomerado
individualista em que sobrevivem capacitar-se para a construção de soluções que
melhorem uma coisa denominada sociedade é algo que para eles não faz sentido"?
Ou seja, das quatro apostas de Harris, a única
da qual creio que se pode esperar algo que preste é a que se refere aos "consumidores
se defrontarem com a tarefa de assumir o controle de suas vidas digitais através
de uma conscientização". E em
conformidade com a ideia de conscientização, seguem mais alguns trechos da
excelente reportagem
de Rosane Serro.
"Para a
professora da UFRJ e teórica da Comunicação Raquel Paiva, a conscientização só poderia ocorrer se (ou quando) o usuário
brasileiro perceber que está se relacionando mais com máquinas do que com
pessoas." (o grifo é meu)
"Sérgio Branco,
diretor e fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, voltado para
a promoção de práticas de regulação na área, concorda que as pessoas ainda não
se conscientizaram do perigo,
especialmente, porque, ele diz, 'vive-se a ilusão de que tudo é gratuito'."
(o grifo é meu)
"- Jamais será um
ato puramente inocente fornecer dados em troca de conteúdo, porque não temos controle
sobre o que as empresas farão com eles – alerta o advogado ao citar um caso
exibido pelo documentário 'As vítimas do Facebook' (lançado pelos diretores
canadenses Geoff D’Eon e Jay Dahl em 2011)."
"- Uma mulher
diagnosticada com depressão severa recebeu como indicação médica sair de
férias. Levou a mãe a um cruzeiro no Caribe e postou fotos no Facebook. Seu
plano de saúde, que monitorava os dados, viu a foto e cancelou o serviço. A
alegação? Quem está em depressão profunda não viaja para o Caribe de férias e
muito menos celebra a alegria no universo digital."
E após ser citado nos dois
parágrafos acima, Geoff D'Eon retorna nos dois abaixo.
"O documentarista
canadense Geoff D'Eon, diretor de 'As vítimas do Facebook"' diz simpatizar
com a crítica dura dos digerati, mas faz ponderação pertinente:
- A desconexão em
massa, na prática, não vai acontecer. (...) É muito tarde para um caminho de
volta. Talvez a saída seja pensar melhor no que postar, ser mais consciente e cauteloso em relação ao
que e com quem dividimos nossa vida online." (o grifo é meu)
"Cientista da
computação, escritor e ativista do Software Livre, o americano Richard
Stallman, 65, discorda da proposta de desconexão total. "Documentarista e
diretor de 'As vítimas do Facebook, o canadense Geoff D'Eon, pondera que 'A
desconexão em massa, na prática, não vai acontecer'."
Concordando com Stallman
e com D'Eon, creio que nem desconexão total nem desconexão em massa sejam
coisas passíveis de concretização. Sendo assim, considerando a impossibilidade
de desconexão, considero a primeira frase do texto Outras formas de compartilhar perfeita para ser usada como a última
destas já longas reflexões.
"Se o ciberespaço
hoje aparenta ser um lugar ameaçador, a solução para voltarmos a habitar um
local seguro e livre pode ser resumida em uma única palavra: conscientização." (o grifo é meu)
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